SEGURANÇA

Capital armada: Registros de armas em Brasília crescem 540%

Nos nove primeiros meses do ano, a Polícia Federal expediu 4.660 registros de armas, sendo 1.510 para pessoas físicas, contra 722 (371 para cidadãos) no mesmo período de 2019. Anuário de Segurança Pública mostra que o DF é a unidade da Federação com mais armamento legalp

Darcianne Diogo
postado em 24/10/2020 07:00
 (crédito: Editoria de ilustração)
(crédito: Editoria de ilustração)

O número de brasilienses que adquiriram, de maneira legal, armas de fogo no Distrito Federal cresceu em mais de 540% em 2020, comparado ao período de janeiro a setembro de 2019, segundo dados obtidos com exclusividade pelo Correio, junto à Polícia Federal (PF). A maioria dos equipamentos foi comprada por pessoas físicas. Outro estudo divulgado, este mês, pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mostra que a capital da República é a unidade da Federação com mais armas de fogo em todo o país. Especialistas da área divergem sobre o uso do armamento por civis, mas concordam que andar armado não é sinônimo de proteção.

Com base no levantamento do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da PF — responsável pelo controle de armas de fogo em poder da população, como previsto no Estatuto do Desarmamento —, nos nove primeiros meses deste ano, a corporação expediu 4.660 registros para cidadãos comuns, servidores, empresas privadas e órgãos públicos do DF. No mesmo período do ano passado, o número foi de 722. O registro é o documento, com validade de 10 anos, que permite a pessoa a manter o armamento, exclusivamente, em casa ou no local de trabalho.

Os dados são mais expressivos quando separados por categoria. Das 4.660 armas adquiridas nesse período, 1.510 foram obtidas por pessoas físicas, contra 371 no mesmo período do ano passado. Nos órgãos públicos, foram registrados 2.605 novos armamento, contra apenas 160 em 2019.

DF no topo

A capital da República ocupa o primeiro lugar no ranking de registros de armas de fogo ativos no Sinarm em todo o país, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Mesmo diante do preço elevado dos equipamentos, em todo o Distrito Federal, 2019 contabilizou 227.940 registros, o que significa um crescimento de 538,6%, quando comparado a 2017 (35.693). Isso representa, aproximadamente, uma arma para cada 13 habitantes, considerando a estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019.

Todas as unidades da Federação registraram aumento na aquisição de armas no ano passado. Depois do DF, São Paulo aparece em segundo lugar, com 154.378 registros, seguido por Rio Grande do Sul (96.269), Minas Gerais (81.076), Santa Catarina (63.319) e Paraná (62.878).

Os dados do Anuário de registro de arma por estado são apenas do Sinarm. No caso do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército Brasileiro, que contabiliza armas a policiais e bombeiros, caçadores, atiradores e colecionadores, há apenas o número de agosto deste ano, onde registrou-se 1.128.348 armas no país.

Para o advogado criminalista Luiz Paulo Batista, o aumento da aquisição de armas por pessoas no âmbito rural e urbano pode ser uma maneira de “tentar se proteger”, mas ele reprova a ideia de que o armamento traz a sensação de segurança. “É importante salientar que a arma de fogo não é sinônimo de segurança. Não é porque a pessoa está sob a posse de uma arma, que está segura. É necessário pontuar que a pessoa, para ter esse armamento, tem de ter certidões criminais negativas, passar por testes de tiro e psicotécnico. Tem de estar em condição de usá-la”, frisou.

Ele considera, ainda, que uma população armada não ajuda a reduzir as taxas de criminalidade. “Para alcançarmos essa redução, é necessário o Estado estar bem aparelhado. Oferecer recursos aos agentes de segurança pública, bons salários, viaturas, etc. Precisamos dar condições aos policiais para poder combater o crime organizado como um todo. Isso, sim, alcançará um resultado significativo”, explicou.

Novo entendimento

Na avaliação de Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública, a população tem um novo entendimento no que se refere à aquisição de armas de fogo. Em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou o Decreto nº 9.685, que facilitou a posse de armamento no Brasil. “Em períodos anteriores a 2017, tinha-se uma postura diferente, principalmente na esfera governamental, em que se ter uma arma era algo negativo. Com as novas legislações, hoje, percebe-se que o pensamento das pessoas é outro; mostra que o cidadão armado não é considerado um criminoso, mas, sim, uma pessoa que opta por uma possibilidade de defesa além daquela que o estado pode oferecer”, pontuou.

Bruno Nalcher, 34 anos, trabalha como Instrutor de Armamento e Tiro (IAT) e é apaixonado pelo esporte. “Comecei a me interessar pela área há oito anos, quando percebi que as pessoas que praticavam tiro não tinham a conduta adequada nessa parte técnica do armamento, como montagem e cuidados. Então, fiz o curso e decidi montar minhas próprias turmas para instruir melhor os alunos”, destacou.Atualmente, Bruno dá instruções de tiro para 10 pessoas.

Há oito anos, ele deu processo à compra do próprio armamento. “Tem uma série de regras para conseguir efetuar a compra, mas que são fundamentais para garantir a segurança.Não é qualquer pessoa que consegue. A arma, de maneira alguma, pode sair de dentro do domicílio, a não ser para o estande de tiros”, finalizou.

Enquanto isso, a população segue sofrendo com as armas de fogo nas mãos de criminosos. Proprietária de um salão de beleza no Lúcio Costa, no Guará, Gisele dos Santos, 41 anos, sofreu um assalto, há dois anos, enquanto trabalhava. Desde então, o estabelecimento é cercado por grades.“Meu salão estava cheio de clientes quando um homem chegou e anunciou o assalto. Ele estava armado e levaram dois celulares dos clientes. Fiquei com muito medo. Depois disso, toda vez que entrava alguém no salão, eu achava que era bandido. Mas, agora, tenho o controle do portão e só entra quem eu permitir”, detalhou.

Requisitos

A pessoa que deseja adquirir o armamento deve cumprir uma série de requisitos, uma delas é ter idade mínima de 25 anos. É preciso apresentar, ainda, certidões negativas de antecedentes criminais, além de comprovar a aptidão psicológica para o manuseio da arma e a capacidade técnica. As armas com calibres permitidos para compras são .38, .380, .22 e .36. O revólver mais barato encontrado no mercado é o .38, que está à venda a partir de R$ 3,1 mil.

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Palavra de especialista

Faroeste tropical

A flexibilização da legislação sobre porte e posse de armas de fogo pela população civil deve ser tratada com responsabilidade. Estudos levados a cabo pelo professor Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador de estudos da Faculdade Latino Americano de Ciências Sociais, autor do Mapa da Violência, aponta que, contrariando o senso comum, o cidadão que sai às ruas armado tem 60 a 70% mais chances de ser morto em situação de conflito.

A relação, portanto, é a inversa da que se quer fazer crer: uma população armada é fator de mais violência. De mais a mais, não venha o estado brasileiro se demitir das suas responsabilidades de prover segurança ao nosso povo. A violência é fenômeno complexo, multicausal, e não será resolvida, mas antes agravada, com a instalação de um clima faroeste tropical. Hélio Leitão, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.

Armas no DF

 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
crédito: Ed Alves/CB/D.A Press

Registros de armas de fogo ativas

2017
35.693

2019
227.940

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública

Registros expedidos pela PF para aquisição de armas

2020 (janeiro a setembro)

Total de registros de armas novas no DF: 4.660

Cidadão: 1.510

Servidor público (porte por prerrogativa de função): 486

Empresa segurança privada: 55

Órgão público com taxa: 4

Órgãos públicos: 2.605

2019 (janeiro a setembro)

Total de registros de armas novas no DF: 722

Cidadão: 371

Servidor público (porte por prerrogativa de função): 91

Empresa segurança privada: 100

Órgãos públicos: 160

Fonte: Polícia Federal



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