Mensagens trocadas entre integrantes da cúpula da Secretaria de Saúde e interceptadas no âmbito da Operação Falso Negativo demonstraram, de acordo com apuração do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que os dirigentes tinham conhecimento das supostas irregularidades cometidas durante as contratações investigadas. A suspeita de fraudes levou à prisão preventiva do secretário da pasta, Francisco Araújo, na terça-feira (25/8), além de seis outras pessoas do alto escalão da pasta.
Em conversas trocadas por WhatsApp, um funcionário da Subsecretaria de Administração-Geral (Suag), que não chegou a ser indiciado, disse que a antecipação de prazos para a apresentação de propostas poderia levantar suspeitas. Ele informa a Eduardo Pojo, secretário adjunto de Gestão em Saúde, detido na terça-feira, que não conseguiria fazer o levantamento de preços entre empresas concorrentes por não contar com banco de dados das prestadoras de serviço naquela data. Ele chegou a afirmar: “Isso me cheira a ‘carreta’”. Minutos depois, na mesma conversa, o servidor falou: “Acho que o prazo das propostas tem que ser pelo menos até quarta. Se colocarmos para segunda, fica muito na cara que é treta”.
O diálogo ocorreu em 1º de maio, data de assinatura do Projeto Básico para aquisição de insumos destinados ao combate à covid-19, e envolve supostas negociações para acordo de prazos, que teriam beneficiado uma das empresas contratadas pela Secretaria de Saúde. Para o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e para a Procuradoria-Geral de Justiça, há “provas contundentes” da prática de crimes de fraude, lavagem de dinheiro, cartel e organização criminosa. Segundo as investigações, o esquema que teria beneficiado duas empresas gerou prejuízos de R$ 18 milhões aos cofres do DF.
Uma delas trata-se da Luna Park Brinquedos. Segundo medida cautelar apresentada pelo MPDFT para pedir a prisão dos integrantes da cúpula da Secretaria de Saúde, a compra de 20 mil testes rápidos da empresa, para detecção da covid-19, teria gerado superfaturamento de cerca de R$ 2 milhões. A unidade dos exames oferecidos no processo de contratação era de R$ 180, maior cotação entre as cinco concorrentes. A etapa de seleção da vencedora levou apenas dois dias.
Extraoficial
Para o MPDFT, os suspeitos teriam agido em conluio, de modo que a proposta da empresa se “adequasse ao certame”. Além disso, a acusação aponta descumprimento de prazos e que Iohann Struck, subsecretário de Administração-Geral, indiciado na investigação, tinha “total controle de cada passo tomado pela empresa Luna Park Brinquedos” na contratação.
Advogado de defesa da Luna Park, Alexandre da Cruz dos Santos alegou que algumas das acusações, como as relacionadas a conversas entre gestores da pasta e representantes da empresa durante o processo, envolvem “práticas normais”. “Isso não quer dizer que haja direcionamento, conluio para praticar crime”, justificou. Em relação ao valor da unidade dos testes, o defensor comentou que a comparação de preços feita pelo Ministério Público ocorreu meses depois do pregão e em um contexto de alta demanda.
Alexandre considera que há “questões políticas envolvidas” e que não caberia a emissão de mandados de prisão para todos os suspeitos. O advogado acrescentou que, apesar de o nome empresarial ter a ver com brinquedos, a firma pode trabalhar com diversos tipos de itens. “Nas atividades (da empresa), há todas as autorizações para vender alimentação, comercializar, importar e exportar produtos. Tudo isso está na razão social e na Cnae (Classificação Nacional de Atividades Econômicas da Luna Park). Empenharam (o pagamento de) 20 mil testes, entregamos e começou nosso calvário. Até hoje, não recebemos, e temos de ouvir que demos prejuízo de R$ 18 milhões”, completou.
Outra empresa alvo da operação é a Biomega Medicina Diagnóstica Ltda. Na terça-feira, representantes da companhia, bem como os sete investigados da Secretaria de Saúde, tiveram R$ 18,6 milhões em bens bloqueados pela Justiça. O valor corresponde aos recursos depositados pela pasta. Segundo a acusação do Ministério Público, a firma teria sido beneficiada no processo de escolha por meio de dispensa de licitação, para implementar o sistema de testagem drive-thru. As informações do MP indicam que o secretário afastado Francisco Araújo estava em “tratativas extraoficiais” para fornecimento do serviço.
A quantidade de testes a ser adquirida foi definida pela Biomega, segundo o Ministério Público. “Não bastasse a empresa vencedora ter elaborado o projeto básico, escolhido a quantia de 100.000 testes — na mais manifesta inversão de valores e vilipêndio aos princípios constitucionais que regem os gestores da res pública —, a Biomega também escolheu que seriam contratados 15 pontos de drive-thru para o Distrito Federal”, afirmou o MP.
Ficou definido entre a cúpula da Secretaria de Saúde, segundo o Ministério Público, que o prazo para a apresentação das propostas das empresas concorrentes seria de três dias. O tempo teria beneficiado a negociação com a Biomega, supostamente, ciente do processo com antecedência. O Correio procurou a empresa, que encaminhou o mesmo posicionamento divulgado na terça-feira. A companhia afirmou que não vendeu kits de testes rápidos ao GDF. “A empresa é um laboratório de análises clínicas, que participou de um processo licitatório para prestação de serviços de exames laboratoriais de anticorpos para a covid-19. O serviço incluiu montagem de tendas, disponibilização de mobiliário apropriado, alocação de recursos humanos nas áreas administrativa, técnica e de analistas especializados na leitura dos testes, que assinam os laudos”, informou.
A Biomega acrescentou que outros serviços inclusos no contrato de prestação de serviço envolviam a locação de carros e a contratação de empresa especializada para a remoção do lixo hospitalar. “O contrato firmado previa a realização de exames em 100 mil pessoas, tendo havido aditamento para a inclusão de outras 50 mil pessoas examinadas”, finalizou o documento.
Mudanças
As prisões dos principais nomes na alta hierarquia da Secretaria de Saúde em função da Operação Falso Negativo, do MPDFT, e o consequente afastamento de todos os suspeitos, por decisão do governador Ibaneis Rocha (MDB), causaram uma dança das cadeiras na pasta. Osnei Okumoto, que até as primeiras horas de terça-feira estava no cargo de presidente da Fundação Hemocentro de Brasília (FHB), voltou à função de secretário de Saúde, posição que ocupava no início da pandemia do novo coronavírus. Ele atua como interino, e o nome dele permanece como presidente no site da FHB.
Para o cargo de adjunto da pasta, o governador nomeou Beatris Gautério, então diretora executiva do Fundo de Saúde do Distrito Federal. Até o fechamento desta edição, o Executivo local não havia indicado os nomes que assumirão os postos desocupados. Em nota, a secretaria informou que Okumoto está tomando conhecimento de todos os atos e ações em andamento, principalmente, os relativos à covid-19. “O secretário interino está se reunindo com as áreas competentes da pasta para dar andamento aos trabalhos daqui para frente. As nomeações serão publicadas em Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) assim que forem definidas.”