O craque e o poeta
Depois que citei o nome de vários jogadores brasileiros que seriam referências positivas a serem considerada, em crônica sobre o caso Robinho, um amigo me enviou mensagem lembrando a história da amizade do craque Paulo Roberto Falcão e do poeta gaúcho Mario Quintana. Fui atrás da história. Durante a década de 1980, Falcão formou um meio de campo espetacular na Roma, ao lado de Toninho Cerezo. Em razão das atuações de gala no time italiano, foi sagrado pela torcida com o título nobiliárquico de “Rei de Roma”.
Falcão era elegante dentro e fora de campo. Estava na Itália quando soube que o poeta Mario Quintana havia saído do hotel em que morava, pois a empresa tinha falido. Falcão era proprietário do Hotel Royal, em Porto Alegre, e convidou Quintana para morar em um quarto, sem pagar nada. O poeta aceitou o convite feliz e, da generosidade de Falcão, nasceu uma divertida amizade.
Ele trazia o senso de humor e a irreverência dos seus versos diretamente para a vida. Quintana nasceu em Alegrete, interior do Rio Grande do Sul. A prefeitura resolveu fazer uma homenagem ao poeta, com uma estátua na rua principal da cidade, mas o poeta resistiu bravamente. No entanto, depois de árdua negociação, ele concordou, desde que fosse acompanhada da seguinte frase: “Um engano em bronze é um engano eterno”.
Lembro que, certa vez, Quintana foi atropelado, a Rede Globo o entrevistou e ele declarou à repórter que registrou a placa do carro para jogar na loteria. Nos encontros com Falcão, ele fez muitas brincadeiras, sempre críticas ou autoirônicas. Em entrevista ao repórter Vinicius Faustini, do jornal Lance, Falcão conta que ficou impressionado com a humildade do poeta. O futebol nunca entrou na conversa, mesmo porque o craque fazia questão mais de ouvir do que de falar.
Falcão sabe de cor várias frases de Quintana. E entre as preferidas estão as líricas (“A amizade é uma espécie de amor que nunca morre”) e as engraçadas: “Há duas espécies de chatos: os chatos propriamente ditos e... os amigos, que são os nossos chatos prediletos”.
Quintana tentou entrar na Academia Brasileira de Letras três vezes. Mas, para ser aceito naquele clube literário é preciso fazer política, coisa que o poeta sempre execrou. Quintana, no entanto, não deixou barato e vingou-se com humor no Poeminha do contra: “Todos esses que aí estão/Atravancando meu caminho/Eles passarão.../E eu passarinho”.
Nunca se viu vingança tão delicada. E, de fato, muitos acadêmicos passaram, mas Quintana continua a nos inspirar e divertir com seu voo de passarinho.