A Assembleia-Geral Extraordinária de acionistas da Companhia Energética de Brasília (CEB) aprovou o início do processo de privatização da empresa. A reunião aconteceu na tarde de ontem e definiu detalhes da alienação da CEB Distribuição, como o valor mínimo de venda. O preço foi fixado em R$ 1,4 bilhão, resultado final de duas avaliações econômicas contratadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e sem levar em consideração terrenos. Ao todo, foram 6.998.430 votos a favor e 1.058 contrários à proposta. O leilão será realizado em novembro pela B3, Bolsa de Valores de São Paulo. Na manhã de hoje, às 11h, acontece uma audiência pública para que a companhia preste informações, e a população possa dar sugestões sobre a desestatização.
O governador Ibaneis Rocha (MDB) ressaltou, ontem, o interesse dos empresários no negócio. “O valor avaliado pelo BNDES tem a expectativa de chegar em torno de R$ 2 bilhões, até R$ 2,5 bilhões, por ser um bem que é muito cobiçado pelos empresários da área”, afirmou. Para o presidente da companhia, Edison Garcia, os números poderiam ser ainda maiores, mas as dívidas acumuladas reduziram o valor. “Houve a aprovação majoritária para alienação. Votaram GDF, Novacap e um conjunto de acionistas e investidores. A CEB foi avaliada em R$ 2,4 bilhões, mas se endividou e perdeu o valor. A companhia não dá lucro, os números mostram isso. O GDF perde cerca de R$ 900 milhões por conta de ações de gestões passadas. Então, o que poderíamos vender por R$ 2,4 bilhões vai começar com R$ 1,4 bilhão”, enumerou Edison.
Seis empresas já mostraram interesse pela compra da distribuidora e o fornecimento para 1,1 milhão de consumidores. A maior parte delas é controlada por capital estrangeiro. O valor arrecadado com o leilão será transferido para a CEB Holding, com 80% das ações sendo do Governo do Distrito Federal (GDF) e 20% do mercado. O presidente da CEB avaliou o panorama da empresa debatendo ações que ocasionaram o contexto atual. “Para citar exemplos, há uma dívida da Universidade de Brasília (UnB) que lesou o caixa da companhia por seis anos, ainda de uma época do governo de Cristovam Buarque, que isentava o pagamento de conta de luz, mesmo sendo uma universidade federal, que tem recursos federais. Também tivemos planejamentos do passado em que houve mais compra de energia do que temos capacidade de consumir. Ainda há os custos de pessoal, de serviço”, detalha.
Levando esses fatores em conta, Edison opina que a privatização pode representar uma retomada de investimentos na cidade e mais eficiência em processos como cobrança e compras. Após a venda, será criada a CEB Iluminação Pública, que vai convocar 100 empregados que estão atualmente na distribuidora para as áreas administrativa e de prestação de serviços. A companhia estima que cerca de 230 mil consumidores deixaram de pagar as contas de luz em dia durante a pandemia, o que gera prejuízo de R$ 120 milhões por mês.
Conta mais cara?
Uma das principais críticas de pessoas e entidades que se manifestam de forma contrária à desestatização é a forma com que o processo de venda pode encarecer as contas de luz da população. Edison define essa argumentação como um “temor de alarmistas”. “Toda tarifa das distribuidoras é definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), sendo que 50% são relativos à energia e transmissão, e a distribuição só equivale à 15% da conta. Sobre esses 15%, existe um marco regulatório em que a Aneel faz a avaliação dos valores, qualidade do serviço e investimentos feitos. Ou seja, não tem nenhuma distribuidora que defina a própria tarifa”, alega.
O entendimento do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF) é diferente. Segundo o diretor jurídico, João Carlos Dias, há exemplos pelo país que mostram o peso no bolso do consumidor após processos de venda de estatais. “Se a gente olhar para casos dos estados que privatizaram, identificamos problemas de apagões, precarização do atendimento e, com certeza, uma elevação da conta de luz. Isso que vai acontecer no DF”, afirma.
João Carlos também questiona os dados divulgados relativos aos prejuízos da empresa. “A todo momento o governo passa números descolados da realidade. Dizer que a CEB gasta R$ 4,2 bilhões para faturamento de R$ 4 bilhões (veja números) é algo tem que ser explicado. São informações que precisam ser trabalhadas com mais transparência. E é importante ressaltar que o Tribunal de Contas do DF (TCDF) ainda analisa esse processo de privatização”, lembra. O diretor jurídico do sindicato pede ainda um debate na Câmara Legislativa sobre o tema.
Sem passionalismo
Roberto Bocaccio Piscitelli, professor de finanças públicas da UnB, pede que o tema da privatização seja encarado com mais racionalidade, analisando bem todos os pontos das propostas e sem deixar questões sem esclarecimento. “Hoje há uma discussão muito passional, mas não dá para tomar decisões de forma generalizada, porque não há uma regra que diga que a empresa estatal ou privada é melhor. Há muitos outros fatores para se levar em consideração, que tornam algumas estatais eficientes e nos dão muitos exemplos de empresas privadas que não funcionam bem. Nós, como consumidores de produtos e serviços, estamos satisfeitos com as companhias aéreas ou telefônicas, por exemplo?”, questiona.
Piscitelli levanta que a gestão da empresa pode não ser bem-feita, por conta de possíveis intervenções políticas, mas que é preciso analisar como certos ocupantes de cargos foram nomeados e caminhos para melhorar esse processo de administração. “Talvez isso aconteça e seja um problema. Mas há preocupação com a privatização. A área de atuação da empresa pode ser considerada estratégica, é um tipo de empresa que tem atividade importante do ponto de vista de gestão pública. Devemos entender, por exemplo: a empresa privada vai aguentar meses de atraso ou cortar a energia do consumidor de baixa renda? Há vários pontos que precisam ser devidamente esclarecidos para um posicionamento de forma mais objetiva”, diz.