Obrigados a ficarem mais tempo em casa por conta da pandemia, os brasilienses mudaram os hábitos de consumo e investiram na compra de móveis. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no acumulado do ano, o aumento na venda desses produtos chega a 6,4%, no Distrito Federal. Em agosto, na comparação com o mesmo mês de 2019, o crescimento foi de 29,6%. No Brasil, houve alta de 39,9%. Embora festejada pelo comércio e pela indústria, a elevação na demanda resultou, também, na escassez de matéria prima e preocupa empresários do ramo moveleiro.
Um levantamento, feito pelo Grupo German — de lojas de móveis — em dez fábricas concluiu que houve expansão em três segmentos do setor no último trimestre. Entre julho e setembro, foi registrado um aumento de 60% na comercialização de móveis planejados; de 20%, na de móveis residenciais; e de 30%, na de estofados. Por outro lado, produtos como espuma, por exemplo, ficaram 36% mais caros em 2020 e demoram, no mínimo, 90 dias para serem entregues nas fábricas.
“Tivemos uma bolha de aumento no consumo, mas a indústria não conseguiu acompanhar essa demanda devido à defasagem de mão de obra — cerca de 20% dos funcionários foram diagnosticados com coronavírus e precisaram se afastar — e de matéria prima. Com a alta do consumo, a diminuição da produção e a alta do dólar, os preços dos produtos que utilizamos para produzir os móveis também aumentaram”, relata José Luiz Dias Fernandez, presidente do Grupo German.
O empresário afirma que, no caso de móveis planejados, as encomendas só poderão ser entregues a partir de janeiro. Como nem sempre os clientes concordam em aguardar, o setor acabar por perder vendas. “Os fornecedores são os mesmos para todo o Brasil. Então, todas as empresas do segmento enfrentam essa dificuldade para encontrar produtos. É muito pouco provável que o cliente consiga encontrar algum fabricante que entregue os móveis ainda neste ano”, adianta.
Além da espuma, outros produtos ficaram mais caros para os fabricantes. O preço dos espelhos e vidros tiveram dois aumentos de 14%, e a expectativa é de que haja um novo reajuste, de 18%, no mês que vem. As placas de MDF ficaram mais caras 12%.
Na avaliação dos empresários, os resultados poderiam ser melhores, se não houvesse esses entraves. “É uma grande surpresa, mas, também, uma grande decepção. Poderíamos estar tirando todo prejuízo que tivemos na pandemia, mas estamos tendo de lidar com a escassez de praticamente todos os insumos. Os prazos são muito longos, e aguardamos o dobro de tempo para conseguir matéria prima”, afirma Rafael Bomtempo, diretor MB Ambientes, loja de móveis planejados.
Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias da Madeira e do Mobiliário do Distrito Federal (Sindimam-DF), Daniel Gomes, o cenário é consequência das medidas tomadas no início da pandemia, quando as fábricas fecharam e interromperam as vendas. “A indústria parou de vender logo no começo dessa crise, e a expectativa era de que novos pedidos começassem a surgir só a partir de outubro. Nosso mercado ficou desabastecido, só é possível encontrar a granel, nenhum fabricante encontra para comprar no atacado”, ressalta.
Uma solução para enfrentar a falta de insumos seria a importação de produtos. No entanto, Gomes considera que o mais provável é que as indústrias aguardem uma baixa na demanda para voltarem à normalidade. “Teria a solução de importar. O país fornecedor mais próximo é o Chile, mas como importar com a alta do dólar? A gente vai andando com o que tem”, argumenta.
Qualidade de vida
No início da pandemia, a situação do mercado de móveis era diferente da atual. Em março e abril, as vendas recuaram em 9,6% e 34,5%, respectivamente, em comparação a 2019. Porém, com o passar dos meses, a busca por mais conforto dentro do lar levou os moradores da capital a interessarem-se pela compra de móveis.
“Quando o consumidor fica mais em casa, ele começa a sentir uma necessidade maior de investir na residência, trocar ou até comprar móveis que não tinha antes. Foi preciso adaptar os espaços para o trabalho e conviver, o tempo todo, com todos os membros da família. Isso faz com que as pessoas direcionem o consumo para produtos que vão melhorar a qualidade de vida delas naquele espaço, como camas, mesas, armários e até colchões”, detalha o vice-presidente do Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindvarejista), Sebastião Abritta.
Além disso, a Federação do Comércio, Bens e Serviços (Fecomércio) avalia que o comércio de móveis foi beneficiado pelo mercado de engenharia civil. “O setor de materiais de construção teve um aumento significativo, quase 25% no índice de venda. Ao mesmo tempo, houve um aquecimento do setor de móveis. Esse segmento teve um crescimento muito importante, porque as pessoas, ao fazerem a reforma de suas casas, começaram a fazer as decorações e a comprar móveis”, diz Francisco Maia, presidente da entidade.
Quem optou por adquirir mobiliário novo precisou procurar alternativas para fugir dos preços altos. Foi o caso do casal de estudantes Nathália Vajas, 26 anos, e Adalto Mateus Vitória, 32. Em junho, eles decidiram morar juntos e tiveram de equipar o apartamento. Para economizar, compraram os objetos direto dos fabricantes. “Consegui pagar R$ 280 em um rack que, nas lojas, estava em torno de R$ 500”, lembra Nathália.
Para o fim do ano, o Sindvarejista estima que as vendas de móveis devem diminuir. “O que temos, agora, é resultado de uma demanda reprimida”, analisa Abritta. A expectativa é de aumento nas vendas de calçados e vestuários.
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