O uso da bicicleta aumenta cada vez mais. Seja a busca por melhor qualidade de vida, seja a adrenalina de conhecer o mundo sobre as duas rodas, o estímulo para pedalar surge por vários motivos. Na capital federal não é diferente: a liberdade em conhecer o mundo pelo ciclismo tornou-se um estilo de vida. Com o uso do transporte cada vez mais popular, o cuidado também precisa ser redobrado.
Durante a Semana Nacional de Trânsito, que acontece no Brasil até o próximo dia 25, ciclistas reforçam a importância da educação do trânsito desde a primeira infância para formar condutores mais responsáveis e, assim, reduzir o número de mortes nas vias. Segundo dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), em todo o ano de 2019 foram registrados 22 ciclistas mortos em acidentes de trânsito na capital. De janeiro a agosto deste ano, foram cinco óbitos.
Diretor de educação do Detran, Marcelo Granja ressalta a importância da educação no trânsito desde a primeira infância. “A criança tem um papel fantástico de educador familiar. Até os 7 anos de idade, a informação das crianças representa muito para os pais. Eles não querem desapontá-las dentro do processo educativo. Às vezes, por exemplo, ela chama a atenção quando o pai está acima da velocidade ou está sem cinto. Todas as orientações de cuidados que passamos para as crianças são replicadas aos pais. E nós sabemos que elas são nossos grandes fiscais mirins”, ressalta.
De acordo com Marcelo, os cuidados no trânsito que devem ser incentivados entre as crianças vão além de placas. “Nós temos que trabalhar a postura do ser pedestre, do ser passageiro e do ser ciclista. Precisamos desmistificar essa história de que só precisam saber das placas de trânsito. Precisam saber da travessia na faixa, do gesto de sinal de vida. É importante explicar para elas o que é uma faixa, ciclovia ou ciclofaixa. Mostrar que cada espaço pertence a um grupo de pessoas, seja de bicicleta, de pedestre ou de veículos”, pondera.
O diretor adverte, ainda, que a educação do trânsito não deve ter enfoque apenas no futuro dos pequeninos. “Não podemos preparar as crianças somente para que sejam bons condutores de veículos. É preciso prepará-las para que estejam atentas ao trânsito, independentemente da idade, tomando os cuidados necessários e apresentando o papel que cada uma possui no dia a dia”, diz Marcelo.
Estilo de vida
A bike é uma paixão para a família dos servidores públicos Uirá Felipe Lourenço, 41 anos, e Ronieli Barbosa da Silva, 40 — pais de Cauã e Iuri, 12 e 11 anos respectivamente. Uirá explica que a paixão pelo ciclismo surgiu quando ainda morava em São Paulo. Com as dificuldades de locomoção devido ao intenso trânsito da cidade, ele decidiu recorrer à bicicleta. “Foi muito mais agradável e rápido. Dali, foi um pulo pra abandonar o carro. Passei a utilizar a bicicleta todos os dias para ir até a faculdade, tornou-se a minha ginástica diária. A partir de então, eu virei um ativista em favor das bicicletas. Em 2005, mudei-me para Brasília e continuei a utilizar o transporte”, lembra.
Ao construir a família, o uso da bicicleta tornou-se hábito. “Minha esposa não tinha este costume, mas passou a adotar. Os filhos vieram e eu continuei firme e forte. Posso dizer que, desde a barriga, eles andavam de bicicleta, porque eu levava minha esposa grávida na garupa. Quando eles vieram, ficamos sem saber se comprávamos carro ou não, mas fomos nos adaptando. Eu sempre tive bicicleta com cadeirinha, então, os meninos andavam conosco. Depois, passaram a pedalar sozinhos. Desde os 3 anos eles sabem pedalar sem rodinha”, conta Uirá.
O ciclismo ajudou Cauã e Iuri a criarem uma rotina mais saudável, explica Uirá. “Ajuda na parte física, sem sombra de dúvida. Eles têm essa prática diária com os deslocamentos. Estar ativo também ajuda na concentração, no próprio quesito mental. É um meio de transporte mais tranquilo, não estressa”, acredita Uirá. “Tem, também, a vivência com a cidade. Na bicicleta, podemos parar, observar e apreciar o ambiente, podemos interagir com as pessoas, também. Eles já fizeram muitas amizades com pessoas que encontramos nas ciclovias”, ressalta.
Além disso, o servidor diz que o pedal ajudou na construção de caráter das crianças. “Eles criaram o projeto multa cidadã. No nosso trajeto diário, observamos motoristas que bloqueiam rampas e ciclovias. Com isso, eles começaram a deixar um recadinho educado no para-brisa dos carros pedindo que não parem nesses espaços. A bicicleta não é só uma mobilidade, mas, também, uma forma de exercer a cidadania”, acredita Uirá. Para Iuri, a melhor parte em pedalar está na vista: “Eu gosto de sentir o vento, ver a paisagem. É um benefício muito grande, que muitas vezes não temos quando estamos de carro”, diz.
O ciclismo abriu a porta para Cauã, que decidiu virar um jovem militante das bikes: “A bicicleta simboliza o ativismo. Lutamos pelo meio ambiente nos movimentando e sem poluir”, acredita. Para isso, o jovem diz que adota as devidas precauções: “Tomo os cuidados básicos, como utilizar os equipamentos de proteção. Além disso, busco não andar muito próximo dos carros para não correr risco de ser atropelado”, diz.
Livro infantil
Com o intuito de ressaltar a importância do cuidado no trânsito, em especial com os ciclistas, a ONG Rodas da Paz lançará, hoje, às 19h, o livro infantil digital Pedalar é suave. O enredo retrata a história de um menino que ganha o mundo após adquirir uma bicicleta, e trata do respeito às regras do Código de Trânsito e da importância da empatia nas ruas.
O livro é uma homenagem ao ciclista e voluntário da ONG Rodas da Paz Raul Aragão, morto aos 23 anos, em 21 de outubro de 2017, vítima de um dos mais graves crimes no trânsito — excesso de velocidade — quando voltava da Universidade de Brasília (UnB). Raul gostava de pedalar com as crianças do Rodas da Paz. “Ele era uma força mobilizadora muito grande. O grupo ficou muito impactado com sua morte. Mas, no livro, não quisemos dar enfoque na morte, nos perigos ou nas obrigações. É uma linguagem que busca a suavidade e paz, para incentivar a empatia com a bicicleta e o ciclista”, explica a aposentada Renata Aragão, 61, mãe de Raul.
O título Pedalar é suave surgiu de uma frase frequentemente repetida pelo estudante: “Quando ele era questionado se não tinha medo de pedalar, dizia que ‘pedalar é suave, perigoso é dirigir feito doido’. Então, o que Raul nos ensina é que as pessoas devem desacelerar. Sua pressa não vale uma vida, todos têm direito a um trânsito seguro”, lembra Renata.
Além de Raul, o livro também faz menção à memória de Pedro Davidson, ciclista morto em 2006 após um atropelamento no Eixo Sul. Seu falecimento também foi resultado de carro acima da velocidade permitida. “Esse livro foi uma construção coletiva linda. Nas imagens, o personagem que representa Raul está sempre com um passarinho, para fazer memória ao Davidson. A morte dele mexeu muito com a sociedade brasiliense”, recorda Renata. “São duas pessoas que sacrificaram suas vidas, mas nos ensinaram muito. Nós quisemos transformar essa mensagem de dor, de perda, em flores novas, sem esquecer as outras lutas. Foram eles que nos motivaram a passar isso para as crianças”, acredita.
* Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira