Por onde começar na hora de adotar um estilo de vida sustentável? A frase é um dos questionamentos que têm levado brasilienses a repensar o próprio consumo. As preocupações surgem, principalmente, diante da percepção sobre as sérias consequências que resultam do descarte ou do tratamento inadequado dos resíduos. Na quarta reportagem da série Lixo na pandemia, o Correio apresenta iniciativas do Distrito Federal com foco na diminuição do descarte e histórias de quem readapta a rotina em nome da consciência ecológica.
Há mais de dois anos, a internacionalista Anna Caroline Viana, 23 anos, decidiu se engajar no movimento lixo zero. A proposta prevê ações com foco na diminuição do desperdício e pode ter início com tarefas simples, dentro de casa. “O primeiro ponto que mudei foi no sentido de reduzir o uso de descartáveis.Tive de adquirir o hábito de carregar minhas coisas: talheres, vasilhas, copo”, conta. A compra de alimentos também tem método específico. Anna Caroline visita feiras locais de produtos orgânicos e estabelecimentos que vendem a granel. Ela leva os próprios recipientes e sacolas reutilizáveis para fazer o transporte dos itens sem precisar de mais plástico.
Durante o distanciamento social, a saída foi comprar volumes maiores, para evitar deslocamentos. Na casa onde Anna Caroline mora com os pais, no Riacho Fundo 2, predomina a preferência por cosméticos naturais, fio-dental biodegradável e a separação de todo o resíduo produzido em seco e orgânico. “A parte mais difícil é viver em uma sociedade que não está adaptada para isso. Exige jogo de cintura, porque nem sempre pessoas estão dispostas a colaborar”, relata. “O mais importante é consumir só quando necessário. Pode ser muito desafiador na cultura em que estamos inseridos. Mas, antes de substituir tudo por produtos com uma pegada ecológica, use, primeiramente, o que você já tem em casa”, aconselha.
Retorno
Após a chegada da pandemia de covid-19, a internet abriu portas para negócios com viés ecológico ganharem destaque. Com poucos cliques, é possível contratar serviços e comprar produtos que gerem menos impactos para a natureza. As opções incluem planos de coleta semanal de resíduos orgânicos para transformação em compostagem e comercialização de itens sem plástico na composição, como copos retráteis, xampus em barra, absorventes de materiais reutilizáveis e escovas de dente feitas de bambu.
Na parte da gestão de resíduos orgânicos, algumas empresas ajudam no reaproveitamento do material. Desde cascas e sobras de alimentos até pelos de animais e rolhas de vinho feitas de cortiça, muito pode ser transformado em adubo de alta qualidade. O serviço de coleta ocorre periodicamente, em casas ou empresas, e os clientes recebem recompensas como plantas, sementes e alimentos resultantes desse processo de reciclagem. No DF, é possível encontrar o serviço a partir de R$ 50.
Criador do Projeto Compostar, Lucas Moya, 28, considera que iniciativas assim permitem às pessoas assumir a responsabilidade sobre o que é gerado em casa e reaproveitável. “As pessoas contratam, principalmente, pelo fato de terem a consciência de que esses resíduos não vão gerar impacto negativo para ninguém nem para o meio ambiente”, destaca. Atualmente, a empresa atende a 300 residências e a 80 estabelecimentos privados. No entanto, Lucas viu o faturamento diminuir por causa da queda na demanda de grandes geradores — como restaurantes e escolas — durante a pandemia de covid-19. “Atendemos uma ampla rede de empresas. Ficou quase impossível equilibrar (o caixa), porque o preço cobrado das residências é pequeno, é um valor simbólico”, detalha.
Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (FT/UnB), Paulo Celso dos Reis considera que a pandemia deixou a população “mais íntima” do próprio lixo e menciona uma possível “retomada mais verde”. Com algumas mudanças que envolvem cidadãos, poder público ou ambos, Paulo Celso vê chances de diminuição de 60% a 80% do que é enviado aos aterros. “O primeiro ponto é expandir a coleta seletiva para o DF inteiro, com ações de educação ambiental e pessoas colocando o resíduo para fora na hora e no dia certos. O segundo é a compostagem, que pode ser feita em casa. O terceiro é a transformação em combustível de rejeitos do aterro apropriados para isso”, sugere.
Aprendizado
A sustentabilidade tem potencial para alcançar mais do que um domicílio. E, é nessa ideia que a arquiteta e urbanista Ana Maria Arsky, 47, aposta para transformar as práticas de gestão de resíduos em condomínios e empresas. A plataforma 4Hábitos, criada por ela, promove uma verdadeira reorganização desses espaços. Na 210 Sul, por exemplo, moradores do Bloco J readaptaram-se e desenvolveram uma horta no jardim do prédio.
O adubo para as plantas resulta da compostagem de resíduos orgânicos gerados nos apartamentos. O processo ocorre diretamente sobre o solo, em canteiros de madeira dispostos sobre o gramado, e as hortaliças começam a crescer em cerca de 15 dias. “Como urbanista, entendo que a área pública existe para que o cidadão se aposse dela de forma coletiva e comunitária, não privada. Isso gera uma cidade viva, inteligente e responsiva”, afirma Ana Maria. “Nos últimos dois meses, houve um surpreendente aumento da procura por parte de síndicos e condomínios.”
Síndico do Bloco J, o advogado Max Rezende Braga, 51, notou que os moradores passaram a se sentir parte de um importante processo educacional. A proposta havia sido submetida à assembleia e recebeu apoio da maioria dos condôminos. “Falamos de compostagem, do trabalho com resíduos orgânicos, da vantagem para diminuição de cheiros desagradáveis nas lixeiras e que ajudaríamos não só nossa região, mas o planeta também. Estávamos gerando, em 62 apartamentos, 60kg desse material durante a pandemia. E, ele é um tesouro. Estávamos jogando dinheiro fora”, argumenta Max.
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