Candidatos a prefeito de 10 cidades do Entorno receberam, juntos, R$ 3,3 milhões em doações. Levantamento feito pelo Correio na última quinta-feira, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que 51,3% desses recursos foram disponibilizados pelos partidos. Em seguida, estão as doações de pessoas físicas, com 29%. Os valores aplicados pelos próprios candidatos correspondem a 19,4% do total e o financiamento coletivo, 0,13%. Na avaliação de especialistas, os números mostram que a primeira disputa municipal com recursos do Fundo Eleitoral (leia Para saber mais) trouxe poucos benefícios para o processo democrático, pois candidatos próximos às grandes lideranças e com alto poder aquisitivo continuam a ter as maiores receitas.
É o caso da candidata Maria Aparecida dos Santos (Pros), que concorre à reeleição em Planaltina de Goiás. Ao todo, ela declarou ter recebido R$ 694,6 mil, valor bem próximo do limite de gastos definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é de R$ 785,6 mil para o município. Do total informado, 98,99% foram doados pela direção nacional do partido da atual prefeita, que é presidido pelo filho dela, Eurípedes Gomes de Macedo Junior. Entre os 62 postulantes ao cargo nas 10 cidades, ela é a que tem o maior volume de doações.
A quantidade de receitas declarada por Maria Aparecida é quase quatro vezes superior do que a do segundo candidato com mais recursos em Planaltina de Goiás. Cristiomario Medeiros (PSL) tem R$ 189,7 mil disponíveis para a campanha, sendo que 79,07% foram doados pelo próprio partido. Na mesma cidade, Bernardo Xavier (PSol) disse contar com apenas R$ 500 doados por Francisco Cláudio Correia.
Questionado sobre o valor investido na campanha de Maria Aparecida, o Pros justificou o financiamento por ser a única candidata da legenda no Entorno e por “tratar-se da presidente nacional do Pros Mulher, atual prefeita e candidata à reeleição na cidade-berço do partido”. A sigla também afirmou que os repasses respeitam os critérios legais e disse ser “uma eleição importante para a legenda com reconhecimento de todo o país, dado o simbolismo da boa administração que tem sido feita” pela candidata.
Política tradicional
Em Luziânia, Diego Sorgatto (DEM), atual deputado estadual em Goiás, recebeu R$ 411,5 mil em doações. Quase a totalidade delas, 92,4%, veio do tio Renato Romeu Sorgatto, um dos maiores produtores de tomate do Brasil. O pai de Diego, Remi Vittorino Sorgatto, contribuiu com 4,82%.
Se comparado com os concorrentes, o democrata tem quase 80 vezes mais recursos. Dos outros quatro políticos com candidatura deferida ou aguardando julgamento na cidade, apenas dois haviam informado as receitas ao TSE. Edna Alves (Podemos) tinha R$ 5 mil, doados por pessoas físicas, e Wilde Cambão (PSD), R$ 5,2 mil de recursos próprios. O limite de gastos em Luziânia é de R$ 1,8 milhão.
Outro campeão de doações é o candidato a prefeito de Goianésia Pedro Gonçalves (MDB). O emedebista divulgou que tem R$ 244 mil em receitas, sendo R$ 48,3% delas doadas por Otávio Lage de Siqueira Filho. Diretor-presidente da Jalles Machado, uma das principais agroindústrias do setor sucroenergético nacional, o empresário é filho do ex-governador de Goiás, de quem herdou o nome. O segundo maior doador é o próprio candidato, que diz ter desembolsado 32,79% do montante disponível. Em Goianésia, cada candidato a prefeito pode gastar até R$ 1,1 milhão. O Correio tentou entrar em contato com os responsáveis pelas campanhas de Sorgatto e Gonçalves, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.
Para o cientista político Valdir Pucci, esses exemplos confirmam que, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir as doações de empresas e de o Congresso Nacional criar o Fundo Eleitoral, os candidatos ligados à política tradicional ainda são os mais beneficiados. “Ao proibir as empresas e não desenvolver estímulos para as doações de pessoas físicas, os candidatos ficaram dependentes do fundo. Isso facilita a arrecadação de recursos para aqueles que têm proximidade com os partidos políticos, com as lideranças. Facilita para os envolvidos com uma política mais tradicional, pois são próximos aos líderes partidários que terão mais acesso a recursos do Fundo Eleitoral. Não foi um estímulo à democracia e ao engajamento das pessoas na doação”, avalia.
Segundo Valdir, o ideal seria que houvesse mais estímulo para que pessoas físicas financiassem as campanhas dos candidatos. “Os números deixam claro que, ao trocar esse tipo de financiamento de pessoa jurídica para o Fundo Eleitoral, não tivemos estímulo à participação das pessoas no processo eleitoral. Quando o principal doador não é o partido, é o próprio candidato ou são pessoas muito próximas a ele, isso é ruim. Se houvesse uma maior contribuição do eleitor comum nessas doações, poderia haver maior aproximação entre os candidatos e os cidadãos”, completou o cientista político.
Financiamento coletivo
Enquanto alguns candidatos informaram cifras altas, outros declararam valores bem abaixo do limite máximo imposto pelo TSE. É o caso de Sergiana da Mata (PSol), candidata a prefeita em Águas Lindas de Goiás. De acordo com o Divulgacand, do TSE, ela recebeu apenas R$ 300 da Democratize Tecnologia, plataforma de financiamento coletivo.
Além de Sergiana, apenas dois candidatos declararam esse tipo de doação: a petista Kedma Karen recebeu R$ 3,8 mil para a campanha à prefeitura da Cidade Ocidental — o valor representa 18,93% dos R$ 20 mil arrecadados — e em Valparaíso, Silvano Pereira Neto (PT), informou que dos R$ 64,6 mil disponíveis, R$ 400 eram de financiamento coletivo, o que corresponde a 0,62%.
De acordo com o cientista político Rafael Favetti, as facilidades do Fundo Eleitoral justificam a baixa procura pelo financiamento coletivo. “Não existe incentivo para as pessoas se organizarem coletivamente e financiarem campanhas ou fazerem mobilização política sem um partido por trás. Nesses modelos, as pessoas procuram uma plataforma, acham um candidato e, a partir daí, doam o dinheiro. Mas isso não ocorre na realidade, porque não há incentivo”, diz.
Limite de gastos
O limite de gastos para as campanhas de prefeitos e vereadores é definido pela Lei das Eleições. De acordo com as regras, o valor máximo nos municípios deve equivaler ao limite para os respectivos cargos nas eleições de 2016, atualizado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado de junho de 2016 a junho de 2020. Neste ano, os valores foram reajustados em 13,9%.
Nas cidades pesquisadas, a que tem o maior limite para os candidatos a prefeitos é Luziânia, onde cada concorrente pode gastar até R$ 2,6 milhões. Em seguida, está Valparaíso, com teto de R$ 1,9 milhão. Na outra ponta, estão Santo Antônio do Descoberto e Novo Gama. Nesses municípios, os políticos que pretendem ocupar as prefeituras podem gastar até R$ 311,6 mil e R$ 702,6 mil, respectivamente.
Onde houver segundo turno, a lei determina que o limite máximo de gasto seja de até 40% do que foi previsto para o primeiro turno. Quem descumprir as regras pode pagar multa no valor equivalente a 100% da quantia que superar o teto estabelecido e ainda ser investigado por abuso do poder econômico.