Entre os 195 mil casos da covid-19 no Distrito Federal, 185 mil moradores da capital tiveram contato com o vírus e estão curados. A quantidade de pessoas que foram contaminadas levanta debates sobre a imunidade de rebanho e a possibilidade de flexibilizar as medidas de combate à pandemia. Mas, os especialistas alertam que mesmo os curados podem facilitar a transmissão do novo coronavírus. Outro fator que torna as recomendações de distanciamento social ainda mais importantes é a possibilidade de uma segunda onda de infecções. Com o cenário atual, ainda sem uma vacina finalizada, manter os cuidados continua sendo a melhor forma de combate à covid-19.
Como a doença é nova na literatura científica, ainda há muitas dúvidas da população em geral e buscas por respostas entre médicos e pesquisadores. A possibilidade de uma segunda contaminação, por exemplo, ainda traz questionamentos. “O problema da reinfecção é que temos de tratar com cuidado, porque é complexa e rara. Mas alguns pacientes permanecem com teste positivo por um período prolongado aos 14 dias, mas pode ser uma infecção por outro vírus ou pode ter ficado um resíduo nasal na hora da coleta do PCR, que é só um fragmento viral”, explica Joana D’arc Gonçalves, professora de infectologia do UniCeub. Por isso, o entendimento da sociedade médica é de que grande parte dos curados tem anticorpos que não permite uma reinfecção, mas, como pontua a especialista, eles podem servir como “vetor da covid-19”.
“O coronavírus não é transmitido mais através das vias aéreas de uma pessoa que já foi contaminado e se curou. Mas, se ela toca em uma superfície e esse é um local com vírus, ela pode acabar levando isso nas mãos para outro alguém e contaminar de forma mecânica”, diz Joana D’arc. Por isso, os cuidados com a máscara são essenciais. “Tem gente que dispensa a máscara em qualquer lugar, em vez de guardar em um saquinho plástico, ou compartilha com familiares. Essa má utilização também é fonte de infecção, não só de coronavírus, mas de outras doenças”. De acordo com a infectologista, é preciso manter os cuidados e refletir sobre mudanças de cultura para evitar todo tipo de contaminação.
Pelos outros
A psicóloga Roberta Castelo Branco, 34 anos, e o marido, o bombeiro Lauro Castelo Branco, 45, foram diagnosticados com a covid-19 em junho. Ela apresentou sintomas mais leves. Com quadro mais grave, ele precisou ficar internado por cinco dias em uma unidade de saúde particular, devido o desenvolvimento de uma pneumonia. Hoje, os dois fazem parte dos curados da doença, mas seguem tomando os cuidados necessários para evitar a contaminação de outras pessoas.
“A gente mantém todas as orientações possíveis. Usando a máscara o tempo todo, tirando a roupa suja quando chegamos em casa para não trazer nada de fora. Temos dois filhos que não tiveram a infecção, então eles nem chegam perto de nós quando chegamos do serviço. É um cuidado com eles e também com as pessoas do nosso convívio, porque eu, por exemplo, trabalho com atendimentos presenciais e não quero expor ninguém”, relata.
Outra preocupação do casal foi o físico e psicológico do pós-covid. Apesar de ter se sentido bem durante os 14 dias da contaminação, Roberta conta que teve sintomas fortes após quase um mês do exame positivo. “Senti fadiga, cansaço e tive crise de vômitos e tontura. Os exercícios que eu fazia me davam uma sensação de exaustão, como se eu tivesse ficado o dia inteiro na academia. Precisei ir ao neurologista, mas meus testes não deram alterações”, lembra. Os dois passaram por sessões de fisioterapia respiratória para uma qualidade de vida melhor. “O psicológico também fica abalado. Meu marido começou a ter ansiedade, coisa que nunca teve. Tem muita gente relatando sequelas. Então, surgem dúvidas sobre o que fazer, se a gente precisa tomar algo para melhorar a imunidade e se podemos pegar o vírus de novo, porque tem gente que diz que sim, tem gente que diz que não”, comenta.
Alexandre Cunha, vice-presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, detalha o que se sabe sobre as possibilidades de uma segunda contaminação. “O que existe hoje são casos raros de reinfecção. Diante da quantidade de infectados, são dados estatisticamente irrelevantes. Ou seja, embora seja possível, embora a gente tenha alguns casos na literatura, quando analisamos o contexto geral, não é relevante”, afirma. O especialista também comenta que casos de sequelas são mais comuns em quadros clínicos de infecção mais graves. “Geralmente, elas surgem em pacientes que precisaram de internação, que tiveram um comprometimento pulmonar intenso. Eles podem permanecer com falta de ar ou sintomas neurológicos”, diz.
Dúvidas
O servidor público Rodrigo Vieira, 33, foi um dos curados que apresentou esses sintomas leves e agora está atrás de respostas para o período pós-contaminação. “As dúvidas são várias. Eu mesmo fiz um exame sorológico e o resultado foi inconclusivo para mostrar se adquiri anticorpos, então fiquei na dúvida se estou imune ou posso me contaminar novamente. Também não sei se preciso fazer testagem sempre que for viajar. Peguei a doença em junho e tive apenas uma alteração no paladar. Sinto que o gosto do refrigerante mudou, não é mais o mesmo, mas só isso”.
A infectologista Joana D’arc explica que os curados devem ficar atentos aos sintomas pós-contaminação e manter alguns hábitos para deixar o corpo saudável. “Algumas pessoas que tiveram casos leves ficam com perda do olfato, paladar, cansaço físico prolongado ou até manifestações neurológicas. A não ser que elas tenham alterações severas, a maioria das sequelas são reversíveis, vão voltar ao normal, é só esperar um pouquinho mais de tempo. Mas, para manter a saúde e a vitalidade, precisamos seguir com a alimentação balanceada e a reposição de nutrientes. Cada pessoa tem uma resposta de acordo com o próprio organismo, mantê-lo saudável é essencial”, comenta. Em casos mais graves, a orientação é procurar atendimento especializado para cada situação específica.
O médico Luciano Lourenço, clínico geral e coordenador do Pronto-Socorro do Hospital Santa Lúcia, lembra que existem diferentes complicações da covid-19 e diferentes modos de manter-se saudável no período pós-contaminação. “Uma infecção viral, em especial aquela do coronavírus, gera inflamações crônicas no organismo de quem teve, no intestino, rins, coração e, preferencialmente no pulmão. Os padrões cronificados precisam de cuidados extras”, avalia.
Essas cautelas passam por um estilo de vida mais saudável. “É preciso ter uma hidratação bem-feita, rigorosa. Pensando no intestino, procurar alimentos leves, porque comidas como pizza, hambúrguer, coisas fritas ou açucaradas, fazem com que as inflamações não se recuperem. Pensando em pulmão e coração, atividades físicas regulares são essenciais, não só uma ou duas vezes por semana, precisa de regularidade, com algo leve todos os dias como uma caminhada de 45 a 60 minutos”, detalha Luciano.
*Colaborou Caroline Cintra
3.346 mortos
O Distrito Federal soma 195.967 pessoas infectadas pelo novo coronavírus e 3.346 vítimas da covid-19, segundo o último boletim da Secretaria de Saúde, divulgado ontem. Em 24 horas, foram registrados 554 casos e 21 óbitos. Do total de ocorrências na capital, 185.618 são de pacientes considerados recuperados da doença.
Três perguntas para
Ana Helena Germoglio, infectologista do Hospital Águas Claras
Países como a Espanha e a Itália apresentaram uma segunda onda de contaminações e voltaram a submeter a população a restrições. É possível que isso ocorra no Brasil e no DF?
Inclusive neste fim de semana mais países anunciaram a segunda onda. Então, qualquer local que não tenha o comportamento básico de uma pandemia, onde a gente encontre desrespeito às premissas médicas, corre o risco de nova segunda ou até terceira onda. Na Europa, o estilo de vida é diferente do latino e, mesmo assim, eles estão nessa situação. Aqui no Brasil, estamos fadados a viver isso, porque cada vez mais vemos pessoas nas ruas que afirmam que a pandemia acabou. Mas quem trabalha nos serviços de saúde tem um sentimento de frustração com isso. Nós temos tantas restrições e quando observamos lá fora vemos o pessoal descumprindo. Sem dúvidas, vamos chegar a uma nova onda de contaminações. Por outro lado, os profissionais tiveram uma curva de aprendizado grande, então a condução dos pacientes será diferente. Agora, esperamos que a população também mostre aprendizado.
Nesse contexto atual, é hora de os hospitais reduzirem as UTIs destinadas à covid-19?
Tanto na rede pública quanto na rede privada teve redução de ocupação de leitos de covid. E não podemos negar que existe uma demanda reprimida de outras doenças, pacientes que precisam de procedimentos de outras patologias, como aqueles em tratamento oncológico, os que infartam, têm AVC. Precisamos dar atenção a todos os pacientes, de covid e não covid. É necessário manter a assistência aos pacientes e a vigilância, notificando os casos para acompanhar sempre em que pé estamos em relação à pandemia.
O que se pode falar para a população em geral que já não tem mais a mesma compreensão com o isolamento social?
Começamos a receber pacientes de covid em março, ou seja, há quem esteja em restrição desde março. É uma situação complicada, principalmente para idosos. Não é saudável manter-se esse tempo todo enclausurado. O ideal é propor uma atividade que traga benefício, algo ao ar livre, tomando cuidados recomendados com a doença e até com o calor dos últimos dias. Mas sempre evitar aglomerações. Essa é uma das principais recomendações, além do uso de máscara, cobrindo nariz e boca, sempre. Temos de tomar muito cuidado. A população está cansada, os serviços retornaram, mas os cuidados devem permanecer.
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