LIXO NA PANDEMIA

Pandemia leva o Distrito Federal a produzir mais resíduo hospitalar

Na terceira reportagem da série Lixo na pandemia, o Correio aborda a responsabilidade das unidades de saúde e dos cidadãos para o descarte de itens infectantes ou medicamentos

Se o manejo do lixo hospitalar é perigoso por si só, a pandemia tem tornado a gestão dentro e fora das unidades de saúde ainda mais complexa. Enquanto a produção de resíduos caiu nos comércios do Distrito Federal durante o período em que estavam fechados, as unidades de saúde descartaram mais materiais, em função das medidas extras de segurança para evitar a contaminação de pacientes e funcionários. No primeiro semestre de 2020, o DF produziu 1,385 mil toneladas de resíduos hospitalares só na rede pública, a maior quantidade dos últimos cinco anos. Comparado ao mesmo período de 2019, esse aumento chegou a 11%.

editoria de ilustração - lixo

Na terceira reportagem da série Lixo na pandemia, o Correio aborda a responsabilidade das unidades de saúde e dos cidadãos para o descarte de itens infectantes ou medicamentos, além dos perigos da contaminação para quem faz o manejo e para o meio ambiente.

Um levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) em junho revelou que uma pessoa internada para tratamento contra a covid-19 gera, em média, 7,5kg de lixo hospitalar por dia. O padrão são 2kg. Só no primeiro semestre, nas unidades de atendimento da rede pública do DF, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) coletou, transportou, tratou e deu destinação final para cerca de 230 toneladas desses resíduos por mês. A quantidade é equivalente ao peso de, aproximadamente, 150 carros populares. Na rede particular, o manejo deve ficar sob cuidado de empresas contratadas.

O desafio de descartar corretamente resíduos da saúde não se limita às clínicas e hospitais. Especialmente com a pandemia, aumentou a quantidade de itens como máscaras e luvas contaminadas jogadas no lixo doméstico. E não só isso. Em boa parte dos lares, remédios vencidos e sobras de medicamentos vão parar na lixeira comum ou no vaso sanitário, porque as pessoas não sabem como dar a destinação correta a eles. Esse hábito ameaça lençóis freáticos, rios, solos, animais e a vida de quem coleta lixo.

A promotora de Justiça Berenice Scherer descobriu, no começo do ano, como fazer o descarte seguro dos medicamentos vencidos. Não se sentia à vontade para jogar no lixo. “Juntei uma sacola enorme e perguntei a uma médica que mora no meu prédio como dar a destinação correta. Foi aí que descobri os pontos de coleta em farmácias”, relata. Para Berenice, as pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre o que fazer com o próprio lixo, e isso poderia ser resolvido com a divulgação de mais informações sobre o tema.

Ineficácia

Remédios fazem parte da política de logística reversa e devem ser devolvidos em farmácias ou unidades de saúde. Empresas especializadas farão a coleta e levarão o material para incineração. Morador da zona rural do Paranoá, Christian Della Giustina, 45, faz uso contínuo de um medicamento injetável. O tratamento resulta no descarte de uma seringa a cada 10 dias e de uma agulha diariamente. Mesmo a 20km da drogaria mais próxima, o geólogo junta todo esse material para entregar no estabelecimento. Com experiência acadêmica na área ambiental, ele considera que a população tem pouca informação sobre o tema. “Esse descarte pode levar hormônios para a estação de esgoto ou outros componentes que os tratamentos convencionais de efluentes não tiram. Isso tudo pode ir para o Lago Paranoá, onde há captação de água para consumo da população. Às vezes, as pessoas não têm consciência e acham que, só de botar o lixo para fora, ele não é mais responsabilidade delas”, diz.

A pandemia também aumentou os riscos para funcionários do departamento de limpeza. Eles viram-se obrigados a adotar hábitos mais rigorosos para se proteger do contágio com infectantes descartados nos hospitais e clínicas. Supervisora da equipe de higienização que atua em um hospital público de Brasília, Mariza de Fátima Vilaça, 53, relata que o trabalho é desafiador.

O número de funcionários aumentou e os profissionais receberam treinamento para lidar com resíduos de pacientes com covid-19. Mesmo assim, o medo da contaminação é constante. “O recolhimento aumentou. Na hora que em que o paciente faz um curativo ou bebe água, o lixo tem de que ser recolhido. Na parte da manhã, entre 7h e 12h, o lixo de um mesmo quarto é trocado de quatro a seis vezes”, conta Mariza.

A reportagem do Correio procurou o Sindicato Brasiliense de Hospitais Casas de Saúde e Clínicas (SBH) para compreender os desafios do setor diante da realidade imposta pela pandemia de coronavírus. Em nota, a entidade informou que as unidades privadas do DF seguem o que determina a lei e têm serviços terceirizados com várias empresas para “coleta, transporte e destinação final para tratamento de resíduos infectantes e comum”. O Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Trabalho Temporário, Prestação e Serviços Terceirizáveis no Distrito Federal (Sindiserviços) afirmou que faz fiscalização sindical constante, “preocupado com a saúde da categoria e as obrigações trabalhistas dos empregadores e instituições tomadoras dos serviços”.

Fiscalização

Na contramão do observado no restante do planeta, a Abrelpe verificou queda na produção de lixo hospitalar no Brasil entre março e maio. As possíveis justificativas preocupam, pela chance de o material ter ido direto para aterros sanitários. Diretor-presidente da associação, Carlos Silva Filho afirma que são comuns os relatos de funcionários de empresas da área de limpeza urbana que encontram lixo hospitalar descartado como resíduo comum. “Recomendamos o uso de equipamentos de proteção adequados, completos e que o resíduo infectante não seja manuseado, que os profissionais (dos hospitais) não tenham contato com ele. Os sacos devem estar devidamente fechados, com nó duplo, e colocados para coleta específica de tratamento de lixo hospitalar”, destaca Carlos Silva.

Arquivo Pessoal/Cedida ao correio - Separação e destinação correta de resíduos faz parte da educação recebida na infância, conta a psicóloga Clarissa Motta

A fiscalização do descarte em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) cabe ao SLU. À Vigilância Sanitária cabe a vistoria de todos os estabelecimentos de saúde. Nas residências, a responsabilidade é do próprio morador, e os resíduos hospitalares domiciliares podem ser levados a uma unidade de saúde.

Pesquisador e coordenador da Rede de Informação e Pesquisa em Resíduos (Riper), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Oscar Vieira acredita que o momento trouxe uma atenção maior ao descarte de produtos infectantes. Ele avalia que a gestão do lixo no país é “ambientalmente degradante, economicamente burra e socialmente excludente”. “A sociedade tinha problemas muito graves que a pandemia ressaltou. De uma maneira geral, temos uma política de resíduos muito ruim, para não dizer desastrosa. Tanto que os níveis reciclagem no Brasil são baixíssimos”, avalia.

A psicóloga Clarissa Motta é movida pela convicção de que precisa fazer a parte dela. Não abre mão da separação dos resíduos em casa, lição aprendida na infância e repassada para as filhas. “Meus pais sempre me ensinaram a separar lixo orgânico dos outros. Morávamos em casa, tínhamos horta, o lixo orgânico virava adubo”, conta. Há seis anos, ela descobriu o jeito certo de destinar medicamentos vencidos ou as sobras de tratamentos concluídos. Desde então, junta tudo e deixa na farmácia. “Dá trabalho? Dá. Tem de se organizar? Tem. Mas vale a pena se cada um fizer a sua parte. Penso muito na questão do meio ambiente. E, agora, com a pandemia, é tanto descarte de luva, máscara. Tenho filhos, quero ter netos, quero um futuro melhor para eles”, finaliza.

Arquivo Pessoal/Cedida ao correio - Separação e destinação correta de resíduos faz parte da educação recebida na infância, conta a psicóloga Clarissa Motta
Ana Rayssa/CB/D.A. Press - Especial Lixo na pandemia. Descarte de lixo hospitalar. Christian Della Giustina, entrega os remedios na farmacia, como deve ser.
Ana Rayssa/CB/D.A. Press - Especial Lixo na pandemia. Descarte de lixo hospitalar. Christian Della Giustina, entrega os remedios na farmacia, como deve ser.