CRIMES VIRTUAIS

Maior exposição à web na pandemia deixa jovens vulneráveis a riscos

Aumento de ocorrências de crimes cibernéticos preocupa autoridades, sobretudo, devido ao abandono digital, que é quando os pais negligenciam as atividade das crianças e dos adolescentes no mundo virtual

Deixar uma criança pequena andando desacompanhada por ruas e becos é algo inimaginável para a maioria dos pais. Elas podem se perder e ficar suscetíveis à ação de pessoas mal-intencionadas. O mesmo ocorre quando esses jovens navegam na internet sem supervisão. “Estamos, infelizmente, perdendo os filhos dentro de casa, dentro do quarto dele. Por isso, é importante os pais estarem atentos”, avalia Alexandre Veloso, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do Distrito Federal (Aspa).

Responsáveis que não zelam pela segurança dos filhos no ambiente digital, visando evitar os efeitos nocivos que ele pode trazer às crianças e aos adolescentes, são considerados negligentes e há um termo cunhado para isso: abandono digital. Por isso, o vice-presidente da Comissão Nacional de Família e Tecnologia do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), o advogado Marcos Ehrhardt, alerta para a necessidade de supervisão e monitoramento, por parte dos pais, das atividades dos jovens na internet.

“Elas correm todos os perigos relacionados à interação com estranho, desde abusos, exposição da privacidade e intimidade, até questões que envolvem phishing, um tipo de engenharia social que se usa a criança para conseguir informações da família, que fica suscetível a golpes, como sequestros simulados”, explica o advogado.

Segurança

Uma das principais preocupações do especialista é quanto à imagem desses jovens, uma vez na internet, um vídeo ou fotografia podem se espalhar no ambiente virtual. “A gente acaba tendo uma exposição que se prolonga ao longo do tempo e pode assombrar os adolescentes, inclusive, na vida adulta, na hora de conseguir um emprego ou de se relacionar. Os perigos são de grande ordem”, avalia.

De acordo com promotor de Justiça Leonardo Otreira, do Núcleo Especial de Combate a Crimes Cibernéticos (NCyber) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), a maioria dos crimes cibernéticos cometidos contra jovens envolve a exposição dos menores a predadores sexuais. Eles costumam se passar por crianças da mesma idade, utilizando vocabulário similar e explorando a inocência delas para as aliciarem e obterem imagens de pornografia infantil.

“Com isso, a tragédia está lançada, porque é o início de uma sucessão de atos mais devastadores. Ele (criminoso) começa a extorquir, exigir comportamentos mais obscenos, ou até de alto risco. Por exemplo, exigir que o adolescente se mutile ou faça coisas piores, o que vira um círculo vicioso, porque o adolescente ou a criança não sabe como sair daquilo, se sente acuado”, ressalta.

Diálogo

Sendo assim, é importante muita conversa entre as famílias para estabelece limites na vivência digital dos jovens. “A proibição abrupta é ruim, costuma não funcionar. Os pais têm que ter um diálogo de confiança com os filhos de maneira que eles possam, também, serem responsabilizados e entender o contexto”, afirma Alexandre Veloso, da Aspa.

Especialistas entendem que há um limiar tênue entre a necessidade de supervisão por parte dos pais, e o direito à privacidade, como condição para formação da individualidade dos filhos, em especial os adolescentes.

“A primeira linha que tem que ser traçada é a linha da franqueza, ter uma conversa honesta com o adolescente para explicar a necessidade desse acompanhamento para proteção dele. Mas, sem deixar de lembrá-lo que, naquela relação, a função dos pais sempre vai ser exercida independentemente das vontades dos jovens”, define o promotor Leonardo Otreira.

Para Marcos Ehrhardt, do Ibdfam, a internet é um ambiente novo que exige muita discussão e conhecimento. “Os direitos que a gente tem no mundo físico não desaparecem no mundo virtual, e o desafio dos pais é acompanhar essa mudança. A gente ainda está entendendo qual o impacto disso em todos os níveis: trabalho, relação, amigos. No núcleo familiar não é diferente, temos os mesmos desafios”, argumenta o advogado.

Dicas de segurança

» Checklist para pais e educadores

» Você sabe o que o jovem faz diante do computador?

» Você sabe como seu filho consegue “mexer” no computador?

» Você sabe se seu filho tem perfis em redes sociais?

» Você sabe se seu filho possui amigos virtuais e se comunica com eles?

» Você sabe o que é “sexting”? Será que seu filho sabe usar a câmera do telefone celular adequadamente, de forma ética, sem gerar danos às outras pessoas?

» Você sabe se seu filho tem fotos em poses sensuais ou íntimas publicadas na internet?

» Você autoriza seu filho a manter o computador em seu próprio quarto ou o deixa em um local mais pública da casa, de livre circulação?

» Você controla o tempo que seu filho passa realizando atividades no computador?

» Você já pesquisou sobre a vida digital de seu filho? E a sua própria, buscando por seu próprio nome ou imagem?

» Você sabe se seu filho está copiando trabalhos existentes na internet para apresentá-los como se fossem dele em seu colégio?

» Você sabe que tipo de informação seu filho armazena dentro do computador?

» Você sabe se seu filho frequenta lan houses para justamente se ver livre de qualquer monitoramento por parte dos pais?

Fonte: Cartilha Orientativa – Ética e Segurança Digital – Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios (MPDFT)

Transparência é fundamental

A jornalista Fabiana Borja, 43 anos, está atenta às atividades do filho, Gabriel, 10, na internet, desde que ele começou a ter acesso aos dispositivos dos pais. No entanto, com a quarentena, o menino, que estava desestimulado pela falta das aulas presenciais, começou a desenvolver um interesse especial pelo aplicativo TikTok, febre entre os jovens. Nele, as pessoas fazem vídeos curtos que alimentam a rede social e ficam à disposição de usuários de todo o mundo.
Fabiana começou, então, a inspecionar, todos os dias, o conteúdo que o filho havia produzido e monitorar as pessoas que o seguiam e interagiam com ele. Com Gabriel, Fabiana e o ex-marido começaram a assistir a documentários sobre o tema e discutiram com ele os perigos que a internet pode trazer. O lado positivo da vida digital, no entanto, não foi esquecido. A curiosidade e interesse do menino o levaram a desenvolver habilidades em edição de vídeo.

Consciência

“A gente conseguiu mostrar que ele pode aprender várias coisas na internet, mas que ele precisa tomar cuidado de como ele se expõe. Ele começou a entender o que podia e o que não podia fazer, o que era apropriado e o que não era”, relata Fabiana. Gabriel foi, então, desenvolvendo questionamentos sobre sua própria segurança e de sua família.
“Meses depois, ele, por conta própria, falou que não queria mais mexer no TikTok, porque não fazia bem. Perguntei a ele por que não fazia bem, e ele disse: ‘Porque eu não conheço essas pessoas, quero criar coisas legais, mas se tiver gente entrando e pegando os dados bancários, não dá’”, lembra Fabiana.

“Você tem que ter esse diálogo bem transparente e criar uma relação de confiança, porque você não está ali só como bedel chato, dizendo o que podem ou o que não podem fazer. Mas, é importante ter hierarquia, a gente tem uma autoridade. Pode se tornar amigo, mas sempre vem, primeiro, pai e mãe”, finaliza a jornalista. (TS)