Receber o diagnóstico de uma doença séria deixa qualquer pessoa abalada. O câncer de mama, principalmente para as mulheres, vai além e afeta a autoestima. Passar por uma mastectomia — cirurgia de retirada da mama —, e, em alguns casos, ver o cabelo cair durante as sessões de quimioterapia, gera aflição e medo do que pode acontecer no futuro. Para prestar apoio e levar esperança às pacientes, o projeto Recomeçar atua desde 2011 no Distrito Federal, atendendo pessoas em tratamento e lutando por políticas públicas voltadas a elas.
Idealizadora do projeto, Joana Jeker, 44 anos, descobriu um câncer de mama em 2007, quando morava na Austrália. Como tinha registros da doença na família, a jovem sempre fazia o autoexame (veja Cuide-se) durante o banho. Em uma dessas ocasiões, sentiu um nódulo no seio e procurou ajuda médica. No mesmo dia, recebeu o diagnóstico de que estava com um dos tipos mais agressivos da enfermidade, o triplo negativo. Dias depois, voltou para o Brasil, onde começou um tratamento no Hospital Regional da Asa Norte (Hran). “Fiz mastectomia radical e não pude fazer a reconstrução imediata”, diz.
Observando alguns deficits do tratamento na rede pública, ela decidiu criar o Recomeçar. “De lá para cá, trabalhamos no fomento de políticas. Conseguimos uma sala de acolhimento para mulheres mastectomizadas, no Hran, onde orientamos, doamos próteses e sutiãs, para trazer a autoestima de novo”, detalha. Toda semana, ao menos duas pacientes recebem essas doações. E, desde o início do projeto, mais de 500 mulheres foram beneficiadas. Hoje, o programa conta com mais de 20 voluntários, entre eles mulheres que venceram o câncer de mama e algumas ainda em tratamento.
A psicóloga Jennifer Lisboa afirma que todo tipo de apoio é fundamental nesse processo, mesmo que o adoecimento seja vivido por cada paciente de maneira singular. “Saber que se tem uma rede de apoio, sentir-se acolhido, compreendido e amado pode ajudar muito durante esse processo, minimizando emoções como tristeza e solidão”, ressalta. A especialista acrescenta que, além desse apoio, procurar a ajuda de um profissional é importante. “Tudo o que ocorre em nosso corpo pode afetar nosso estado emocional. E tudo o que abala nossas emoções pode afetar nosso corpo. É comum que o paciente se depare com sentimentos ruins que, em grande escala e se não tratados, podem desencadear um adoecimento psicológico”, alerta.
Moradora de Ceilândia, a artesã Cintia Cerqueira, 44, lembra que se afastou da família quando descobriu o câncer de mama. Ela acreditava que, se mantivesse aproximação, levaria mais preocupação aos parentes. O diagnóstico veio em 2018, após sentir um nódulo próximo às axilas. Em outubro daquele ano, em meio à campanha de conscientização da doença, ela decidiu fazer os exames e recebeu o diagnóstico. “Fui ao chão com essa notícia. Comecei a pensar quantos dias de vida eu tinha e que eu ia morrer. Chorei muito, contei para meus pais e minha filha. Não queria que eles passassem por aquilo”, recorda-se.
Como Cintia descobriu a doença em fase avançada, deparou-se com uma metástase do câncer no cérebro. Dias depois de remover a mama esquerda, precisou tirar cinco tumores cerebrais. “O Recomeçar foi essencial. Hoje, sei que o câncer não significa morte. Para mim, significa vida. As meninas me deram todo o apoio e, com a doença, comecei a curar feridas da minha vida. Hoje, sou muito melhor. Aprendi a receber o amor de minha família e aceito que mereço esse cuidado”, completa. Atualmente, a artesã também é voluntária do projeto.
Reforço
Após receber o diagnóstico, em 2018, a professora Simone Barreto, 49, conheceu o Recomeçar por meio de uma amiga. Preocupada com as consequências da doença, ela havia buscado ajuda. “Tenho caso de câncer no útero na família, minha avó teve. O meu foi por causa de fatores externos. Levava uma vida muito estressante, cuidando de todo mundo, menos de mim. O corpo começou a dar sinais, mas não me importei. Quando vi, estava com a doença”, conta. Ela passou por 26 ciclos de quimioterapia e, nas primeiras sessões, quando os cabelos enfraqueceram, ela decidiu raspar a cabeça. “Não me deixei abalar durante o processo. Ainda tirei um quadrante da mama direita, que não reconstruí. Mas está tudo certo.”
Simone define a participação no projeto como gratificante. “É um trabalho importante, porque, como vivemos isso, podemos passar informações mais precisas para mulheres que receberam diagnósticos recentemente. Acabamos aprendendo a linguagem do mundo oncológico e repassando. Falo sobre minha experiência sem dor”, garante.
Moradora de Sobradinho, a aposentada Joana Darc Gomes, 58, conheceu a iniciativa durante um evento no Eixo Monumental, em 2011. Ela recuperava-se de um câncer de mama diagnosticado em 2000. “Na festa, havia mulheres recuperadas e algumas em tratamento desfilando. Eu estava com minha autoestima baixa, mas me senti a Gisele Bündchen naquele dia. Achava que, para ser bonita, precisava ter o peito grande. Quando me vi na passarela, vi que podia ser mulher do jeito que eu estava”, relata. “Teve um tempo em que eu quis parar de participar (do Recomeçar), que não queria mais falar sobre isso. Mas Deus falou comigo e disse que usaria minha vida para ajudar outras mulheres, que eu não poderia sair naquele momento e que eu seria exemplo para mulheres que achavam que morreriam. Decidi ficar”, acrescenta Joana Darc.
Mapeamento genético
O teste de mapeamento genético em mulheres com alto risco de desenvolver câncer de mama será obrigatório em todos os hospitais da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. O projeto de lei que prevê essa medida foi aprovado na Câmara Legislativa, na última quarta-feira. A norma ainda depende de sanção do governador Ibaneis Rocha (MDB). O Executivo local deverá assegurar todos os recursos necessários para a disponibilização do exame, que identifica uma mutação no gene BRCA.
Autor do projeto, o deputado distrital Rafael Prudente (MDB) afirma que o câncer de mama responde por 25% dos casos anuais da enfermidade no Brasil. O presidente da Câmara Legislativa justifica que, com dados em mãos, será possível promover campanhas educacionais para alertar a população sobre a importância da detecção precoce. “Apesar do medo que a doença provoca entre pacientes e familiares, em razão do alto índice de mortes, a neoplasia maligna tem cura. As chances de vencer são maiores quando o diagnóstico ocorre no estágio inicial”, ressalta o parlamentar.