26 DE SETEMBRO

Mais um dia de conflito

Manifestantes contrários às derrubadas no assentamento montaram barricadas e entraram em confronto com a Polícia Militar. Um homem foi detido com bolinhas de gude e esferas de aço, e mais um ônibus foi incendiado

O décimo dia da operação Pronto Emprego, realizada pela Secretaria DF Legal, com apoio da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), no assentamento 26 de Setembro foi marcado por novos conflitos entre a PMDF e manifestantes, que montaram barricadas. Um homem foi detido com bolinhas de gude e esferas de aço. Desde o início dos confrontos, três policiais já ficaram feridos, um deles à bala.

Mais um ônibus coletivo foi incendiado na DF-001. Segundo a empresa Viação São José, o veículo era novo e tinha sido comprado em janeiro deste ano. A empresa diz ter acumulado um prejuízo de R$ 800 mil, já que na quarta-feira outro coletivo foi queimado. Ninguém ficou ferido em nenhum dos dois episódios. Após o vandalismo de ontem, os ônibus foram proibidos de trafegar pelo trecho da Via Estrutural. O trajeto foi desviado para a pista que dá acesso à Estrada Parque Taguatinga (EPTG).

A Polícia Militar informou que, ao chegarem na operação de ontem, foram recebidos com atos hostis. Mesmo com o conflito entre manifestantes e forças de segurança, o major Siqueira, responsável pela operação, considerou a ação da PMDF um sucesso, pois os policiais conseguiram avançar na área ocupada. “Em todos os pontos houve algum tipo de confronto e, infelizmente, tentaram de várias formas furar os pneus das viaturas e bloquear a ação do Estado. Os manifestantes atearam fogo na barricada e o incêndio fugiu do controle e começou a pegar na mata nativa da região”, detalhou.

As áreas de maior conflito foram as ruas 2 e 3. Na Rua 3, troncos e pedaços de madeira foram incendiados para impedir o avanço da força policial. A reportagem do Correio presenciou o momento em que um grupo de manifestantes ateou fogo na mata de uma chácara, enquanto os bombeiros apagavam o fogo da barricada. As chamas se espalharam rapidamente, mas foram contidas pela equipe do Corpo de Bombeiros.

A loja do comerciante Cláudio Dallagnol, 48 anos, construída há três meses, na rua 3, foi uma das construções destruídas. Acreditando em uma possível regularização fundiária, o morador da região há 20 anos fez um investimento que foi completamente perdido. Ele apresentou documentos que comprovam a inscrição no CNPJ, mas não foi poupado da derrubada. “Não notificaram nem nada”, disse.

Operação
Ontem, três construções de alvenaria foram destruídas, assim como três galpões metálicos, 300 metros de muros de alvenaria, 100 metros lineares de cercamento de zinco. Também foi retirada de uma base de 40 metros quadrados, fechadas três fossas e desligado um ponto de energia.

Até ontem, 344.440 metros quadrados de área ocupada irregularmente foram liberadas pela operação Pronto Emprego. A ação começou no dia 18 de agosto e não tem data para terminar.

Lideranças comunitárias dizem que o assentamento é legal. Cerca de 30 mil famílias vivem no local desde 1996, após um decreto do GDF tê-las destinado para a área. No entanto, a comunidade expandiu-se e, agora, na visão deles, falta compreensão do que é legal ou ilegal.

Lei proíbe remoção
Uma lei distrital, de autoria do deputado Fábio Félix (Psol), foi publicada no Diário Oficial do DF desta quinta-feira e garante o direito do cidadão de manter-se isolado em domicílio e, por isso, proíbe a remoção de ocupações e a efetivação de ordens de despejo durante a pandemia da covid-19. “O GDF está realizando uma operação de guerra na frente de crianças e violando diversos direitos. Estamos recebendo diversos relatos de famílias desabrigadas, o que confronta a versão oficial do GDF. Vamos notificar o DF Legal e a Justiça para impedir essa desumanidade”, disse o parlamentar.

O DF Legal tem dito que não está destruindo moradias ocupadas em função da pandemia e que nenhuma família foi ou será desabrigada. A informação é contestada por moradores. Ontem, a reportagem do Correio não viu casas sendo destruídas.

Relatos de desespero

Moradora do assentamento há quatro anos, Brenda Souza de Noronha, 27 anos, disse que nem todos os moradores do local estão envolvidos na manifestação, mas que acabam sendo atingidos indiretamente pela ação policial. A monitora escolar estava na casa da mãe com os filhos, de 5 e de 10 anos, quando foi surpreendida por uma bomba de gás lacrimogêneo na porta da casa. A chácara estava fora da área de confronto, mas manifestantes correram para lá e a polícia reagiu.

“Eles só chegaram jogando bomba. Meus filhos passaram mal. Minha filha ficou com os olhos vermelhos, o meu filho também. A minha mãe tem problema respiratório e estamos com covid dentro de casa. A gente não sabia nem o que fazer”, conta.

O corretor de imóveis Lucas Henrique, 25, relata que também teve a casa atingida por bombas. Ele diz que a esposa estava dentro de casa com os três filhos. Todos saíram correndo e encontraram as ruas em chamas por causa das barricadas incendiadas e do fogo espalhado nas áreas verdes. “Eu fui parar no meio do mato com os cachorros, e a polícia me pegou lá, como se eu fosse bandido”.

Uma moradora, que preferiu não se identificar, disse que quase teve a casa destruída por um incêndio. “Quando vi as chamas pela janela, corri para pedir a ajuda de vizinhos. Por sorte, conseguimos apagar antes que chegasse mais perto”.