Passaram-se 88 anos desde que a mulher brasileira conquistou o direito ao voto, primeiro passo de uma grande caminhada pela igualdade de gênero no país. Muito, no entanto, ainda é necessário até que haja um equilíbrio. Enquanto elas ocupam altos cargos de poder em diversos segmentos da sociedade, na política, o passo ainda é lento. Um estudo divulgado pela ONU Mulheres, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), diagnosticou o Brasil como um dos piores países da América Latina, no que se refere à paridade política entre homens e mulheres. Por intermédio do projeto Atenea, mecanismo criado para avaliar e acelerar a participação feminina dos cargos de poder, chegou-se a conclusão que, dos 11 países em que o programa foi implementado, estamos na 9ª colocação (Veja ranking).
O Distrito Federal faz parte dessa realidade. Nas últimas eleições, em 2018, o eleitorado feminino compreendia 1,1 milhão da população (52,21%), enquanto homens eram 962 mil. Apesar disso, dos 24 deputados distritais escolhidos, apenas 3 são mulheres. No Congresso Nacional, a história é um pouco diferente: o DF tem a maior bancada feminina da história. De um total de oito deputados federais, cinco são mulheres. Esta também é a primeira vez que uma mulher assume como senadora pelo Distrito.
Flávia Biroli, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) explica que o país ainda precisa avançar muito. “Todos estamos caminhando muito mal. O que temos é muito residual em relação ao que deveria ser. A média latino-americana de paridade de gênero na política é de 26%, e só é assim porque o Brasil traz ela para baixo”, critica. “A ausência das mulheres é um problema em si. Se há um regime democrático que as exclui, sistematicamente ele é falho.”
Embora exista uma política de cotas para mulheres, que determina que os partidos reservem pelo menos 30% das vagas a candidatas, a especialista ressalta a importância de garantir recursos. Nas eleições passadas, viu-se o surgimento de candidatas “laranjas”, apenas para cumprir a normativa. “Novas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) procuram evitar as fraudes: partidos, por exemplo, têm de apresentar autorização, por escrito, das mulheres que concorrerão. Uma forma de desvio era registrar gente que nem sabia.”
Participação
O Atenea analisa 40 indicadores, em oito dimensões: compromissos nacionais com a igualdade na constituição e marco legal; exercício do direito ao sufrágio; cotas e paridade política; Poder Executivo e Administração Pública; Poder Legislativo; Poder Judicial e Instâncias Eleitorais; Partidos Políticos; e governos locais. A cada um, é dada uma nota de 0 a 100. Para o Brasil, a pior avaliação ficou na questão do cumprimento de cotas e paridade política. A legislação vigente foi considerada frágil e com poucos mecanismos institucionais que garantam a efetividade.
Ana Carolina Querino, gerente de Programas da ONU Mulheres avalia a necessidade de aprimoramento das leis vigentes. “Nosso sistema não tem algumas características que facilitariam essa concretização da paridade, como cotas em sistema de listas partidárias fechadas.” Ela caracteriza a falta de incentivo, e demais barreiras às candidaturas, como violência política contra as mulheres, o que as impede de competir em pé de igualdade com os homens. “Para as eleições municipais, será lançado um guia para prevenir a violência contra mulheres nas eleições”, explica Ana Carolina. O documento é voltado a identificar componentes dessa violência, e sugerir boas práticas de resposta a este fenômeno.
Para fomentar as campanhas delas, surgiu, em 2018, a Organziação Não Governamental Elas no Poder, com base no DF, mas atuando em todo o país. A cofundadora Letícia Medeiros explica que as mulheres não são tão eleitas quanto os homens por fatores históricos. “As principais variáveis incluem a própria ambição política, o ambiente partidário predominantemente masculino e excludente, e a falta de financiamento”, detalha. “Por isso, as cotas são tão importantes. Porque forçam os partidos a recrutar mulheres.”
Pioneiras
Após a proclamação da constituinte, a população do DF pôde escolher governadores. Contudo, desde 1991, quando houve a primeira escolha, apenas uma mulher ocupou o posto de chefe do Palácio Buriti. Em 2006, Maria de Lourdes Abadia era vice de Joaquim Roriz, e assumiu o cargo quando o político se afastou para lançar candidatura ao Senado. Hoje, aos 76 anos, ela rememora uma vida dedicada à política. Em 1986, ela e Márcia Kubitschek eram as primeiras mulheres eleitas como deputadas federais pelo DF. No pleito seguinte, Maria Abadia passou a fazer parte da primeira legislatura da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
Na trajetória, ela recorda momentos em que se viu discriminada, em meio a tantos homens. Ouvia xingamentos e ofensas durante as campanhas. “A gente escuta de tudo. Mandam ir lavar roupa, dizem que o fogão é nosso lugar. É muito duro. Para se ter uma ideia, o Congresso Nacional não tinha banheiro feminino no Plenário”, lembra. “As dificuldades são muitas. As comissões mais importantes são dadas a homens. Raramente, você vê as mulheres nas comissões de economia, relações exteriores. Só nos colocam na área social, educação, saúde assistência. É aquela coisa estereotipada.”
Também veterana na política é a deputada distrital Arlete Sampaio (PT). Em 1986, disputou como senadora, porém, sem sucesso. Mais tarde, tornaria-se vice-governadora na administração de Cristovam Buarque. “Temos que ter consciência de que só vamos ter leis de igualdade quando mais mulheres estiverem nos representando nos espaços políticos. Temos uma das menores proporções de mulheres no parlamento do mundo”, declara.
Entre os obstáculos, Arlete ressalta a dúvida dos eleitores. “Há um certo estranhamento em saber se teremos ou não competência. Eu ouvia muito falarem que eu sou pequenininha, será que daria conta? Se fosse um homem pequeno, essa pergunta não existiria”, afirma. “Nós temos de aprender a meter o pé na porta para que nosso espaço seja assegurado. Enfrentei muitos momentos em que houve a tentativa de me excluir da fala, mas eu não deixava.”
De atleta a senadora, Leila Barros (PSB) faz parte da nova geração de representantes e carrega o peso de ser a primeira mulher do DF no cargo. “A política é um ambiente em que, tradicionalmente, os homens reinam. Estamos começando um processo de ocupar esses lugares de liderança”, pondera. “Depois de quase dois anos, aprendi que tenho que dialogar. Não é preciso berrar sempre, mas, de vez em quando, acontece. Por mais que a gente se prepare, no plenário, às vezes é preciso ser ouvida na base do grito.” Sem a política de cotas, Leila acredita que não teria chegado onde chegou. “Precisamos melhorar na base, estimulando o interesse delas. É uma questão de justiça. Somos 52% da população do país que, como democrático, deve dar voz às mulheres.”
Cotas garantidas
A Lei Nº 9.504/1997 determina que os partidos devem reservar pelo menos 30% das candidaturas ou coligações para sexo feminino, em eleições proporcionais. A partir de 2020, as legendas deverão encaminhar à Justiça Eleitoral a lista de candidatas que concorrerão no pleito, respeitando-se o percentual mínimo de 30% e o máximo, de 70%. Além disso, por decisão do TSE, os partidos devem reservar ao menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para campanhas das candidatas.
Bancada feminina do DF em números
Deputadas distritais 3
Deputadas federais 5
Senadora1
Ranking do Índice de Paridade Política
1 - México 66,2
2 - Bolívia 64
3 - Peru 60,1
4 - Colômbia 54
5 - Argentina 44,7
6 - Honduras 42,7
7 - Guatemala 42,6
8 - Uruguai 41,7
9 - Brasil 39,5
10 - Chile 38,2
OBS: A pontuação vai de 0 a 100. Quanto maior o valor, maior a aproximação de paridade de gênero na política.
Fonte: ONU Mulheres e Pnud
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