Crônica da Cidade

Dia da Marmota

Será que a cara leitora, o caro leitor têm a mesma sensação que eu? A de que, no meio da pandemia, o tempo começou a passar muito, muito rápido? Comigo foi assim. Lá por março, quando as coisas começaram a fechar e a gente parou de encontrar os amigos, o tempo entrou em marcha lenta. Nada se movia, tudo ficava suspenso. Os dias tinham 524 horas; as semanas, 77 dias; os meses eram infinitos. O tédio reinava.

Nas últimas semanas, porém, o tempo está voando. Esta semana que se encerra hoje, por exemplo. Nem vi passar. E, não, não é porque as atividades estão sendo aos poucos retomadas. Os restaurantes e shoppings e parques podem ter reaberto, mas minha disposição para frequentar esses lugares continua fechadíssima. Os dias de semana continuam limitados a apartamento-carro-trabalho-carro-apartamento. E, nos fins de semana, mudam um pouco. Mas o sábado de hoje certamente será muito parecido com o sábado passado. E o domingo, uma cópia do anterior.

Mesmo assim, o tempo está passando muito rápido. Minha expectativa era que as coisas ficassem sempre lentas. Influência, claro, de Feitiço do tempo, o delicioso filme com Bill Murray e Andie MacDowell que reinava na Sessão da tarde nos anos 1990. Quem não se lembra da história do jornalista que fica preso no mesmo dia, o Dia da Marmota, uma estranha tradição de uma cidadezinha que ele, muito a contragosto, vai cobrir? Pois é naquele dia e naquela cidade que ele tanto odeia que Phil empaca. O dia acaba e começa de novo, em um looping que, por parecer não ter fim, deixa nosso herói desesperado.

Antes imaginação, o Dia da Marmota parecia ser uma alegoria para o tempo que não passa. E, da forma mais inesperada possível, o Dia da Marmota aconteceu, respeitada a realidade, claro. Não há nenhum feitiço do tempo, mas é difícil imaginar algo mais parecido com o Dia da Marmota do que essa pandemia. Contrariando minhas expectativas, porém, meu Dia da Marmota começou a passar muito rápido. E fiquei intrigado. Por quê?

Em busca de respostas, reassisti ao filme. E notei algo que não havia ficado tão forte em minha lembrança. Em determinado momento, Phil abraça aquela existência. Conforma-se com seu destino e decide extrair o melhor que pode daquele dia. Salva vidas, começa a estudar piano e passa a tratar as pessoas de maneira melhor. O dia deixa de ser um tédio e a vida volta a ser boa. Até que um dia (sim, vou contar o fim do filme, afinal trata-se de um clássico de 1993), o feitiço se desfaz e o dia seguinte finalmente chega. E Phil é uma pessoa melhor.

Será que o tempo está mais rápido por que abracei esta minha existência?, me perguntei após ver o filme. Talvez. Recentemente, voltei a compor músicas com meu irmão, retomei os estudos de psicologia (e tenho assistido às aulas, mesmo quando preciso acordar muito cedo para isso) e tenho me deixado inspirar por amigos queridos, em conversas a distância. Precisamos nos agarrar à vida, me disse uma dessas amigas dia desses. Saber que mesmo em tempos de perda, há ganhos, que nunca devemos deixar de aproveitar. Merecemos desfrutar o prazer. Sem culpa. E acho que tenho buscado mais o que me traz prazer. Talvez seja isso que esteja revertendo o feitiço do tempo...