Meio ambiente

Escassez de água no cerrado põe em risco abastecimento de todo o país

Na última reportagem da série especial sobre o bioma que cerca o Distrito Federal, especialistas destacam a importância das águas cerratenses para o abastecimento e manutenção da biodiversidade brasileira

Thalyta Guerra*
Ana Maria da Silva*
postado em 13/09/2020 06:00
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Uma verdadeira caixa d’água no coração do Brasil. É assim que o cerrado é visto por especialistas ligados aos recursos hídricos do país. Considerado um berço das águas, o bioma da região central brasileira possui grande importância estratégica para o abastecimento e manutenção de uma rica biodiversidade. Com grandes reservas subterrâneas de água doce, o cerrado faz conexões ao norte, com a Amazônia; ao nordeste, com a Caatinga; a sudoeste, com o Pantanal; e a sudeste, com a Mata Atlântica, o que faz com que haja importantes relações ecológicas entre ele e os biomas vizinhos.

De acordo com o Museu do Cerrado, iniciativa da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FA/UnB), o cerrado possui 19.864 nascentes, 23,6% de todas as nascentes brasileiras, além de três grandes aquíferos: Guarani, Bambuí e Urucuia. Mas, a riqueza hídrica requer mais cuidados: uma vez que distribui água por todo o país, a escassez na região afeta o Brasil. Na última reportagem da série especial sobre o cerrado, especialistas advertem quanto às ameaças nascentes e rios da região.

Diretor-presidente da organização não-governamental (ONG) Fundação Pró-Natureza (Funatura), Braulio Ferreira de Souza Dias explica que a importância hídrica do cerrado vai além das chuvas abundantes que recebe no verão. “Os solos profundos e rochas porosas do bioma mantêm importantes lençóis freáticos, que garantem a perenidade dos rios na estação seca e aquíferos que abastecem de água muitas cidades brasileiras e permitem a irrigação de áreas de produção agrícola”, explica. As chuvas e os rios perenes do bioma também são cruciais para a renovação das águas dos reservatórios das principais hidrelétricas do país, respondendo pela maior parte da energia elétrica consumida no Brasil.

Apesar da abundância de água no bioma, a região sofre com períodos de redução de chuvas, tanto que a população do DF precisou conviver com racionamento e rodízio no consumo de água nos anos de 2017 a 2019. “Infelizmente existe muito desperdício de água no DF. Além do recente racionamento de água, estamos observando um processo de rebaixamento do lençol freático em muitas áreas, devido ao excesso de retirada de águas dos poços artesianos — claramente estamos consumindo mais água do que temos”, alerta Braulio.

Caso a tendência não seja revertida, o pesquisador ressalta que a população deverá enfrentar, em um futuro próximo, maior escassez de água, tanto para consumo urbano quanto para consumo na área rural. “Infelizmente, se as taxas de desmatamento no cerrado e na Amazônia não forem reduzidas drasticamente, assim como o consumo e desperdício de água no DF, vamos enfrentar nas próximas décadas uma forte redução nas chuvas, secas mais longas, mais rebaixamento nos lençóis freáticos e o retorno do racionamento e do rodízio na disponibilidade de água”, adverte.

Como prevenção, Braulio reforça a importância dos esforços de proteção das unidades de conservação que protegem os principais mananciais, redução da retirada de água dos poços artesianos e restrição drástica de autorização para a abertura de novos poços.

Crise hídrica

O uso de água nos sistemas humanos para irrigar cultivos e abastecer cidades e indústrias é enorme, além de, normalmente, acompanhado de altos índices de desperdício. De acordo com o biólogo e doutor em ecologia Raphael Igor Dias, o porte e ritmo de crescimento populacional do DF, a ocupação desordenada do território e o uso desregulado dos recursos hídricos são aspectos essenciais para o entendimento da última crise hídrica enfrentada pela cidade. “Esses pressionam fortemente o bioma, gerando impactos negativos para a diversidade e para os processos ecossistêmicos”, afirma.

O cerrado, destaca Raphael, é adaptado à enorme sazonalidade e consequente variação anual na disponibilidade de água. “É um bioma de enorme importância para a segurança hídrica do país. No DF, especificamente, estão localizadas nascentes que alimentam algumas das principais bacias hidrográficas do Brasil. Essa não é uma questão apenas relacionada à água superficial, o bioma é extremamente importante para garantir, também, o abastecimento de grandes aquíferos”, pondera.

O risco de uma nova crise hídrica é uma realidade no país e no mundo. Algumas ações importantes foram tomadas no DF para reduzir as chances de novas crises. No entanto, mudanças mais profundas são necessárias e elas envolvem questões econômicas, sociais e uma reflexão sobre o comportamento da população, conforme explica Raphael. Atualmente, o DF é abastecido principalmente por duas barragens: a do Descoberto e a de Santa Maria. “Esses reservatórios são responsáveis por abastecer cerca de 90% da população. No momento, segundo os dados da Agência Reguladora de águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa), a situação desses reservatórios está tranquila”, afirma. De acordo com o Sistema de Monitoramento do Nível de Reservatórios, a Barragem do Descoberto está com o volume útil de 87,3%; e a de Santa Maria, em 95,5%.

“Deve haver um comprometimento com a legislação ambiental. O poder público precisa fiscalizar e autuar possíveis irregularidades em relação ao uso dos recursos hídricos, à supressão de vegetação nativa e a ocupação do solo”, adverte. “Os setores que são os principais responsáveis pelo elevado uso dos recursos hídricos, como as atividades agrícola e industrial, devem buscar soluções para reduzir e otimizar a utilização da água. Por outro lado, a população também deve contribuir, adotando um comportamento mais sustentável”, completa Raphael.

Melhorias

Apesar dos mais de 100 dias sem chuvas, atualmente, a situação dos recursos de água é confortável. Segundo o diretor da Adasa, Jorge Werneck, o estado de alerta na capital trouxe conscientização aos consumidores. Além disso, gerou uma série de melhorias na gestão dos recursos hídricos do DF e nas infraestruturas dos principais reservatórios que abastecem a população.

Hoje, o consumo per capita no DF é de aproximadamente 140 litros por habitante/dia, mas o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de que o consumo diário seja de 110 litros por habitante/dia. “O DF tem, hoje, uma resiliente segurança hídrica, bem maior do que antes da crise hídrica. Atualmente, alcançamos a melhor marca da história para este período, mesmo com mais de 100 dias sem chuvas”, afirma o diretor.

A capital faz ligação com três importantes regiões hidrográficas brasileiras que são: Tocantins/Araguaia, São Francisco e Paraná. O diretor explica que o DF está em uma região alta e central e que funciona como um guarda-chuva para essas regiões. “Pelo fato de ser uma região de nascentes, os rios são pequenos”, explica.

Mas, o crescimento desordenado da população nas áreas urbanas traz uma certa pressão em relação à quantidade de água disponível para a população. “O ordenamento territorial deve respeitar o ordenamento ecológico-econômico. O Rio Melchior, principal afluente do Rio Descoberto, é um dos rios comprometidos pelo crescimento, sem um planejamento adequado da população, o que compromete a qualidade da água”, explica.

Jorge Werneck também alerta para o uso correto do solo do cerrado. “É necessário manter o equilíbrio da vegetação natural e preservar a biodiversidade. A Adasa disponibiliza um sistema de informações sobre recursos hídricos para os grandes usuários”, conclui.

* Estagiárias sob a supervisão de José Carlos Vieira

 

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Águas Emendadas

Localizada no extremo nordeste do DF, a uma distância de 50km do centro de Brasília, a Estação Ecológica Águas Emendadas (Esecae) é considerada uma das mais importantes reservas naturais do DF. A origem do seu nome é um singular e importante fenômeno natural em que, de uma mesma vereda, vertem águas para duas grandes bacias hidrográficas, o Rio Maranhão, que deságua no Rio Tocantins; e São Bartolomeu, que flui para a Bacia do Rio Paraná.

Além de ser fonte de captação de água para abastecimento público da região, operada e mantida pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), Águas Emendadas é considerada importante, até mesmo por organismos internacionais. Tanto que, em 1992, a Estação Ecológica passou a integrar a área-núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado, criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Em 2018, a Esecae tornou-se o sexto lugar do mundo e o primeiro da América Latina a receber o Escudo de Água e Patrimônio do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Holanda). Responsável pela Esecae, o servidor do Instituto Brasília Ambiental (Ibram) Gesisleu Darc Jacinto afirma que a conquista é motivo de orgulho para os brasilienses. “O fenômeno de águas emendadas é único no mundo”, destaca.

Para Gesisleu, o papel do santuário é imensurável: “O trabalho de conservação desse importante santuário ecológico é preservar o que a natureza tem a nos oferecer, como a água em abundância, fauna bem diversa e a flora do cerrado. Tudo isso é fonte de pesquisa e informação para conhecermos um bioma tão importante para o Brasil como o cerrado”, completa.

Dicas de economia

» Vazamentos: são uma das principais fontes de desperdício de água na residência. Eles podem ser evidentes, como uma torneira pingando, ou escondidos, no caso de canos furados ou de vaso sanitário. No caso de vazamentos em vasos sanitários, verifique se há água escorrendo. Para isso, jogue cinzas, talco ou outro pó fino no fundo da privada e observe por alguns minutos. Se houver movimentação do pó ou se ela sumir, há vazamento. Outra forma de detectar um vazamento é por meio do hidrômetro — ou relógio de água — da casa. Em caso de alteração alta nos números do medidor, há vazamento. Caso seja viável, instale redutores de vazão em torneiras e chuveiro.

» Banho: ao ensaboar-se, feche as torneiras. Evite banhos demorados.

» Vaso sanitário: quando construir ou reformar, dê preferência às caixas de descarga no lugar das válvulas; ou utilize aquelas de volume reduzido. Não deixe a descarga do banheiro disparar — no caso de acionados por válvulas.

» Torneiras: instale torneiras com aerador — “peneirinhas” ou “telinhas” na saída da água. Ele dá a sensação de maior vazão, mas, na verdade, faz exatamente o contrário.

» Louça e verduras: lave em uma bacia com água e sabão e abra a torneira só para enxaguar. Use uma bacia ou a própria cuba da pia para deixar os pratos e talheres de molho por alguns minutos antes da lavagem, pois isto ajuda a soltar a sujeira.

» Roupa: lave de uma vez toda a roupa acumulada. Deixar as roupas de molho por algum tempo antes de lavar também ajuda. Ao esfregar a roupa com sabão, use um balde com água, que pode ser a mesma usada para manter a roupa de molho. Enquanto isso, mantenha a torneira do tanque fechada. Enxágue também utilizando o balde e não água corrente. Se você tiver máquina de lavar, use-a sempre com a carga máxima e tome cuidado com o excesso de sabão para evitar um número maior de enxágues. Caso opte por comprar uma lavadora, prefira as de abertura frontal que gastam menos água do que as de abertura superior.

» Jardins e plantas: regue o jardim durante o verão pela manhã ou à noite, o que reduz a perda por evaporação; durante o inverno, regue o jardim em dias alternados e prefira o período da manhã; use uma mangueira com esguicho tipo revólver; molhe a base das plantas, não as folhas; utilize cobertura morta — folhas, palha — sobre a terra de canteiros e jardins. Isso diminui a perda de água.

» Água da chuva: aproveite sempre que possível a água de chuva. Você pode armazená-la em recipientes colocados na saída das calhas ou na beirada do telhado e depois usá-la para regar as plantas. Só não se esqueça de deixá-los tampados depois para que não se tornem focos de mosquito da dengue!

Você sabia?

» Uma torneira mal fechada pode desperdiçar 46 litros de água
em um dia.


» Reduzindo um minuto do seu banho você pode economizar de três a seis litros de água.

» Regar jardins e plantas durante dez minutos significa um gasto de 186 litros. Você pode economizar 96 litros tomando os devidos cuidados.

Dados: Fundo Mundial para a Natureza (WWF)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação