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Ato de amor em cirurgia extraordinária para salvar João Miguel, de 10 meses

Jovem doa medula óssea para salvar o irmão João Miguel, quando ele tinha poucos meses de vida. O Hospital da Criança de Brasília teve de pedir permissão para o Ministério da Saúde para realizar esse tipo de transplante

Samara Schwingel
postado em 25/09/2020 06:00 / atualizado em 25/09/2020 06:22
 (crédito: ED ALVES/CB/D.A Press)
(crédito: ED ALVES/CB/D.A Press)

Quem observa o pequeno João Miguel Pereira, de 10 meses, no colo da mãe, Franciele Pereira, 37, não imagina pelo que ele passou com tão pouco tempo de vida. Após percorrer diversos hospitais com quadro de febre, tosse, pneumonia e parada cardíaca, em junho, o menino foi diagnosticado com imunodeficiência combinada grave (SCID, na sigla em inglês). Devido ao alto índice de mortalidade da doença, o Ministério da Saúde autorizou, de maneira extraordinária, o Hospital da Criança José Alencar de Brasília (HCB) a realizar o transplante alogênico de medula óssea, ou seja, com doador. E a doadora de João foi uma das irmãs dele, Ana Clara Pereira, 16. Por ser menor de 18 anos, a adolescente precisou da autorização dos pais para se submeter à operação.

O bebê mora com a mãe; o pai, Alexandro da Silva Oliveira, 38; duas irmãs; e um irmão, em Santa Maria. Da família, Ana Clara mostrou-se 100% compatível para ser a doadora. A jovem conta que, assim que soube que poderia salvar a vida de João Miguel, não pensou duas vezes. “Ele é uma das pessoas que eu mais amo. E eu faria tudo para ajudá-lo”, diz. Ana revela que precisou superar medos antigos. “Sempre tive medo de agulha, mas, com apoio dos profissionais de saúde, fiquei tranquila para realizar a doação”, relata. Religiosa, Ana agradeceu a Deus pela oportunidade. “Fiquei tão feliz que corri para a igreja para expressar minha gratidão”, completa a adolescente.

O transplante foi realizado em 8 de julho. Hoje, mais de dois meses após o procedimento, Ana e João tornaram-se ainda mais próximos. “Posso dizer que ele é minha alegria diária. Fico muito feliz de vê-lo e espero que, um dia, ele mesmo possa contar essa história de superação”, destaca. A jovem acompanha o irmão caçula nas consultas médicas semanais para avaliar a reabilitação pós-transplante. “Gratidão é a palavra que resume todo o processo”, define. Franciele concorda com a filha. “O sentimento é de vitória”, comemora a mãe.

A dona de casa recorda-se que, por ter conhecido outros casos de pessoas com SCID, receber o diagnóstico do filho foi um choque. “Lembrei de todo o sofrimento que as mães desses outros pacientes passaram. Antes do procedimento, houve dias que eu precisei sair do quarto onde João estava internado, pois não queria vê-lo partir”, conta Franciele. No entanto, assim que soube que a filha poderia ser doadora, o sentimento mudou: “Fiquei muito feliz e animada com a possibilidade de recuperação do meu filho”. O último obstáculo era o aval do Ministério da Saúde para que o HCB pudesse realizar o transplante, uma vez que a unidade não tem o credenciamento para tal procedimento. Por fim, 15 dias depois, a permissão foi concedida.

Agora, a expectativa é de que o bebê de 10 meses melhore cada vez mais. “Como João passou por muita coisa, ele não se desenvolveu o tanto que deveria. Porém, é um vitorioso, e espero poder, em breve, vê-lo dando os primeiros passos e crescendo sem maiores problemas”, acrescenta a mãe. Ela considera importante divulgar o caso para informar mais pessoas sobre a imunodeficiência. “É uma condição pouco conhecida pelo público geral. Além disso, gostaria que futuros pacientes soubessem que há tratamento e que, com o apoio de uma boa equipe médica, milagres podem acontecer”, frisa.

Sucesso

O procedimento de João foi o primeiro transplante alogênico de medula óssea realizado no Hospital da Criança e foi autorizado de forma extraordinária pelo Ministério da Saúde, uma vez que a unidade ainda não tem credenciamento para o método. De acordo com a diretora técnica do HCB, Isis Magalhães, o hospital deu início ao processo de credenciamento para a técnica. “Desde agosto de 2019, somos autorizados a realizar transplantes autólogos, quando as células progenitoras vêm do próprio paciente. Após 17 operações desse método, demos entrada com o pedido de credenciamento do alogênico”, explica.

Em relação ao procedimento a que João Pedro foi submetido, a médica considera que a operação foi um sucesso e fica feliz por poder fazer parte da história do menino. “É gratificante ver a recuperação dele e saber que, assim como o João, outras crianças ganharam novas vidas graças ao hospital”, resume. Isis destaca a importância de Ana Clara ter aceitado ser doadora de medula para o irmão. “Facilitou muito nosso trabalho, pois não precisamos buscar e aguardar um doador compatível. Ela foi essencial para o sucesso da operação”, garante. Ela relembra de outros procedimentos realizados pelo hospital que repercutiram na comunidade. “De 2019 até hoje, posso destacar a separação das gêmeas siamesas (Lis e Mel) e as três cirurgias de extrofia de bexiga. Todas inéditas no DF”, diz.

O Ministério da Saúde informou que o Distrito Federal realizou, entre janeiro e julho de 2020, 11 transplantes de medula óssea com doadores aparentados. De acordo com o HCB, é a primeira vez que esse tipo de transplante é feito em uma criança na rede pública do DF.

Saiba mais

Imunodeficiência combinada grave é uma imunodeficiência primária que resulta em baixos níveis de anticorpos (imunoglobulinas) e um número baixo ou ausente de células T (linfócitos). Ou seja, o portador desta doença fica sensível a infecções causadas por vírus, bactérias ou fungos. Caso o diagnóstico e o tratamento não sejam feitos precocemente, a expectativa é que de o paciente não passe dos primeiros anos de vida.

Fonte: Drª. Isis Magalhães, diretora técnica do HCB.

Solidariedade

Como ser doador de medula óssea

De acordo com o Ministério da Saúde, há cerca de 5,2 milhões de doadores de medula óssea cadastrados no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). Para fazer a inscrição, o doador precisa:

» Ter entre 18 e 55 anos de idade
» Estar em bom estado geral de saúde
» Não ter doença infecciosa ou incapacitante
» Não apresentar doença neoplásica (câncer), hematológica (do sangue) ou do sistema imunológico
» O cadastro fica ativo no sistema até o doador completar 60 anos de idade e pode ser feito pelo site: redome.inca.gov.br

» Últimas cirurgias inéditas no HCB

27 de abril de 2019 — separação das gêmeas siamesas Lis e Mel
14 de junho de 2019 — primeira cirurgia de correção de extrofia de bexiga
8 de julho de 2020 — transplante de medula óssea alogênico

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  • Mãe de João, Franciele, 38; e a irmã dele Ana Clara. Com 100% de compatibilidade, a jovem foi a doadora
    Mãe de João, Franciele, 38; e a irmã dele Ana Clara. Com 100% de compatibilidade, a jovem foi a doadora Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
  • João Miguel foi diagnosticado com imunodeficiência combinada grave em junho
    João Miguel foi diagnosticado com imunodeficiência combinada grave em junho Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
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