Às vezes, tomar uma decisão pode mudar completamente o rumo da vida. É preciso coragem. E é justamente a coragem que levou 27 refugiados venezuelanos, entre homens, mulheres e crianças, a desembarcarem no Aeroporto Juscelino Kubitscheck, em Brasília, para começarem uma nova vida na capital federal. Onze pessoas foram contratadas para iniciarem as atividades em uma rede de fast-food e trouxeram familiares.
A saga de Alfonzo de Jesus Rodrigues, 63 anos, começou em dezembro de 2019, quando decidiu atravessar, sozinho, a fronteira da Venezuela com o Brasil, localizada na cidade de Pacaraima (RR). Lá, ele foi recebido pelo Exército Brasileiro, responsável pela Operação Acolhida e conseguiu um abrigo no espaço Rondon 3, na zona Sul de Boa Vista.
Alfonzo fugia da dura realidade enfrentada em Bolívar, na Venezuela. Desde 2018, o país enfrenta uma intensa crise humanitária, nas esferas política, econômica e social. “Todos os sistemas estão em colapso. Nós não temos mais acesso a água e energia, não conseguimos emprego e grande parte da população agora vive de comércio informal”, relata o economista.
Durante os anos de dificuldade, nem mesmo a tentativa de vender empanadas (espécie de pastel brasileiro, assado) ajudou a sustentar a esposa e os três filhos. “Foi quando decidi me mudar para o Brasil, porque precisava de dinheiro para ajudar minha família”, contou. Em Roraima, porém, as oportunidades de emprego não apareceram. “Há muitos migrantes e a concorrência é imensa. Sozinho era tudo mais difícil. E, por fazer parte da terceira idade, não apareciam propostas”. A vinda do sobrinho Stalling Jose de Jesus, 25, e do filho Alfonzo Jose Simon, 18, revigorou Alfonso. “Eles me trouxeram fortaleza”, relatou.
Em agosto, o destino encaminhou a família para Brasília, depois de os dois jovens serem aprovados para trabalhar em uma rede de fast-food, por meio de uma parceria entre o Grupo Levvo, a organização humanitária Refúgio 343 e a Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI), que atua em 11 estados brasileiros. Na capital, Stalling e Alfonzo Jose conquistaram a primeira vaga de emprego.
Além dos sonhos, os três carregam uma história repleta de dificuldades e superações. O mais velho deseja juntar novamente toda a família, agora em terras brasileiras. “Minha filha mais velha estava fazendo residência em medicina e não conseguiu vir com a gente. A irmã e a mãe ficaram lá para ajudá-la. Mas, assim que ela formar, quero que todas venham morar conosco”, planeja Alfonzo de Jesus.
O plano de Stalling é melhorar a vida da esposa e dos dois filhos — um de 3 anos e outro de 12 meses, que ele ainda não conheceu — e futuramente trazê-los para o Brasil. Alfonso Jose, recém-formado em engenharia civil, vê o novo Brasil com esperança. “Estou muito ansioso para trabalhar e crescer profissionalmente”, diz.
Oportunidade
Todos os anos, refugiados chegam ao Distrito Federal em busca de oportunidades de emprego e melhor qualidade de vida. Segundo a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), não há um número oficial de refugiados na capital, devido a muitos viverem na “invisibilidade”, com medo de estar no país de forma irregular. “Há ainda a questão de que hoje o Distrito Federal conta com várias outras instituições (Defensoria Pública, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Cáritas Internacional, Instituto Migrações e Direitos Humanos (Imdh), e outros entes da sociedade que prestam apoio a migrantes e refugiados, ficando assim pulverizado os números, suas identidades e suas localizações”, explicou a pasta. Mas, segundo o Observatório das Migrações Internacionais (OBmigra), há entre 5 e 15 mil migrantes de longo termo (tempo de residência superior a um ano) no DF.
Cesar Jose Belmonte, 24, a esposa Dairelys Del Valle, 20, e o filho de um ano, Cesar Santiago, fazem parte desta estatística. “Ultimamente tudo estava muito difícil na Venezuela. Ficar lá não era mais uma opção, pois a vida era muito incerta. Um dia se conseguia comer, já no outro não se sabia mais”, desabafa Cesar. “Agora, vou dar todo o melhor de mim, para cuidar do meu emprego, para que as pessoas tenham uma boa impressão dos venezuelanos, e percebam que nós somos um povo trabalhador e lutador e que podemos alcançar o que nos propusemos”, disse confiante.
Cesar Jose chegou ao Brasil, na cidade de Boa Vista (RR), em outubro de 2019, acompanhado de três irmãos e do pai. “Minha esposa e meu filho vieram quatro meses depois”, conta. Desde a chegada deles, foram inúmeros os desafios. “Não tínhamos onde morar e ficamos dois meses em um acampamento na rodoviária à espera de uma vaga no abrigo para refugiados. Além disso, assim como na Venezuela, não conseguimos nenhuma vaga de emprego”, relembra Cesar.
A conquista de um trabalho na capital federal encheu a família de esperança. Agora, os planos são lutar por uma casa própria, trazer outros parentes que ficaram no país vizinho e começar algo novo. “Meu sonho é ser costureira e trazer minha mãe, que tem osteoporose, para tratar a doença, porque lá na Venezuela não temos condições de pagar um tratamento”, planeja Dairelys, esperançosa.