O número de vítimas de crimes praticados pela internet aumentou drasticamente no período de pandemia. O aumento do tempo de tela — período em que as pessoas passam conectadas — e os novos comportamentos impostos em função do novo coronavírus, como maior adesão da população às compras pela internet, têm contribuído para a ação de criminosos.
O delegado-chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), Giancarlos Zuliani, analisa que o aumento da presença on-line gera oportunidade para os que enganam internautas em sites falsos ou de outras maneiras. Ele destaca que o comportamento do usuário também pode colocá-lo em risco, por isso alerta para alguns cuidados básicos. “Comprar em um site novo ou desconhecido é perigoso. Com os dados do cartão, número completo e vencimento, qualquer pessoa pode comprar qualquer coisa no seu nome. Outro erro frequente é repetir senhas em diversas contas. Aí, se vaza uma senha do e-mail, por exemplo, o criminoso pode acessar outros serviços”, alerta.
Segundo registros da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), entre março e junho deste ano, os crimes de estelionatos praticados pela internet aumentaram 198,95%. Já os de furto mediante fraude subiram 310,97%. De março a junho de 2019, foram 82 enquanto, no mesmo período de 2020, houve 337 ocorrências registradas.
O delegado Wisllei Salomão, da Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes (Corf) confirma o aumento no número de fraudes, mas pondera que o registro das ocorrências foi facilitado pela delegacia virtual. “Em 2019, não era possível o registro eletrônico desses crimes. A inclusão na DP Eletrônica contribuiu para este aumento do registro com certeza, já que a população não precisa se deslocar até uma delegacia de polícia”, observa.
Alvos na internet
A advogada Mylena Uchôa destaca que, embora o ciberespaço seja ambiente propício para outros tipos de crimes, como ofensa à honra e divulgação indevida de fotos íntimas, o crime organizado costuma buscar lucros e qualquer um pode ser alvo dos bandidos. “Se engana quem acredita que as vítimas desses crimes são somente pessoas que não têm o total domínio no uso da internet e das redes sociais. Todos estão sujeitos, até mesmo pequenas e grandes empresas são alvos dessas organizações criminosas. E, atualmente, esses grupos estão especializados em crimes de cunho patrimonial, como estelionato e fraude.”
A empresária Jéssica Lima, 28 anos, é prova disso. Ela mora em Sobradinho e tem uma loja virtual de pijamas. Mesmo com vasta experiência na internet, foi vítima de golpistas que clonaram seu cartão de crédito, provavelmente durante uma transação virtual. “O banco suspeita que eles tenham acessado meus dados por meio de uma compra que fiz de um pacote de viagens para a Disney. E eu demorei muito a perceber que estava sendo roubada”, relata.
A compra pela internet foi feita no começo do ano, mas só em abril ela percebeu a fraude. “Em janeiro, ele roubou R$ 10, depois, R$ 20. Em março, eu viajei e fiquei 30 dias fora, aí ele roubou mais e eu nem percebi, porque pagava a fatura do cartão sem nem olhar”, contra a empresária. “Em abril, eu estava em casa, de quarentena, em home office, quando recebi uma mensagem do banco, coisa que nunca tinha acontecido antes, dizendo que eu havia feito uma compra de R$ 500, mas eu não tinha comprado nada. Nesse período ele me roubou R$ 2,5 mil, mas o banco ressarciu tudo”, completa. Jéssica registrou ocorrência, mas, por enquanto, não há pistas do golpista.
A Polícia Civil do DF tem atuado para coibir esses crimes e alertar a população sobre os cuidados, mas, em muitos casos, os estelionatários são de outras unidades da Federação. “Na maioria dos crimes de fraudes virtuais, os criminosos não residem no DF e a vantagem ilícita também não é creditada aqui”, afirma o delegado Wisllei Salomão.
Por telefone
Embora não haja dados detalhados sobre esse tipo de crime, sabe-se que tem crescido também o número de golpes praticados por meio de ligações telefônicas — a maioria deles associado a fraudes bancárias. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) registrou aumento de 65% no golpe conhecido como “falso motoboy”.
Trata-se de fraude em que uma pessoa se passa por funcionário do banco e, em uma ligação, informa que o cartão da vítima foi clonado, por isso, é necessário que a pessoa o entregue à polícia. Devido ao período de distanciamento social, o golpista informa que um motoboy irá à casa da vítima para pegar o cartão. Lá, ele pede que o dono digite a senha em uma máquina.
No Guará 1, uma senhora de 78 anos, que preferiu não se identificar, teve um prejuízo de mais de R$ 2,6 mil com esse tipo de golpe. Ela recebeu a ligação de uma mulher, que se dizia funcionária do banco e informava que duas tentativas de compra no cartão tinham sido realizadas. A criminosa disse à vítima que ela deveria entregar o cartão a um funcionário, que o buscaria na casa dela.
Em seguida, um homem chegou, dizendo ser da “Central de Segurança Antifraudes” do banco e apresentando papéis para “comprovar”. O rapaz levou o cartão e os criminosos subtraíram a quantia da conta dela. O prejuízo só não foi maior porque, minutos depois, o filho da vítima chegou, percebeu o golpe e fez o bloqueio por meio da Central Telefônica. A polícia investiga o caso.
O diretor-adjunto de Operações da Febraban, Walter de Faria, alerta: “Os bancos nunca enviam funcionários para recolher os cartões dos clientes. A mistura de medo da doença e a confusão trazida pelo excesso de fontes de informação criam o ambiente perfeito para a ação dos golpistas”.
Nova modalidade
Delegado da 4ª Delegacia de Polícia (Guará), João Ataliba Neto alerta também para um novo golpe na capital federal. Em dois dias, quatro vítimas, todas idosas, registraram ocorrência na unidade policial alegando que foram procuradas por pessoas que disseram que um parente estava em dificuldade financeira. Ao aceitar colaborar, um motorista de aplicativo — que não sabe que fará parte de um golpe — vai até a casa da vítima para passar o cartão dela.
O condutor recebe o chamado para um trajeto normal, mas, ao chegar ao local, é contatado pelo criminoso e informado de que não há corrida. Ele conta a mesma história dita à vítima e pede que o motorista passe o cartão dela e faça a transferência em troca de comissão de R$ 100 a R$ 300.
As vítimas que denunciaram o golpe têm entre 62 e 86 anos. Uma das histórias inventadas para conseguir o dinheiro é a de que um neto está precisando de ajuda para consertar ou comprar um carro. “Orientamos aos moradores do DF que tenham parentes idosos que deem a eles conhecimento sobre essa nova modalidade de estelionato”, diz Ataliba. “Também orientamos aos idosos e aos moradores em geral do Distrito Federal que, quando receberem telefonemas de parentes solicitando auxílios financeiros de qualquer espécie, que tentem retornar a ligação para eles e confirmem tal necessidade e, no caso de não conseguirem, que peçam a ajuda de algum familiar mais próximo”, reforça.