Investigação

Caso naja: réus vão responder por associação criminosa e maus-tratos

Pedro Henrique — picado por serpente —, a mãe, o padrasto, e um amigo vão responder por associação criminosa, venda e criação de animais sem licença e maus-tratos. Pena de cada um pode chegar a 30 anos de prisão

Sarah Peres
Darcianne Diogo
postado em 05/09/2020 06:00 / atualizado em 05/09/2020 08:55
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

A 1ª Vara Criminal do Gama recebeu a denúncia ajuizada pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural (Prodema) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), e quatro dos 11 envolvidos no esquema de tráfico de animais silvestres tornaram-se réus pelos crimes de associação criminosa, venda e criação de animais sem licença e maus-tratos. Os denunciados são: Pedro Henrique dos Santos Krambeck Lehmkuhl, 22 anos; a mãe dele, Rose Meire dos Santos, 49; o padrasto, o tenente-coronel da Polícia Militar Clóvis Eduardo Condi, 50; e o amigo Gabriel Ribeiro de Moura, 24. A pena de cada um pode chegar a 30 anos de prisão. A Justiça deu o prazo de 10 dias para os advogados de defesa das partes responderem às acusações do MP. Nesta sexta-feira (4/9), vídeos com Pedro e amigos atiçando e extraindo veneno da naja foram obtidos, com exclusividade pelo Correio.

Com base na denúncia do Ministério Público, Pedro Henrique entrou para o mundo do tráfico de animais em julho de 2017 e passou a adquirir, criar em cativeiro e comercializar, de maneira livre, serpentes da fauna silvestre e exótica, sem a devida autorização legal. O estudante de medicina veterinária responderá, ainda, por exercício ilegal da profissão, uma vez que vídeos colhidos por policiais da 14ª Delegacia de Polícia (Gama) registraram o momento em que ele realiza uma cirurgia em uma serpente, em um dos estabelecimentos comerciais da família. A mãe e o padrasto dele foram denunciados, ainda, por fraude processual e corrupção de menores.

Para o promotor da Prodema, Paulo José Leite Farias, as provas sobre a participação dos acusados são evidentes e as imagens confirmaram as ilegalidades. Para ele, Pedro Henrique era o responsável por liderar o esquema criminoso, mas o suporte financeiro para custear o tráfico era dado pela mãe e pelo tenente-coronel. “O que chama a atenção do MP é que, primeiro, aprendemos, desde pequeno, que não se pode ficar perto de animais que rastejam. Essa noção tem uma razão específica ligada à nossa cultura. Esses estudantes de medicina veterinária realizaram condutas que colocaram em risco a vida das pessoas, principalmente, quando eles transportavam essa serpente”, argumentou o promotor.

As 23 cobras em poder de Pedro, incluindo a naja que o picou, eram mantidas dentro do apartamento onde ele mora com a família, no Guará 2, em um ambiente inadequado, no interior de caixas plásticas por períodos prolongados, como consta na denúncia do MP. “Tem um aspecto importante nessa história que é a questão da proteção ambiental, especialmente, da crueldade de animais, que têm uma vida marcada pela necessidade de rastejarem, mas que vinham sendo confinados, sem alimentação adequada”, completou o promotor. “A denúncia foi elaborada tendo em vista a existência de posse ilegal de 23 serpentes e que, nesse caso, as penas máximas chegam a 1 ano, mas há de ser multiplicada por 23, o que aumenta a pena”, frisou Paulo José.

Provocação


O Correio teve acesso a três vídeos que mostram Pedro Henrique e outros jovens provocando a cobra naja, que o picou e que ele criava clandestinamente. As imagens constam no processo sobre tráfico de animais silvestres. Em uma das filmagens, é possível ver que Pedro começa atiçando a cobra com um objeto. Por um buraco do criadouro de plástico onde a serpente estava, ele coloca cabo preto e a naja sai da caixa.

Em outro vídeo, a cobra está fora da caixa, frente a frente com Radynner Leyf Batista, um dos investigados, mas que não se tornou réu no processo apresentado pelo MP. Sem aparentar ter medo, o jovem aparece sentado e estimulando o bicho. Em diversos momentos, o rapaz bate as mãos no chão, e a naja tenta atacá-lo. No último vídeo, a naja é manuseada por Gabriel Moraes e Gabriel Ribeiro, que extraem o veneno da serpente.

Outros envolvidos


Investigações apontam que a associação criminosa começou na própria instituição de ensino superior onde Pedro estudava, no Gama. De acordo com a apuração policial, ele e colegas promoviam rifas de cobras, e alguns docentes tinham ciência do ato. Em uma conversa com um dos estudantes, a professora de medicina veterinária Fabiana Sperb Volkweis o orienta a “soltar as cobras no mato”.

Tanto ela quanto os outros cinco alunos envolvidos na atividade ilícita terão direito ao Acordo de Não Persecução Penal. Trata-se de um ajuste passível entre o Ministério Público e o investigado. “No primeiro momento, haverá uma proposta do MP, levando em consideração a conduta de cada um. É um caminho diferente, mas não menos severo. Há a possibilidade de eles pagarem determinado valor, bem como prestar serviços para a comunidade ou fazer cursos”, explicou o promotor da Prodema. Os cinco alunos são: Julia Vieira, Radynner Leyf, Silvia Queiroz, Luiz Gabriel e Gabriel Moraes.

Quanto ao major e comandante do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA), Joaquim Elias Costa, investigado por ter tentado proteger os alvos da operação, será julgado no âmbito da PMDF. Pela Polícia Civil, ele foi indiciado por prevaricação, associação criminosa, fraude processual e coação no curso do processo.

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Linha do tempo

7 de julho: Pedro Henrique é picado pela naja, no apartamento onde mora, no Guará 2. Na mesma noite, o amigo Gabriel Ribeiro de Moura recolhe as cobras do local, incluindo a naja e as distribui em outros endereços

8 de julho: Gabriel deixa a naja próximo ao shopping Pier 21. Equipe do Batalhão de Polícia Militar Ambiental recolhe o animal

9 de julho: Polícia Militar resgata mais 16 cobras no Núcleo Rural de Planaltina

17 de julho: A mãe, Rose Meire dos Santos, e padrasto de Pedro, Clóvis Eduardo Condi, prestam depoimento

22 de julho: Gabriel Ribeiro é preso por atrapalhar as investigações

29 de julho: Pedro Henrique Krambeck é preso por atrapalhar as investigações


31 de julho: Gabriel Ribeiro e Pedro são soltos

13 de agosto: PCDF conclui inquérito e envia à Justiça

28 de agosto: MPDFT denuncia envolvidos

3 de setembro: TJDFT aceita a denúncia

Indiciamentos

» Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl: tráfico de animais, associação criminosa e exercício ilegal da medicina

» Clóvis Eduardo Condi: tráfico de animais, fraude processual, maus-tratos e associação criminosa

» Rose Meire dos Santos: fraude processual, corrupção de menores, tráfico de animais, maus-tratos e associação criminosa

» Gabriel Ribeiro: posse ilegal de animal silvestre, maus-tratos, fraude processual e corrupção de menores e associação criminosa

» Julia Vieira: posse ilegal de animal silvestre e corrupção de menores

» Fabiana Sperb Volkweis: fraude processual

» Radynner Leyf: posse ilegal, fraude processual e associação criminosa

» Silvia Queiroz: fraude processual

» Luiz Gabriel: favorecimento real

» Gabriel Moraes: associação criminosa e maus-tratos

» Joaquim Elias: prevaricação, fraude processual, associação criminosa e coação no curso do processo

O que dizem as defesas?

» O advogado de Pedro Henrique, Rose Meire e Condi não se manifestou até o fechamento desta edição

» Advogada de Gabriel Ribeiro, Juliana Malafaia explicou que a defesa entende que a denúncia “repete os mesmos equívocos do relatório policial e, diante da absoluta falta de provas em relação a alguns crimes, seguimos confiantes na inocência do Gabriel Ribeiro”

» O advogado de Julia Vieira não foi localizado pela reportagem

» O advogado de Radynner Leyf não foi localizado pela reportagem

» O advogado do major Joaquim Elias não foi localizado pela reportagem

» Advogado da professora Fabiana, Asdrubal Neto nega que ela tenha envolvimento com os fatos apontados pela acusação, mas, junto à defesa, vai decidir sobre o aceite da proposta

» Advogada de Silvia Carolina, Lais de Araujo não se manifestou

» Advogado de Luiz Gabriel Felix, Jadson dos Reis informou que o jovem não sabia que as cobras eram produtos de crime e que a inocência será provada no curso do processo

» Advogado de Gabriel Moraes Martins, Flávio Winicius não se manifestará

O papel de cada um no esquema

 (crédito: Reprodução/Video)
crédito: Reprodução/Video

Conversas entre Pedro Henrique e a mãe, Rose Meire dos Santos, obtidas, com exclusividade pelo Correio, revelam que o jovem viajava para estados como São Paulo e Bahia na intenção de comprar serpentes e revendê-las em Brasília. Os diálogos estavam armazenados no celular do estudante de medicina veterinária.

Em uma das mensagens, a mãe pergunta: “E aí? Tá por onde? Jantou? E as cobras?”. Pedro responde em seguida: “Passando por Ibotirama (BA)” e finaliza dizendo que as serpentes estão bem. Em outro diálogo, o acusado manda uma foto para Rose da víbora-verde-de-vogel, cobra exótica, nativa da Ásia. Ela responde: “Rum. Isso não. Olha o tamanho desse bicho”. O jovem desconversa e diz: “Como estão meus ovos? Você tem olhado?”.
O MP constatou que Rose era encarregada de cuidar dos animais e da reprodução dos ovos. Por ser a responsável pela alimentação das cobras, ela armazenava no freezer de casa diversos camundongos. Os ratos também eram guardados na área de serviço do apartamento.

Já o tenente-coronel Condi, padrasto de Pedro, prestava apoio financeiro para custear as despesas com o cativeiro e alimentação dos répteis. Na última quarta-feira, o coronel foi exonerado do cargo de subcomandante operacional do Subcomando Operacional do Comando de Policiamento de Trânsito e nomeado para a função de chefe da seção administrativa do 2º Comando de Policiamento Regional da PMDF. Ele é alvo de um Inquérito Policial Militar instaurado pela própria corporação.

O quarto denunciado, Gabriel Ribeiro de Moura, ficou encarregado de “dar sumiço” na naja e em outras 22 serpentes, logo após Pedro ter sido picado, em 7 de julho. Segundo o MP, na noite do incidente, Gabriel, que também mora no Guará 2, compareceu ao apartamento da família por volta das 18h40 e retirou as cobras do local, distribuindo os animais em, pelo menos, outros três endereços de amigos de Pedro.

A naja ficou sob o poder de Gabriel até a noite do dia seguinte, quando ele a deixou próximo ao shopping Pier 21, como registrado pelas câmeras de segurança do estacionamento do local. O jovem ficou preso na Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP) na carceragem da Polícia Civil por mais de uma semana, por atrapalhar as investigações e ocultar provas. Gabriel foi denunciado pelo MP 23 três vezes por tráfico de animais, 23 por maus-tratos, corrupção de menores, associação criminosa e fraude processual. (DD)

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