O servidor público Eduardo Castro, 29 anos, considera apenas um lugar no mundo seguro do coronavírus: o próprio quarto. Da porta do cômodo para fora, ele avalia que o risco é constante e se protege. Só deixa o quarto de máscara, carregando o álcool em gel e mantendo o maior distanciamento possível de todos. Ele mora em Vicente Pires com os pais, que estão enfrentando a covid-19, e a irmã. Na casa, dividiram o ambiente e ajustaram a rotina de cada um para que não entrem em contato direto. Os pais já estão praticamente recuperados — já se passaram duas semanas e eles não sentem mais sintomas. O isolamento, no entanto, continua até que um novo teste seja feito.
Na maior parte do tempo, ele trabalha de casa — especialmente agora que seus pais estão doentes; mas nas situações em que precisa ir ao serviço presencialmente, está sempre usando face-shield, carregando álcool em gel e, quando quer beber água, vai até a área externa, o mais distante possível das pessoas. Chegando em casa, troca logo de roupa e vai direto para o banho. Não vê a noiva, que mora em Manaus, e os amigos, desde março. Mas acredita que essa é a melhor maneira de manter a segurança de todos. “Tem sido difícil, claro, tenho muitas saudades de ir ao bar com os meus amigos, de ir ao Parque da Cidade correr, de ver minha noiva. É difícil, mas eu consegui aceitar bem que essa é a nova realidade, que não é culpa de ninguém, e que isso tem que ser feito para minha proteção e a proteção comum”, avalia.
Todas as medidas de segurança também são tomadas por Hellen Andrade, 38, biomédica e mãe de três filhos; Manuela, a mais nova, nasceu em 15 de julho. Apenas alguns dias após seu nascimento, os filhos mais velhos começaram a apresentar sintomas do coronavírus. Hellen logo se isolou com a recém-nascida e passou a redobrar as precauções para evitar a infecção dela. Ela e o marido acabaram contraindo o vírus também, mas tomaram todas as medidas possíveis e conseguiram evitar que a mais nova se contaminasse.
De acordo com o Ministério da Saúde, não há evidências de que o coronavírus seja transmitido pelo aleitamento materno. Desta forma, Hellen passou a higienizar, com álcool em gel 70%, as mãos, os braços, o pescoço e o colo todas as vezes, antes de amamentá-la, além do uso constante de máscara. Manuela nunca apresentou sintomas. A mãe, no entanto, teve falta de ar e desenvolveu pneumonia, que chegou a comprometer 25% de seu pulmão.
“Meu maior medo era de a bebê se infectar, eu morrer e eles ficarem sem mãe. Foi bem difícil durante o puerpério, quando os hormônios já não favorecem a gente. Tem a privação de sono, você não descansa, eu estava tomando um monte de medicação, e ainda tinha a preocupação de se estava produzindo leite ou não. Foram dias intermináveis e desesperadores. Eu amamentava a minha filha, às vezes, chorando”, relata a biomédica.
Precaução
As medidas de proteção contra o coronavírus são a principal ferramenta no combate à pandemia dado o cenário atual, segundo especialistas. Não há tratamento para a doença, tampouco vacina que gere imunização. “Enquanto não temos tratamento, um antiviral que tenha eficácia, e a gente aguarda a vacina, temos que manter as medidas de prevenção e controle. É uma doença que a gente ainda sabe muito pouco sobre, as medidas preventivas são fundamentais”, avalia o médico infectologista Julival Ribeiro.
O cenário da pandemia no Distrito Federal é grave. Esta semana, a capital registrou recorde de mortes pela covid-19 por dois dias consecutivos — 47 mortes na terça-feira e 54 na quarta. “O que está acontecendo é a exaustão do sistema de saúde. Nós estamos vendo um percentual muito alto da ocupação dos leitos clínicos”, analisa o professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB) Wildo Navegantes.
População suscetível
Apesar dos números preocupantes, a maior parte da população ainda não foi exposta ao coronavírus, segundo especialistas. Além disso, o cenário é incerto, ainda sabe-se muito pouco sobre a covid-19. Em relação à imunidade adquirida por quem já se infectou, por exemplo, a durabilidade é desconhecida. No entanto, Julival Ribeiro afirma que todos os estudos feitos até o momento mostram que não há casos de reinfecção pelo coronavírus.
“Não há nenhum estudo publicado no mundo sobre reinfecção. Então, em todos os casos que se presume ter havido reinfecção, como foi o caso da Coreia do Sul e outros estudos, esses vírus não eram viáveis, ou seja, o paciente não tinha reinfecção. Mas ainda não sabemos quanto tempo dura a imunidade que você gera pós-covid. E ninguém sabe, ainda, quando tempo vai durar a imunidade pós-vacina. Por isso estamos fazendo estudos”, afirma o infectologista.
Diferentes países e farmacêuticas desenvolvem atualmente distintos tipos de vacinas. Todos ainda estão em fases de testes para comprovação de eficácia. Há também fatores posteriores à conclusão dos estudos, como produção em larga escala e distribuição, que também tornarão a disponibilidade do insumo à população uma tarefa mais complexa.
Para a professora de imunologia da UnB Andrea Maranhão, mesmo que a capacidade de proteção das vacinas não alcance patamares de 90% ou 100%, será possível avançar no combate à doença. “Conseguindo de 40% a 60% (de eficácia), você muda o curso da pandemia, diminui a circulação do vírus e isso vai causar, na curva de infectados, uma diferença que é socialmente significativa. No sentido de que, não tendo tanta gente doente ao mesmo tempo, a rede hospitalar consegue dar conta do recado. Mesmo quando não tem eficácia tão maravilhosa, já faria a diferença no aspecto epidemiológico”, analisa.
Vulnerabilidade
Enquanto a vacina não vem, no entanto, a única forma de evitar a infecção é por meio das medidas de proteção sanitária. O especialista Wildo Navegantes destaca, no entanto, a dificuldade de isso acontecer entre a população mais vulnerável. “Em alguns lugares, as pessoas conseguem fazer distanciamento social, o uso de álcool em gel e máscara; mas em outros, não, até porque não têm acesso, muitas vezes. E é para essa população mais frágil que o governo devia estar proporcionando não só saúde, mas assistência social”, argumenta o epidemiologista. “Não é sustentável manter a reabertura porque temos problemas históricos no DF, completa.
A Secretaria de Saúde afirma que há uma estabilização no número de casos e que a tendência e de que, em breve, eles comecem a cair no Distrito Federal. Para Julival Ribeiro, é preciso ter paciência, enquanto a ciência faz o seu trabalho no esforço de desacelerar a transmissão do coronavírus. Até lá, é necessário se manter protegido e vigilante. “Estamos lidando ainda com a guerra, nós não ganhamos. E essa guerra só vamos ganhar com duas coisas: um medicamento e uma vacina. É melhor adotarmos todas as medidas preventivas até que tenhamos esses dois presentes.”