Crônica da Cidade

Vai chover hoje?


Sou refém da previsão do tempo nos últimos dias. Eu e milhões de brasilienses e cerratenses. Além de viver as agruras da pandemia, encaramos uma das maiores estiagens da história de Brasília. A pele se retorce como árvore do cerrado, cria casca, desidrata. A sede insaciável lembra as aventuras de Indiana Jones no deserto da Jordânia. E os moradores da capital parecem mesmo fazer jus ao sangue candango ao encarar como desbravadores essas ruas escaldantes diariamente.
Qualquer conversa sobre chuva acende radares de curisosos, sedentos por uma gota de água, a quilômetros de distância. A palavra atualmente tem mais eficiência de que alerta da Defesa Civil. Quando vai cair o primeiro pingo? A pergunta de um milhão de dólares é digna de vitória na loteria. Quem acertar, pode jogar na Mega-Sena no mesmo dia e aproveitar a onda de sorte — mesmo que ela seja apenas uma marola.
Fato é, e nós bem sabemos, que a primeira chuva representa apenas um marco simbólico do fim de um período de estiagem. Não signfica, porém, que chegaremos nem perto de nos livramos dos dias secos e quentes. Na estreia, as precipitações sempre chegam tímidas. Provável até que a água evapore antes mesmo de atingir o solo. As horas que sucederem o evento meteorológico fatídico e tão esperado certamente serão de mais desespero. O calor se intensificará e a sensação de estar sem saída, também. A esperança de chuva neste momento, portanto, não passa de uma miragem no deserto.
Mas, o que custa sonhar? Agosto nunca foi mês de chuva, e desde aquele tempo já aguardávamos ansiosos, esperança que se renovou em setembro, quando até mesmo meteorologistas preveem possibilidades, ainda que remotas, de as águas voltarem a inundar nossos reservatórios e espelhos d'água. Ontem, os 20% de chances de chover previstos por especialistas do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) foram suficientes para alimentar aquela vontade de caçar nuvens no céu.
Até agora, os únicos recordes consecutivos que estamos batendo são mesmo os de calor e de seca. A baixa umidade castiga de uma maneira pouco sutil. O corpo mole, a preguiça eterna, o fôlego comprometido, as narinas ressecadas, a lerdeza para finalizar qualquer movimento — ou pensamento — em menos que três minutos. Pode parecer pouco, mas num mundo de respostas instantâneas, guiado por plataformas que demandam e incentivam a rapidez e a superficialidade, é uma eternidade.
Continuo na expectativa e de olho nas previsões, cada dia mais otimistas. Às vezes, eu me sinto como uma criança viajando de carro com os pais e fazendo a tradicional pergunta a cada cinco minutos: "Chegamos?" A diferença é que, ao contrário desse questionamento, a dúvida de tantos de nós é um pouco mais difícil de responder. "Vai chover hoje?", indagamos em coro, já em ritmo de prece, para não se esquecer de recorrer à fé. Tudo a seu tempo. Chove, chuva!