Demissões, redução de salários de postos de trabalhos formais e instabilidade. Este é o cenário econômico do Brasil agravado pela pandemia da covid-19 e, também, do Distrito Federal. Segundo a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), só em junho de 2020, 38 mil pessoas perderam o emprego na capital federal, ou seja, 3,1% dos trabalhadores, que estavam ativos em maio, ficaram desempregados no mês seguinte. Diante deste contexto de incertezas, muitos brasilienses que atuam sem vínculo empregatício ou por conta própria enfrentam dificuldades e precisaram encontrar uma maneira de manter ou complementar a renda familiar que, muitas vezes, depende quase que exclusivamente deles.
A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) mais recente, realizada pela Codeplan, aponta que cerca de 257 mil brasilienses estão na informalidade ou atuando como autônomos. Walissoun Lucas Garcia, 18 anos, é uma dessas pessoas. O ambulante vende balinhas no semáforo da quadra 713 da Asa Sul. No local há cerca de um ano, ele considera que a arrecadação durante a pandemia teve uma queda considerável. “A quantidade de carros que passa é menor e, consequentemente, o número de possíveis consumidores também”, diz. Ele explica que essa atividade o ajuda a complementar a renda da família de cinco pessoas. “Moro com meus pais, minha irmã e a filha dela, que é portadora de necessidades especiais. Como só eu e meu pai trabalhamos, cada centavo que conseguimos é de grande ajuda”, relata.
Morador de Águas Lindas (GO), Walissoun afirma que, mesmo com o baixo movimento, não deixa de trabalhar. “Estou aqui cinco dias por semana. Ficou difícil vender como antes, mas temos que nos virar, não tem outra opção”, conta. Em condições normais, o jovem conseguia lucrar cerca de R$ 100 a cada dia. No entanto, com a chegada da covid-19, o valor caiu pela metade. “Tem dias que são melhores, mas, agora, faço uns R$ 50 por dia. Além disso, tenho que gastar com a passagem de ida e volta e os materiais de proteção, como luvas, máscara e álcool em gel”, diz. Devido a essa instabilidade, o jovem relata que a família precisa do auxílio emergencial do governo federal. “Recebemos duas parcelas e os R$ 600 ajudam na hora de pagar as contas que não podem atrasar. O resto, a gente vai complementando”, explica.
O rapaz conta que os dias de trabalho não são fáceis. “Acordo às 3h50 para conseguir pegar um ônibus e, às 7h, iniciar as vendas”, afirma. Por causa da falta de transporte público, Walissoun encerra os trabalhos às 14h. Até lá, fica em pé grande parte do tempo, sob o sol e esperando que alguém compre o produto que vende. “Durante a seca, é bem desconfortável e ainda temos que usar a máscara e a luva”, diz. Apesar disso, ele não perde o bom humor. “Estou aqui todos os dias, tento sempre ser simpático com os motoristas e vou levando do jeito que dá”, conta. Na embalagem das balinhas, ele deixa um recado. “Colabore com este trabalhador. É tão importante ajudar o próximo.”
Domingo a domingo
Outro que está na informalidade é Daniel Albuquerque, 20. Ele trabalha como ambulante, vendendo sacos de lixo e panos de chão nos sinais de trânsito em Brasília. O principal ponto dele é em um semáforo no Setor Sudoeste. Morador de Santa Maria, conta que, devido à crise sanitária, o movimento caiu bastante. “Em tempos normais, consigo tirar cerca de R$ 80 por dia. Porém, quando o surto do novo coronavírus começou em Brasília, ninguém mais passava na rua”, diz. Mesmo assim, ele não desistiu e continuou a ir trabalhar todos os dias. “Não podia simplesmente parar de trabalhar, pois não tenho outra fonte de renda. Continuei de domingo a domingo, sem parar.”
O jovem mora de aluguel com a esposa de 23 anos e não tem filhos. Ele explica que, durante os cinco meses de pandemia, os dois tiveram dificuldades com as contas. “Como minha companheira não trabalha, toda a renda vem de mim e das vendas que faço durante o dia. Fazemos o máximo para ir levando e tivemos apoio de outros familiares, mas tem dia que é extremamente difícil”, afirma. Daniel chegou a tentar receber o auxílio emergencial do governo, mas afirma que o pedido foi negado, tanto para ele quanto para a esposa. “Tentamos bem no início, mas negaram. Não entendi o motivo”, declara.
Com a reabertura dos setores, principalmente do comércio, Daniel considera que houve uma melhora. “Dependo dos carros que param no semáforo e compram meus produtos para eu ter renda. Com a retomada das atividades, o movimento aumentou e, consequentemente, as minhas vendas”, explica. Ele acorda todo dia, às 5h da manhã, para conseguir chegar ao ponto no Setor de Indústrias Gráficas (SIG), às 6h. O rapaz conta que encerra os serviços às 15h. “A partir desse horário, o movimento começa a cair e não tem mais motivo para eu continuar. Então, pego minhas coisas e volto para casa com meu primo, que trabalha na Asa Sul e mora perto da minha casa”, diz. Daniel reconhece as dificuldades de estar na informalidade, mas afirma que não pensa em conseguir outro tipo de trabalho. “É complicado, pois não temos uma renda fixa, mas vamos levando e nos organizando da maneira que dá”, confirma o ambulante.
Rotina pesada
Luis Oreiro, professor de economia na Universidade de Brasília (UnB), explica que um trabalhador informal é aquele que não tem nenhum tipo de vínculo empregatício. Ele acredita que, devido ao cenário de demissões e instabilidade nas empresas, é plausível que o número de trabalhadores informais e autônomos aumente. “São pessoas que podem ter perdido a vaga ou não conseguem uma forma de se realocar e, por isso, encontram na informalidade uma maneira de manter a renda”, diz. Apesar disso, ele considera que a categoria também foi afetada pela covid-19 e pelas medidas de isolamento e distanciamento social. “Quem trabalha com prestação de serviços ou vendas, seja por conta própria ou informalmente, com certeza teve uma perda de clientes e, consequentemente, de renda”, afirma.
Segundo o professor, a instabilidade da categoria é grande e aumenta mais ainda durante a pandemia. “Eles não seguem regras trabalhistas e, por isso, não têm garantia de renda, de horas extras ou seguro contra acidentes de trabalho, por exemplo. Por isso, é um setor extremamente inseguro”, considera.
Vendas on-line
Desempregada desde 2018, Ana Caroline Toci, 42, encontrou, no fim do ano passado uma alternativa para conseguir trabalhar. Ela começou a fabricar e vender roupas fitness por conta própria nas redes sociais. No ramo desde 2019, ela confirma a instabilidade e a queda na procura durante a pandemia. Com a crise sanitária, perdeu grande parte do público. “Como as academias estavam fechadas, minhas clientes pararam de fazer pedido e, com isso, minha renda caiu muito. Fiquei apavorada na época”, conta. A moradora do Guará explica que chegou a precisar do auxílio emergencial de R$ 600 fornecido pelo governo. “Mesmo morando com meu pai e tendo a aposentadoria dele para ajudar, foi um período bem difícil, pois tive que pagar os tecidos das roupas, além das despesas com a casa e minhas duas filhas, uma de 2 anos e a outra de 12”, diz.
Para retomar as vendas, Ana afirma que precisou investir em promoções e em maneira mais baratas de produção. Atualmente, ela compra os tecidos e paga costureiras independentes para a confecção dos produtos. Também é ela que faz a propaganda pelas redes sociais, atende aos pedidos e realiza as entregas. “Retirei a taxa de entrega, para conseguir chamar as clientes de volta. Eu mesma que saio de casa e vou até a residência da pessoa para entregar as roupas. Foi a forma que achei para continuar vendendo”, explica.
Após os cinco meses de pandemia, as vendas e os lucros mensais estão se estabilizando novamente. “O serviço on-line foi a alternativa que encontrei para conseguir me virar e me manter economicamente”, afirma. Apesar de estar otimista, ela reconhece os perigos do tipo de trabalho. “Não tenho renda fixa nem hora para trabalhar, tudo depende dos pedidos. Eles pedem, eu atendo; chamam, eu vou entregar, independentemente do dia. É assim que funciona”, diz.
Nova alternativa
Manuela Santiago, 37, trabalha como vendedora em um shopping e tinha o costume de fazer bolos aos finais de semana, como um passatempo. Com a pandemia e a demissão do marido, que atuava como promotor de vendas, a renda mensal da família diminuiu. Como uma alternativa para conseguir manter a casa, em Ceilândia Sul, e as despesas da família, composta pelo casal e os filhos adolescentes, Manuela e o marido investiram na venda de bolos. “Antes, eu fazia mais por diversão, era uma espécie de entretenimento. Com a necessidade, abri uma conta no Instagram e comecei a divulgar. Agora, é o que está complementando a arrecadação aqui de casa”, explica.
Para fomentar o negócio, Manuela começou a dar mais atenção às redes sociais e, por meio delas, divulga o trabalho. “Senti um bom retorno e consigo lucrar bem. Na Páscoa, por exemplo, cheguei a vender mais de 100 ovos de páscoa e tinha aberto o serviço a menos de dois meses. Outro produto que também tem saído muito, devido à pandemia, é o kit festa — uma caixa com bolo, doces, e salgados, montada para atender a poucas pessoas”, afirma. Com os resultados considerados positivos, ela e o marido incorporaram a confeitaria na rotina. “Entramos de cabeça no negócio. Faço tudo na cozinha de casa, de acordo com os pedidos dos clientes. Conseguimos lucrar cerca de R$ 3 mil por mês”, conta.
Porém, ela reconhece que não é fácil. “Não tenho horário para começar nem para terminar. Preciso acordar cedo para conseguir dar conta das entregas e me planejar de acordo com as demandas do dia”, diz. Além disso, Manuela conta que os feriados são os dias em que mais trabalha. “Os pedidos para feriados e dias festivos aumentam muito. Para quem fazia um ou dois bolos durante o fim de semana, é uma realidade bem diferente”, afirma. Mesmo com as dificuldades, após cinco meses com o negócio em atividade, ela deseja abrir uma confeitaria de verdade. “Atualmente, não tenho Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) nem um espaço específico para trabalhar, mas, depois do sucesso que fiz durante esta pandemia, quero abrir uma loja e fazer disso meu trabalho formal”, explica.
Lana Carolina Ribeiro, 25, também encontrou no ramo alimentício uma forma de enfrentar os problemas econômicos. Formada em administração, ela perdeu o emprego na área financeira de uma instituição particular de ensino em fevereiro e, desde então, não conseguiu mais se realocar no mercado de trabalho. Recém-casada, a moradora de Sobradinho afirma que começou a pensar em outras formas de complementar a renda depois que a covid-19 chegou. “Era difícil conseguir uma vaga antes, com a covid-19 ficou quase impossível”, diz. Foi então que surgiu a ideia de iniciar um negócio de venda de hambúrgueres. “Meu marido é assessor de imprensa, mas sempre gostou de cozinhar comigo e diziam que a gente devia abrir uma hamburgueria. Como eu estava desempregada, criei coragem e andei com a ideia”, relata.
Em maio, ela e o marido, João Carlos Miranda, 31, investiram em materiais e começaram a produção de dentro de casa. O produto do casal consiste em kits para que as pessoas montem o hambúrguer dentro de casa. “Como é algo que ainda não existia em Brasília, estávamos animados”, afirma. No entanto, Lana conta que teve medo de não ter sucesso com o produto. “No início, só familiares e conhecidos compravam. Pensei que os outros poderiam não gostar da ideia ou ter medo de receberem encomendas em casa, por causa do vírus”, diz. Porém, após dois meses com o negócio aberto, Lana considera ter alcançado um resultado positivo. “Hoje, vendemos cerca de 90 kits em 30 dias. É o que salva a nossa renda ao final do mês”, confirma.
Ela cuida de todas as etapas do negócio e o marido ajuda quando consegue. Desde compra de insumos até a entrega, Lana que está à frente. “É cansativo, mas tentamos nos organizar o máximo possível”, declara. Além das vendas dos kits, Lana e o marido contam com a ajuda do auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal. “O salário do emprego formal dele é pouco e, mesmo com o sucesso das vendas dos kits, ainda não é suficiente para nos mantermos só com isso. Por isso, recorremos ao auxílio emergencial. O valor ajuda bastante com as contas do mês”, declara.