Há 30 anos, o Governo Federal sancionou uma lei para estabelecer os direitos dos consumidores em todas as relações de compras ou prestação de serviços no país. Nascia o Código de Defesa do Consumidor (CDC), baseado no preceito de proteção à parte mais fraca. O código tem relação com o processo de redemocratização do país e é fruto da participação da sociedade civil, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). “O consumidor, por natureza, é hipossuficiente em relação ao fornecedor, do ponto de vista econômico como do acesso à informação daquele produto que ele vende e disponibiliza”, explica o advogado especialista em direito do consumidor Welder Rodrigues.
O advogado conta que o código estabeleceu preceitos básicos das relações de consumo, como o direito à informação, que exige das empresas, por exemplo, clareza em relação ao prazo de validade dos produtos perecíveis e manuais para que os consumidores utilizem os produtos de forma adequada. “O CDC estabeleceu que todas as informações que o consumidor julgar relevante ele deve ter acesso”, conta o especialista. Também foi o Código de Defesa do Consumidor que criou a Secretaria Nacional do Consumidor, responsável por coordenar as ações dos Procons estaduais.
Outra conquista indireta do CDC foi a criação dos juizados especiais, que asseguram o acesso do consumidor à Justiça. “O código assegura que o consumidor deve ter acesso ao Poder Judiciário de forma facilitada. Ao longo do CDC, há uma série de mecanismos que vão nesse sentido”, afirma Welder. Após 30 anos, seria de se esperar que o código que rege as relações de consumo estivesse defasado, mas segundo Rodrigues, a legislação também resguarda o consumidor em situações imprevisíveis, como “casos fortuitos e de força maior”.
De acordo com o diretor-geral do Procon-DF, Marcelo Nascimento, desde 1990, o modo de consumir das pessoas sofreu mudanças e o CDC, apesar de conseguir resguardar o cidadão nas relações de consumo do dia a dia, possui duas alterações previstas. Além disso, ambas aguardam a aprovação da Câmara Legislativa. “Uma delas trata do comércio eletrônico, porque o código não tem uma parte dedicada a compras on-line” explica o diretor-geral. Nascimento acrescenta que “a outra mudança ocorrerá no tocante à concessão de crédito e no tratamento do superendividamento. Hoje, há mais de 42 milhões de superendividados no Brasil devido à concessão indiscriminada de crédito”.
Empoderado
De acordo com Nascimento, a forma mais eficaz de prevenir problemas e saber como agir diantes deles é conhecer o Código de Defesa do Consumidor. “O CDC é o instrumento que o cidadão tem para fazer valer seu direito ao realizar uma compra, fechar um negócio ou contratar um serviço. Quando um consumidor conhece seus direitos, o chamamos de consumidor empoderado”, esclarece Marcelo Nascimento.
A auxiliar administrativo Thais Abreu, 28 anos, faz parte do grupo de consumidores empoderados. Ela teve problemas ao contratar um conserto para o celular na assistência técnica autorizada do eletrônico, com sede em São Paulo. “Solicitaram que eu fizesse um depósito na conta bancária da empresa para ser fornecido um código para enviar o aparelho com problema, via Correios. Mas não encontram o pagamento. Eu não conseguia mandar o celular ou pedir meu dinheiro de volta”, conta Thais. Após vários contratempos, a auxiliar administrativo acionou o Procon. “Logo a empresa entrou em contato comigo para me devolver o depósito que foi feito”, relata a consumidora.
Leonardo Bessa, procurador de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), argumenta que a pior lesão ao consumidor é quando o titular do direito não sabe que foi lesado. “É fundamental o conhecimento dos direitos e também saber que muitas vezes não existe direito”, disse Bessa. O procurador dá o exemplo da troca de produtos ou devolução do dinheiro. “É de direito apenas quando há vício, o não funcionamento adequado do produto”, esclarece.
Segundo Bessa, o maior princípio que norteia o CDC é o da boa fé objetiva, que significa agir com lealdade e transparência. “Por exemplo, nas publicidades, a informação não pode ser ambígua e induzir o consumidor a erro. O fornecedor tem os seus interesses, mas tem que olhar o contrato não apenas como instrumento de obtenção de lucro”, explicou. Ainda segundo o procurador, o código é tão importante porque as pessoas atuam como consumidores o tempo inteiro. “Por exemplo, ir à padaria, pegar um ônibus, um aplicativo de transporte individual, TV por assinatura, telefonia, plano de saúde”.
Bessa destaca o caráter revolucionário do CDC com as discussões na época de sua promulgação, que afirmavam que a lei quebraria empresas, o que nunca aconteceu. O procurador destaca que uma das consequências do CDC foi a criação de uma cultura jurídica de proteção ao consumidor. “Os empresários e os consumidores sabem dessa importância. Essa lei mudou a forma de ver o mercado de consumo”, explica.
* Estagiários sob a supervisão de Adson Boaventura