A aposentada Maria de Belém Bentes descobriu, aos 63 anos, uma nova vocação: a de poetisa. A descoberta aconteceu durante a pandemia do novo coronavírus, um momento delicado e em que ela esteve bastante sozinha. Foi nesse período que Maria aprendeu a expressar-se por meio das palavras e construir poemas com os sentimentos mais profundos e verdadeiros. A nova habilidade deu voz a ela e a outros 22 idosos, que participam de um programa da Universidade de Brasília (UnB), em parceria com o Sesc-DF, que busca incentivar e dar aos brasilienses de 60 anos ou mais o protagonismo que merecem na sociedade.
O projeto Poesia em Tempo de Pandemia iniciou-se em 20 de agosto e foi totalmente virtual — foram realizados oito encontros. Em cada um deles, era discutido um tema, sobre o qual o participante deveria escrever um poema. Os assuntos iam de espiritualidade à vivência na capital do país. Os textos acabaram se transformados em um livro, que reúne mais de 100 poesias produzidas pelos novos poetas.
Maria de Belém já participava de atividades no Sesc-DF antes da pandemia. Assim que o espaço precisou suspender os atendimentos, conforme decretou o Governo do Distrito Federal (GDF) como medida de contenção à covid-19, ela ficou mais tempo em casa, no Guará, e sozinha. Em agosto, recebeu o convite para participar do projeto. “Trouxe-me mais vida, no sentido de construir mais relacionamentos, adquirir conhecimento e, principalmente, me expressar por meio da poesia. Foi um crescimento imenso”, disse.
A aposentada lembrou que a última vez que escreveu um poema foi na adolescência. “Aquela época que estamos apaixonados, sabe? Eu escrevia muito”, brincou. “Com o passar dos anos, parei. Eu fazia com os conhecimentos que tinha da escola, nunca tinha escrito um com sentimento mesmo, vindo do meu interior. Foi gratificante. Ajudou-me muito, porque não me senti tão isolada. Se não fosse a internet, eu teria sofrido”, afirmou.
Além do incentivo à escrita, o projeto orientava os idosos sobre o uso da internet, já que os encontros eram virtuais. “Chamamos os encontros de ateliês. Ministramos oficinas e foi uma construção coletiva. Passamos por vários temas, como sonhos, e falamos de violência, tudo de forma lúdica e dinâmica. Surgiu a ideia das poesias. Eles falavam que não sabiam escrever e nos surpreendemos com o resultado”, disse Weila Almeida, assistente social do Sesc-DF e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional (PPGDSCI) do Ceam, da UnB.
O desejo de realizar algum trabalho com os idosos surgiu durante aulas com a professora associada do Departamento de Enfermagem e do PPGDSCI Leides Moura. “Encontrei na Weila uma companheira de sonho. A ideia do ateliê era estarmos ali como mediadora do diálogo do dia a dia dos idosos. A partir de pesquisas que fizemos, vimos que conforme a idade passa, diminuem as oportunidades de ser protagonista na sociedade”, explicou a docente.
Diálogo
As coordenadoras do programa perceberam que, além da falta de oportunidade, coma chegada do novo coronavírus no Brasil, muitos idosos temiam a doença por estarem no grupo de risco. “Um estudo mostra que 74%, ou mais, é a taxa de mortalidade de idosos pela doença. Mas levamos para eles assuntos leves, explicando que a faixa etária não era o único fator que provoca complicações a partir da infecção, mas a questão das comorbidades, que até um jovem de 30 anos pode ter. Tentamos desmistificar muita coisa para deixá-los menos amedrontados”, declarou Leides.
Um dos intuitos do projeto era destacar a importância de um envelhecimento ativo e saudável. Muitos tinham o costume de praticar exercícios físicos, mas com a pandemia, tiveram de se isolar em casa. “Precisamos traçar uma estratégia para que o idoso mantenha-se entretido. O isolamento social tem forte impacto na saúde mental. Então, trabalhamos a socialização, onde idosos do Lago Sul tiveram contato com idosos de Ceilândia e Samambaia, e com a cultura, por meio dos poemas”, disse Weila.
Gratidão
O livro Poesia em Tempo de Pandemia — Longevidade e Poesias de Almas Nada Vazias foi lançado durante um webinar que ocorreu em 13 de outubro, em homenagem ao mês da pessoa idosa. “Não tenho palavras para descrever o que sinto com esse projeto. Foi um trabalho intenso, que traz afago para alma. É algo gratificante. Tivemos muitos desafios, mas é uma realização profissional e pessoal muito grande”, declarou Weila.
Para a professora Leides, o programa é uma forma de mostrar que os idosos têm muitas capacidades. “Envelhecimento é uma conquista incrível. Costumamos dizer que a UnB é a universidade que anda na cidade, e é isso que temos feito. Esse projeto traz brilhos e uma riqueza que não tem descrição que caberia no currículo. É muita emoção”, completou a docente.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
Poetas e poetisas do isolamento
Antônia Aparecida Nonato, 71 anos
Dulce Maria de Oliveira, 75 anos
Elda Evelina Vieira, 68 anos
Eloy Barbosa de Oliveira, 74 anos
Eudete Alves Lustosa, 72 anos
Francisca Maria Vieira, 68 anos
Gonçala Maria Almeida, 74 anos
João Batista Azevedo, 88 anos
Lenir Santos Borges, 80 anos
Manoela José de Souza, 67 anos
Maria das Graças Farias Timbó, 69 anos
Maria de Belém Portilho Bentes, 63 anos
Maria de Fátima de Sousa Lacerda, 59 anos
Maria Diva Leite de Assunção Gonçalves, 59 anos
Maria Helena Borges, 62 anos
Maria José Gomes Lopes, 61 anos
Maria Socorro Mendes, 84 anos
Onofre Pani Beiriz, 85 anos
Roseni Fernandes Coêlho, 72 anos
Sonia Maria Hautsch Reinehr, 72 anos
Teresa Maria da Silva Vieira, 69 anos
Vanir Alves Costa, 67 anos
Walter Malaquias Prata, 87 anos
Como adquirir o livro
Pelo link http://bit.ly/EbookLongevidade.