Vinte e um dias depois da prisão preventiva de integrantes da cúpula da Secretaria de Saúde, o governador Ibaneis Rocha (MDB) exonerou os funcionários da pasta denunciados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pela suspeita de irregularidades na compra de testes rápidos para a detecção da covid-19. Entre os demitidos nesta segunda-feira (14/9) pelo emedebista está o até então secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho. A princípio, Osnei Okumoto continua no cargo, como interino.
As suspeitas de irregularidade levaram à prisão preventiva de Araújo em agosto. Ele seria, segundo os promotores, líder de uma organização criminosa que atuava na pasta (leia Memória). A denúncia do MPDFT foi protocolada na sexta-feira e mirou 15 pessoas, entre servidores e ex-funcionários da Secretaria de Saúde. A suspeita é de crimes de organização criminosa, inobservância às formalidades da dispensa de licitação, fraude à licitação, fraude na entrega de uma mercadoria por marca diversa e peculato. O MPDFT também tinha pedido a perda do cargo público de todos os denunciados.
Dos setes integrantes da cúpula da Saúde que tiveram prisão preventiva decretada, cinco seguem detidos. O ex-subsecretário afastado de Vigilância à Saúde Eduardo Hage Carmo conseguiu ser liberado por liminar em habeas corpus expedida pelo ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o ex-subsecretário de Administração-Geral Iohan Struck é considerado foragido. Struck não foi encontrado e não se apresentou sob a alegação de estar com sintomas da covid-19.
Com a exoneração, publicada em edição extra do Diário Oficial do DF, Francisco Araújo perderá a prerrogativa de foro. Ontem, o desembargador Humberto Adjuto Ulhôa determinou o desmembramento dos processos. Assim, os casos foram encaminhados para 5ª Vara Cível de Brasília. “Tal medida do desmembramento torna-se necessária, a fim de se evitar que a demora no deslinde do feito acabe por gerar impunidade”, justificou o magistrado. Por causa do foro, o caso de Francisco Araújo era o único que continuava sob avaliação em segunda instância, o que agora deve ser revertido. Com isso, a ação dele também tramitará em primeiro grau.
Propostas fictícias
Para dar suporte ao suposto esquema de corrupção na Secretaria de Saúde e embasar compras com valores superfaturados, “propostas fictícias” com preços altos e diversas irregularidades eram apresentadas nos processos de aquisição de testes para detecção da covid-19, segundo o MPDFT.
“Esse cenário arquitetado pela organização criminosa configura típica prática de propostas de cobertura ou fictícias, concebidas para dar a aparência de um certame genuíno, na medida em que a apresentação de propostas nitidamente mais elevadas ou desprovidas da documentação necessária evidencia o direcionamento na contratação”, descrevem na denúncia a Procuradoria-Geral de Justiça do DF e os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
A observação é feita na análise do material referente a uma das compras em que o ex-diretor do Laboratório Central do DF (Lacen-DF) Jorge Chamon analisa sete propostas em menos de uma hora, nas quais haveria, segundo o MP, razões diversas para que fossem reprovadas. O método, entretanto, repetiu-se em mais processos, observam os investigadores.
Em outra compra, houve 17 propostas apresentadas. No entanto, todos os preços eram superiores ao da empresa que foi declarada vencedora e, na avaliação do Ministério Público, os documentos foram apresentados apenas para assegurar que a escolhida previamente tivesse êxito. “Ressalte-se ainda que inexiste qualquer informação de como essas outras propostas chegaram ao processo, pois não há e-mail de encaminhamento ou algum dado indicativo de origem do documento, o que reforça se tratarem de propostas de cobertura”, diz a denúncia.
Irregularidades como falta de assinatura, falta de certificado de registro do produto e ausência de habilitação jurídica, fiscal e trabalhista foram detectadas pelo MPDFT em ofertas aprovadas também por Chamon. Na denúncia, destaca-se que propostas tinham teor semelhante. “Todas essas circunstâncias revelam que essas propostas nada mais eram do que propostas de cobertura.”
A denúncia apresentada também sustenta que a cúpula da Saúde atuou em consonância com empresas que venceram os processos e direcionaram as compras. “Toda essa sorte de ilegalidades culminava com contratações superfaturadas, momento em que a organização criminosa igualmente praticava diversas ilegalidades, sobretudo na escolha das empresas contratadas.”
Defesas
Em nota oficial, o advogado de Francisco Araújo, Cleber Lopes, afirmou que a denúncia oferecida pelo MPDFT é uma peça “insubsistente”. “A acusação padece da falta de prova das alegações ali contidas. Por outro lado, o Ministério Público pediu a prisão do Secretário, acusando-o de corrupto, mas não consta da denúncia a acusação de corrupção nem lavagem de dinheiro. Essa denúncia não pode prosperar”, diz o texto.
A defesa de Eduardo Hage afirmou que ele não praticou qualquer ato ilícito. “Essa é a questão central. Defenderemos a lisura e correção de toda a sua atuação à frente da Subsecretaria de Vigilância à Saúde.” O representante de Jorge Chamon não quis se pronunciar sobre o caso e a defesa de Iohan Struck afirmou que o cliente recebeu a denúncia com indignação, pois “os fatos não aconteceram da forma como exposta pelo MPDFT”. “Tudo indica que o órgão acusador propositalmente omitiu trechos das conversas com claro intuito de distorcer (adequando ao escuso intuito) a verdadeira situação”, diz a nota.
Memória
Suspeita de prejuízo milionário
A Operação Falso Negativo, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), apura prejuízo milionário aos cofres públicos por causa de suposto superfaturamento de produtos adquiridos pela Secretaria de Saúde. Na segunda fase, deflagrada em 25 de agosto, foram presos preventivamente integrantes da cúpula da pasta. O prejuízo, segundo o MPDFT, é superior a R$ 18 milhões, montante que seria suficiente para comprar mais de 900 mil testes rápidos. Francisco Araújo Filho é apontado pelo MP como “chefe de uma organização criminosa com poder letal”.