FEMINICÍDIO

"Ele não a deixava em paz", diz irmão de mulher morta pelo ex na frente da filha

Shirley Gertrudes é assassinada a facadas pelo ex-companheiro enquanto levava a menina, de 4 anos, para uma consulta médica em Ceilândia. Pai da criança, o autor do crime fugiu para a casa dos pais, em Samambaia, onde se matou

Darcianne Diogo
postado em 15/09/2020 06:00 / atualizado em 15/09/2020 08:54

Shirley Rúbia Gertrudes deixa dois filhos: uma menina de 4 anos e um adolescente de 17. O assassino era ex-companheiro dela e pai da criança Mulher morta por ex-companheiro dentro do Hospital São Francisco, em Ceilândia levava filha para consulta. A criança de 4 anos presenciou o momento em que o suspeito golpeou Shirley Rúbia, de 35 anos.
Shirley Rúbia Gertrudes deixa dois filhos: uma menina de 4 anos e um adolescente de 17. O assassino era ex-companheiro dela e pai da criança Mulher morta por ex-companheiro dentro do Hospital São Francisco, em Ceilândia levava filha para consulta. A criança de 4 anos presenciou o momento em que o suspeito golpeou Shirley Rúbia, de 35 anos. (foto: Redes Sociais/Reprodução)

 

Com apenas 4 anos, uma menina moradora de Taguatinga viveu momentos de desespero. Na tarde desta segunda-feira (14/9), em um hospital particular de Ceilândia, a criança presenciou o assassinato da própria mãe, Shirley Rúbia Gertrudes, de 39 anos, cometido pelo pai, Rafael Rodrigues Manuel, 35, que, após o feminicídio, tirou a própria vida. Investigadores da Delegacia de Atendimento Especializado da Mulher (Deam II) analisam as imagens de segurança da unidade de saúde para ajudar na elucidação do crime.

De acordo com a apuração policial, Shirley agendou uma consulta pediátrica para a filha no Hospital São Francisco, localizado na QNN 28, e Rafael acompanhou a ex-mulher. Os dois permaneceram na sala de espera e, após alguns minutos, foram chamados para entrar no consultório. “Quando os dois entraram, ele saiu rapidamente da sala e retornou em seguida. Tivemos o relato de que, lá dentro, a vítima e o suspeito tiveram uma breve discussão, mas nada que chamasse atenção”, detalhou a delegada-chefe da Deam II, Adriana Romana.

Segundo a investigadora, o acusado, que trabalhava como auxiliar de cinegrafista em uma emissora de TV, saiu em direção ao carro, onde, supostamente, teria pego a faca utilizada no crime. Ao entrar novamente na sala, ele efetuou diversos golpes contra a vítima, sendo que um deles perfurou o coração. Shirley chegou a ser socorrida pela equipe do próprio hospital e encaminhada ao centro cirúrgico, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. No momento do crime, a filha do casal se pesava na balança corporal e estava acompanhada do pediatra. Os dois presenciaram o ocorrido. “O médico está em estado de choque e, em breve, colheremos o depoimento dele. Mas, agora, ele não está em condições”, explicou a delegada.

O Hospital São Francisco se posicionou por meio de nota oficial e esclareceu que, “após ser atingida, Shirley foi conduzida até o centro cirúrgico da unidade, onde recebeu todos os cuidados, porém, não resistiu e evoluiu para óbito. Em razão do ocorrido, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) foi acionada e, junto à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), iniciou processo de investigação dos fatos. A criança foi prontamente atendida pelo Departamento de Psicologia do hospital”, diz o documento.

Após matar a ex-mulher, Rafael se dirigiu até a casa onde mora com os pais, em Samambaia. No local, ele se matou com um disparo de arma de fogo. Agentes encontraram a arma debaixo do corpo do suspeito e encaminharam o armamento para a perícia, bem como a faca utilizada no feminicídio. Agora, a polícia colherá depoimentos de outras testemunhas e analisará as câmeras de segurança do local para traçar a motivação do assassinato.

Relacionamento

Shirley chegou a trabalhar no Hospital São Francisco como recepcionista entre 2013 e 2017. Atualmente, ela atuava como segurança de uma outra unidade de saúde, na Asa Norte. Além da criança, a mulher é mãe de um adolescente, de 17 anos, fruto de outro relacionamento.

O casal assumiu o namoro em 23 de fevereiro de 2014 e teve uma menina. Eles terminaram a relação havia três meses, mas Rafael não aceitava a situação, como descreve Robson Eurípides, 52, um dos cinco irmãos da vítima. “Ele não a deixava em paz e sempre pedia para voltar. Minha irmã sempre reclamou do fato de ele sair demais para as festas e dormir fora de casa”, disse.

Segundo Robson, a irmã não chegou a relatar ter sofrido algum tipo de violência por parte do suspeito. Na delegacia, também não consta registro de ocorrência ou alguma medida protetiva contra ele. Separados, a mulher passou a morar em uma casa, em Taguatinga, e Rafael, na casa dos pais, em Samambaia. “Eu estava em Águas Lindas (GO), quando soube dessa fatalidade. Vim correndo para cá e me deparo com isso. Me mandava áudio direto perguntando se eu estava bem. Era meu apoio, me dava forças”, ressaltou o motorista.

O irmão chegou a questionar a falta de segurança no hospital. “Como que deixam entrar uma pessoa armada aqui dentro?”, disse. A unidade de saúde informou que há revista pessoal em outras entradas do local, exceto no ambulatório.

O filho mais velho de Shirley prestou depoimento à polícia. De acordo com o adolescente, esse era o segundo rompimento entre a mãe e o padrasto. Uma das amigas da segurança, que preferiu não ter a identidade revelada, lamentou o ocorrido. “Ficarei com a lembrança do sorriso dela. Era uma pessoa que estava sempre alegre, otimista, apaixonada pelos filhos e trabalhadora. Tudo isso é muito triste, que ela descanse em paz”, finalizou a colega.

 

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Memória

Casos recentes

20 de agosto: Sônia Miranda Luz, 35 anos, foi degolada pelo próprio companheiro, Izildo Neto Simão dos Santos, 34 anos, que, em seguida, publicou uma foto do corpo da vítima e, então, tentou se matar. O caso aconteceu no Setor Habitacional Sol Nascente. O sobrinho de Sônia acionou a Polícia Militar para prestar socorro, mas, ao chegar ao local, os militares encontraram a mulher já sem vida, no sofá da sala. O agressor estava com um corte, feito por faca, no abdômen, e outro no pescoço, mas ainda respirava.

31 de julho: O cirurgião dentista Fabrício David Jorge, 41 anos, esfaqueou a namorada, a enfermeira Pollyanna Pereira de Moura, 35, e depois tirou a própria vida, em um condomínio, em Águas Claras. A funcionária do Ministério da Saúde e o servidor da Secretaria de Saúde (SES) moravam juntos há cerca de um ano. Como Fabrício tinha sido diagnosticado com covid-19, o casal estava isolado no apartamento, localizada no primeiro andar.

25 de julho: Uma mulher de 25 anos, moradora de Santa Maria, foi morta por estrangulamento pelo marido, de 23 anos. Inicialmente, o acusado apresentou-se à 33ª Delegacia de Polícia, alegando que a companheira havia sido enforcada durante um ataque. Contudo, em outro interrogatório, o homem alegou que a vítima havia lhe atacado com uma faca e, por isso, aplicou o golpe mata-leão na mulher.

6 de junho: Um policial militar assassinou a mulher, Adriana Valéria, de 46 anos e, em seguida, se matou. O feminicídio ocorreu em Ceilândia Sul. O militar, de 42 anos, teria utilizado a arma da corporação para cometer o crime. Os filhos do casal, de 4 e 9 anos, estavam na residência no momento dos disparos, mas não foram feridos, segundo informações da corporação.

DF registra 12 casos neste ano

O Distrito Federal registra, até o momento, 12 casos de feminicídio em 2020. Na avaliação da advogada criminalista da Metzker Advocacia, Geórgia Laranja, o feminicídio e a violência contra a mulher, em geral, podem ser encarados como um problema de gênero, consequência de uma sociedade patriarcal, em que o poder está concentrado na figura do homem. “Essa cultura incentiva a discriminação ao reforçar ideias como a inferioridade das mulheres em relação aos homens. É necessário combater a desigualdade de gênero como um fator evidente da violência contra as mulheres. Para isso, não basta endurecimento de Leis Penais, se não há implementação de políticas que garantam um ambiente de participação igualitário para as mulheres na sociedade”, argumentou.

Segundo a especialista, é essencial que a mulher vítima de violência doméstica conte com um rede de apoio, formada não só por familiares e amigos, mas também por profissionais capacitados e, principalmente, especializados em lidar com crimes contra mulheres, sejam agentes de segurança pública, assistentes sociais ou psicólogos.

Onde procurar ajuda

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
Entrequadra 204/205 Sul - Asa Sul

Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam II)
QNM 02, AE, Conjunto G/H, Ceilândia Centro

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência ; Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
Telefone: 180 (disque-denúncia)

Centro de Atendimento à Mulher (Ceam)
De segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
Locais: 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia, Planaltina

Disque 100
Ministério dos Direitos Humanos

Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar
Telefones: (61) 3910-1349 / (61) 3910-1350

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