Crônica da Cidade

A servidão voluntária

Furo! Esta coluna conseguiu uma entrevista exclusiva com Etienne de La Boétie (1530-1563), autor do Discurso da servidão voluntária, um dos livros preferidos de Renato Russo. Fala, La Boétie.

Quem cria a servidão?
É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.

Por que os déspotas prevalecem?
Esse que tanto vos humilha tem só dois olhos e duas mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.

Poderia dar um exemplo do comportamento dos déspotas?
Quase sempre o déspota considera o poderio que lhe foi confiado pelo povo como se devesse ser transmitido a seus filhos.

O que é preciso para que um povo se livre da servidão voluntária? É preciso fazer algo contra o tirano?
Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma. Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio.

Qual a responsabilidade em relação à liberdade?
Todos nós nascemos não só senhores da nossa alforria, mas, também, com condições para a defendermos.

O que é preciso para libertar-se?
Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la?

Como tantos se deixam enganar ou iludir?
Uma coisa é certa, porém: os homens, enquanto neles houver algo de humano, só se deixam subjugar se foram forçados ou enganados. Muitas vezes perdem a liberdade porque são levados ao engano, não são seduzidos por outrem, mas, sim, enganados por si próprios.

O conluio dos opressores é invencível? Eles não constituem, também, uma rede de amizade?
O que torna um amigo seguro do outro é o conhecimento de sua integridade. Entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma sociedade; eles não se entre-apoiam, mas se entre-temem. São cúmplices.

A servidão não é a vontade de um Deus liberal?
De minha parte, penso, e não me engano, que nada há de mais contrário a um Deus liberal e bondoso do que a tirania e que ele reserva aos tiranos e seus cúmplices um castigo especial.