Um dos setores econômicos mais importantes para o Distrito Federal, a construção civil começou o ano com previsões de crescimento e não foi afetada pela pandemia com tanta intensidade quanto outros segmentos, mas, agora, enfrenta problemas emergenciais. O aumento excessivo dos preços de materiais de construção surpreendeu e o risco de desabastecimento tornou-se realidade. É isso que aponta Dionyzio Klavdianos, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF). Em entrevista ao CB.Poder — parceria do Correio com a TV Brasília — na tarde de ontem, Dionyzio comentou os possíveis motivos para o aumento dos preços, citou que encontrou alta de até 140% em itens e explicou o impacto disso para a capital. Segundo ele, obras públicas correm risco de paralisação por conta do problema. Mas, o sindicato enxerga no diálogo com o governo caminhos para enfrentar a questão.
Indo direto ao ponto polêmico, os preços de materiais de construção que subiram muito. O que está acontecendo?
Foi uma novidade inesperada, abrupta, que aconteceu e imagino até que os próprios fornecedores que fizeram os aumentos não esperavam tamanha repercussão. Retomando da pandemia, o setor foi um dos poucos que se mantiveram ativos no Brasil, com exceção de pouquíssimos estados. Apesar de tudo isso, vieram esses aumentos generalizados e de grande impacto. Eu confesso que não me recordo, nos últimos 10 ou 15 anos, de ter acontecido algo semelhante. O que pode ter causado uma questão como essa? Sabemos que estamos em uma pandemia, algo inesperado e único na humanidade. Havia uma série de incertezas. As indústrias de aço e cimento tiveram que, no primeiro momento, por preocupação, reduzir atividades e desligar fornos, porque o pensamento inicial era de haver queda, mas isso não aconteceu. Vimos uma série de sinais do setor que mostraram que o caso da construção civil, no começo, era sui generis. Continuamos vendendo, o índice de velocidade de venda indicou o melhor mês de junho do tempo que medimos. As reformas caseiras, motivadas pelo auxílio emergencial, continuaram. O comércio da construção civil não parou. Por fim, obras públicas não pararam, também.
Se fala muito em risco de desabastecimento, qual a situação no DF?
Risco de desabastecimento já é uma realidade. Obras públicas do Distrito Federal já começam a sentir impacto. Isso é muito ruim. Esse movimento virtuoso do GDF no sentido de colocar licitação na rua, obras para serem feitas, pode ser paralisado porque falta material. PVC, material elétrico, cerâmica, tijolos e bitolas de aço. Isso é tão danoso quanto o preço alto, para a economia como um todo.
O mercado imobiliário também sofre com esses problemas?
Sim, não tenha dúvida. O movimento virtuoso do mercado imobiliário estava acontecendo. Porque, desde 2014, a gente começou em uma queda única. A gente estava se recuperando, com previsão de alta para este ano. Ela estava se confirmando. Então, é natural que o construtor do ramo imobiliário paralise um lançamento, por exemplo. Como eu vou lançar um empreendimento se não tenho certeza de que vou contar com material para a obra? Outra questão são os aumentos: aço e cimento estão na casa de 30%, PVC passa de 100%. Em uma situação dessa, a pessoa tem que segurar para rever planilhas.
Além da pandemia, que tem impacto, o senhor acha que existe abuso nesse aumento?
Se eu afirmo isso, vou ser cobrado, mas não dá para entender aumentar material em 100%. Não falo só de um material, falo de uma gama, dos mais diversos tipos. Fizemos, agora em setembro, uma pesquisa com cerca de 20 empresas representativas associadas. O aumento chega a 140%. Não é questão única, de uma empresa, de um segmento. É generalizado. Se não é abuso, é inapropriado. Tanto que a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, que é a entidade máxima das construtoras do país, entrou, ontem, na Secretaria (de Advocacia) da Concorrência e Competitividade (do Ministério da Economia) com uma série de comprovações desse aumento para pedir ao governo algum tipo de ação.
Quais os principais impactos da pandemia no setor, além dos preços?
Nosso setor permaneceu operante, aberto. É um setor que tem características que diferem dos demais no sentido de ajudar a preservar saúde e vida do funcionário. É trabalho em campo aberto, sem muita aglomeração. Mesmo assim, tivemos impacto. Muitas empresas restringiram atividades. Ainda bem que teve a MP do governo que permitiu reduzir carga horária, isso ajudou muito. Mas, as empresas tiveram noção, logo no início, da importância dessas questões para o setor.
Houve impacto de demissões?
No primeiro momento, sim. Mas, nosso setor já está empregando a nível nacional. Parece-me que quase 10 mil empregos foram gerados na construção civil no país, com Brasília mais empregando do que desempregando.
Historicamente, o setor da construção civil é muito forte. O senhor acha que ele pode puxar nossa retomada?
Se a gente conseguir fazer bem esse trabalho, com uma série de ações para diminuir e até zerar esse impacto do aumento, acho que sim. Esse é nosso legado e vamos cumpri-lo. A construção civil chegou a ter 100 mil empregos formais no Distrito Federal nos bons tempos da construção. Hoje, temos em torno de 50 ou 60 mil. O setor responde por 60% do PIB da indústria do DF. Ou seja, ela tem forte ação e o DF precisa dela, o Entorno precisa dela.
O GDF lançou um pacote de obras e o governador disse que elas são prioridade. Como o senhor viu esse pacote?
É fundamental. A construção civil é um dos carros-chefe da nossa sociedade. Se tem obra, tem emprego. Temos visto isso desde o início do governo. E ele teve essa ação muito positiva de deixar claro que as obras públicas não parariam. Isso é muito bom e a economia não para. Obras há anos paralisadas voltaram e estão acontecendo, como o túnel de Taguatinga. Temos ressalvas, alertamos sempre sobre o orçamento da obra e exigências técnicas, para evitar problemas depois. Mas, o movimento de obras está acontecendo. A falta de materiais pode ter efeito negativo nas obras públicas. Mas, há espaço de diálogo no governo, não podemos criticar isso. A todo instante, conversamos com as secretarias e vemos esse interesse deles em nos procurar.