Nem a alta temperatura e a baixa umidade registradas na tarde do feriado de Independência impediram dezenas de famílias de enfrentar um forte sol, à entrada do portão T do Mané Garrincha. O grupo aguardava para rever cada uma das 33 pessoas que receberam, ontem, alta do hospital de campanha instalado no estádio. A liberação ocorreu de forma coletiva, com direito à homenagem por ocasião da recuperação do 1.500º paciente.
Pela rampa 6, em meio a um corredor formado por profissionais de saúde, o grupo deixou o hospital de campanha ao som de salvas de palmas e de canções brasileiras. Conduzidos com o auxílio de cadeiras de rodas, os pacientes apareceram carregando vasos de flores, mochilas e até malas, devido aos dias de internação. Próximos ao portão de saída, familiares e amigos não conseguiam conter a emoção. O reencontro, marcado por abraços e lágrimas, deu fim a uma angústia de semanas.
A médica veterinária Priscila Naira Capuzo, 36 anos, aguardou pela alta do pai, João Capuzo Filho, 75, durante 17 dias. “Estava esperando ele para tomarmos café juntos. Foram dias de aflição. Felizmente, ele sabia mexer no celular, então conseguimos fazer chamadas cinco vezes ao dia. Vamos nos reunir e espero ter um momento de oração, para confraternizarmos”, contou. João Capuzo foi o paciente de número 1.500. Ele ainda sente desconforto ao respirar, mas diz se sentir satisfeito com o tratamento. “Comemorei meu aniversário aqui, em 30 de agosto. Fui muito bem recepcionado, mas fiquei com saudades da família todos os dias”, relatou.
Mesmo com liberações frequentes de pacientes, a equipe de saúde não deixa de se comover com os reencontros. “Eu choro, fico muito emocionada. É uma gratidão muito grande. Todas as altas são emocionantes, não tem como evitar”, afirmou a coordenadora da equipe de fisioterapia do hospital, Flávia Perassa. Responsável pelo tratamento de recuperação do sistema respiratório, ela trata de internados em situação mais delicada. “São 23 anos de (trabalho em) UTI (unidade de terapia intensiva). O grande diferencial dessa doença é o distanciamento que ela traz, esse é o pesado. Eles convivem com a gente, viramos famílias. Mas entregá-los de volta também é muito satisfatório”, completou.
A aposentada Maria de Fátima Ercilio Rodrigues, 64, viveu isso de perto. Hipertensa e diabética, a moradora de Santa Maria passou duas semanas internada no hospital de campanha. “Os sintomas foram muito ruins. Tive fraqueza, falta de ar, fiquei com 50% do pulmão comprometido. Mas tive um tratamento muito bom. Não tem coisa melhor do que poder voltar”, disse.
O Hospital de Campanha do Mané Garrincha foi o primeiro desse tipo no Distrito Federal, e começou a receber os primeiros pacientes em 22 de maio. Atualmente, a instalação conta com cerca de 460 profissionais de saúde. Outra unidade provisória está em construção em Ceilândia. No caso da instalação do estádio, os encaminhamentos ocorrem para desafogar a rede pública de saúde, e apenas em casos de baixa e média complexidade. O espaço conta com 197 leitos de cuidados intensivos (UCI) e de enfermaria.
Porta-voz da equipe, a médica Anna Carolina Erbesdobler ressaltou que a quantidade de pacientes no hospital de campanha que tiveram evolução para um quadro grave da covid-19 é pequena, ficando próxima de 80 desde a abertura. “O tempo de recuperação é diferente de pessoa para pessoa. Cada um reage de uma forma. Mas a transferência para as UTIs tem sido ágil. É difícil passar de 12 horas”, comentou.
O diretor do hospital, Marcelo Mello, afirmou que a liberação dos hospitalizados depende de protocolos definidos pelo Ministério da Saúde e pela pasta local. Os fatores incluem não precisar de suporte de oxigênio por dois ou três dias; passar do ciclo de 14 dias desde a contaminação; não apresentar outros sintomas; e ter resultados de exames dentro do esperado. “(Lidar com uma doença nova) é um aprendizado dia a dia. A observação do paciente é diária, não dá para descuidar”, acrescentou Marcelo.
Casos
A quantidade de infectados pelo novo coronavírus no Distrito Federal chegou a 170.806 ontem. Os registros da Secretaria de Saúde (SES-DF) tiveram 1.189 confirmações a mais que no dia anterior. Desse total, 156.012 pessoas (91,3%) recuperaram-se da covid-19. No entanto, 2.720 não sobreviveram às complicações da doença. As vítimas incluem pacientes do DF, de Goiás e outros sete estados.
Ontem, a pasta contabilizou 10 mortes a mais, registradas entre 7 de julho e domingo. O “baixo número”, segundo a SES-DF, teve relação com o “atraso do encerramento dos casos no sistema de informação, devido ao feriado prolongado”. As maiores quantidades de casos e de óbitos permanecem concentradas nas regiões de Ceilândia, Taguatinga, no Plano Piloto, em Samambaia e no Gama.
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