núcleo bandeirante

Decisão do TJDFT destaca o papel da Justiça na ressocialização

Reintegração de menores infratores à sociedade exige política pública inclusiva, com a participação da população. Decisão do TJDFT que permitiu o funcionamento da unidade de semiliberdade do Núcleo Bandeirante destacou esses direitos

Darcianne Diogo
postado em 05/10/2020 06:00 / atualizado em 06/10/2020 21:32
 (crédito:  Minervino Junior/CB/D.A Press)
(crédito: Minervino Junior/CB/D.A Press)

O retorno ao convívio social de menores infratores é um desafio em todo o país: requer a implementação de ações de educação, oferta de trabalho, cultura e saúde. Tais medidas fazem parte de uma política pública inclusiva que contribui na redução das taxas de criminalidade. Baseada nesses preceitos, o Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) determinou que o Governo do Distrito Federal mantivesse o funcionamento da unidade de semiliberdade do Núcleo Bandeirante. À época da instalação do complexo, moradores da região questionaram a transferência dos menores para o local, houve protestos e até algumas ameaças a servidores da unidade, segundo reporta ação civil pública impetrada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).

O local abrigará 20 reeducandos. Em decorrência da pandemia mundial causada pelo novo coronavírus, os adolescentes dessa e das outras seis unidades de semiliberdade do DF estão sendo acompanhados em casa, com base na Portaria n° 5 da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal (Vemse), que estabelece a permanência em convivência familiar. Até que haja nova decisão, os menores ficarão em casa e os atendimentos psicossociais diários ocorrerão por meio de plataformas virtuais e visitas domiciliares.

Antes disso, eles estavam alojados, de forma inapropriada, em um prédio na Unidade de Internação do Recanto das Emas (Unire), como consta na ação civil pública. Insatisfeita com a transferência, a vizinhança deu início a um processo para a mudança e desativação da unidade no local. Foi aí que o Poder Judiciário determinou a manutenção da estrutura.

Na decisão, de 23 de setembro, assinada pela juíza Luana Lopes, da Vemse, o promotor de Justiça entendeu que, “quanto às queixas no tocante à segurança, cabe salientar que o Distrito Federal tem, atualmente, cinco unidades de semiliberdade localizadas em áreas residenciais, a exemplo do Guará, Taguatinga e Gama, e não há evidências que, após o regular funcionamento dessas unidades, tenha havido o incremento da criminalidade em suas imediações”.

O caso traz à tona a discussão sobre até que ponto o Poder Judiciário pode interceder em ações da Administração Pública. O titular da Promotoria de Justiça da Promotoria de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude, Márcio Almeida, defende a intervenção da Justiça em situações que comprometam a garantia dos direitos básicos. “As medidas socioeducativas são executadas pelo Executivo, mas sempre acompanhadas pela Justiça quando há algum conflito ou divergência.”

O advogado criminalista e membro do Instituto de Garantias Penais (IGP) João Marcos Braga avalia o papel do poder público no processo de ressocialização do menor infrator: “O Ente público tem o dever de promover a reintegração. É ideal de direitos humanos, mas, ao mesmo tempo, acaba que a pessoa que tem contato com o sistema carcerário, ainda que adolescentes, sofre uma rotulação e preconceito por parte da sociedade. Efetivamente, é uma luta por espaço urbano”.

Para o especialista em direito penal, garantias de educação, mercado de trabalho, cultura e lazer são os principais caminhos para que o jovem retorne à sociedade. “O simples fato de uma pessoa ser alvo de uma ação penal gera uma espécie de rótulo, que, efetivamente, carrega consigo um marco dentro da sociedade. Muitas vezes, esse menor não consegue ser reintegrado a atividades comuns, como a instituição de ensino, e isso aumenta os gatilhos para a criminalização dele”, completa.

A secretária de Justiça e Cidadania do DF, Marcela Passamani, assegura que a pasta garante os direitos básicos aos menores infratores. “Estamos cumprindo uma decisão judicial que nos foi imposta. A Sejus tem prestados os devidos serviços para a ressocialização, oferecendo educação, cultura e oportunidades para o mercado de trabalho”, pontua.

Direito de ir e vir

O regime de semiliberdade dá o direito de ir e vir ao adolescente e pode ser aplicado como forma de evitar o confinamento total do reeducando ou como progressão de regime. No DF, 145 meninos e meninas cumprem medidas socioeducativas nessas unidades. Todas elas estão instaladas em casas, em bairros comunitários, como prevê o artigo 5° do Regulamento Operacional das Unidades de Semiliberdade do Sistema Socioeducativo do DF. “Se colocarmos esses adolescentes em uma casa em locais afastados, haverá mais dificuldade. Às vezes, essa região não terá um serviço de transporte ou escola perto, então, é necessário fortalecer esses laços”, destaca o promotor Márcio Almeida.

Na avaliação dele, os adolescentes que se envolvem em práticas criminosas geralmente têm um perfil de evasão escolar, falta de acompanhamento familiar, entre outros contextos que influenciam. “Temos outras unidades de semiliberdade no DF e nunca houve nenhum problema quanto ao funcionamento dessas casas. Não há evidências de aumento nos índices de criminalidade. A sociedade fica preocupada por causa desse estigma, ninguém quer ter uma casa de semiliberdade na região onde mora”, pondera.

Márcio Almeida ressalta a importância de a sociedade participar do processo de reintegração. “Muitos dizem que o Estatuto da Criança e do Adolescente não recupera ninguém, mas quando as pessoas são chamadas para dar opinião, elas recuam. E podem contribuir com escola, palestra e outras atividades”, completa.
Para o professor e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) Vicente de Paula Faleiros, a falta de acesso a questões básicas, como emprego e escola, continua sendo um dos principais impasses para a reintegração. “É como se as pessoas ex-presas sofressem uma dupla exclusão. Tomando o caso do menor infrator, ele já está excluído da escola, do trabalho, a família tem uma condição violenta e ainda tem de lidar com a ausência de oportunidades. O adolescente cometeu uma infração, mas isso não o torna capaz de fazer outras coisas na vida”, frisou o pesquisador em ressocialização de menores infratores.

 

» Estrutura

Veja como funciona a unidade de semiliberdade do Núcleo Bandeirante:

Valor do aluguel: R$ 8,8 mil

Subsolo

Garagem (guarda do veículo oficial)
Quarto com acessibilidade
(para adolescentes)
Banheiro com acessibilidade

Térreo

Quatro salas — sala de atividades, sala para o serviço administrativo, sala de atendimento aos adolescentes e famílias por especialistas (psicólogo, assistente social e pedagogo) e sala administrativa para o especialistas
Um quarto (gerência da unidade)
Três banheiros (servidores e visitantes)
Copa (para uso dos servidores
e adolescentes)
Cozinha (para uso dos servidores e adolescentes)

1º Pavimento

Cinco quartos — três quartos destinados aos adolescentes, um quarto para monitoria e um para alojamento dos servidores plantonistas
Três banheiros

» Duas perguntas para

Luana Lopes, juíza da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal

De que forma a Justiça pode intervir para garantir os direitos fundamentais à sociedade?

O Poder Judiciário não tem a pretensão de substituir o administrador público no âmbito de suas atribuições. Entretanto, por vezes, é chamado a intervir naqueles casos em que os direitos fundamentais básicos necessitam de efetividade. Veja, não é toda e qualquer hipótese em que o magistrado deve intervir, mas principalmente naqueles casos em que existam ilegalidades evidenciadas e violações persistentes aos direitos fundamentais. Cabe ao Poder Judiciário garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar ao indivíduo prestações positivas pelo Estado e viabilizar a fruição de direitos fundamentais, tais como o direito à proteção integral da criança e do adolescente.

O Poder Judiciário ainda enfrenta certa dificuldade para garantir esses direitos fundamentais, como foi o caso da manutenção da unidade de semiliberdade no Núcleo Bandeirante?

O Poder Judiciário possui um papel diferenciado quando se trata da execução de medidas socioeducativas, uma vez que a ele compete executar essas medidas, bem como acompanhar e avaliar, periodicamente, o seu resultado, além de inspecionar as unidades encarregadas do cumprimento das medidas socioeducativas e promover ações para o aprimoramento do sistema. Em alguns casos, como nas ações de apuração de irregularidades em unidades de atendimento, por exemplo, compete, ainda, ao juízo executivo tomar a iniciativa de instaurar o procedimento por meio de portaria, ou seja, sem qualquer provocação externa. No geral, as dificuldades para a efetivação de direitos fundamentais dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa existem, como em qualquer decisão judicial proferida contra a Fazenda Pública, porquanto as atribuições do Estado são imensas e os recursos, limitados. Todavia, no DF, percebe-se, de uma forma geral, que as decisões judiciais que objetivam a efetivação desses direitos são respeitadas.

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