Quem adentra um hospital em busca de atendimento para si ou para familiares está, certamente, à procura de profissionais da saúde. Mas um outro tipo de serviço, também imprescindível ao bom funcionamento de uma unidade de saúde é a limpeza. Esses profissionais, por vezes percebidos como coadjuvantes, sem qualquer visibilidade, estão na linha de frente de combate à covid-19. “A limpeza, quem faz somos nós. Se não for feita a higienização e desinfecção correta, tende-se a aumentar os casos, a ter maior contaminação. Eu sei que meu trabalho é crucial antes, durante e depois do atendimento”, avalia Adriana Nunes, 34 anos, funcionária da limpeza do Hospital Regional do Gama.
Como tantos outros colegas, Adriana acabou se infectando com o coronavírus. Apesar dos sintomas leves e ausência de maiores dificuldades respiratórias, que costumam acometer pacientes em estados mais graves, a moradora da Cidade Ocidental relata uma sensação que nunca havia sentido antes. “É como se o peito estivesse vazio e, de uma hora para outra, fica sufocado. Você está cheia, quer colocar alguma coisa para fora, e não consegue respirar direito, parece que está sufocando a respiração. Sua garganta não chega a fechar, mas fica sufocada. É uma sensação bem estranha”, descreve.
Afastada do trabalho há cinco dias, Adriana se recupera da doença. Em casa, no entanto, relata não conseguir se isolar do restante da família — ela mora com o companheiro, Alan, e os dois filhos: Pedro Arthur, 17, e Victor, 13. “Nós, mães que trabalham, não temos esse privilégio. Não tem como ficar isolado um do outro, porque tem os afazeres de casa. Ao mesmo tempo, é preocupante porque eles também podem estar assintomáticos. Mas eu peço muito a Deus que, se sentir, que sejam pequenos sintomas.”
A dor de quem fica
Infelizmente, José Enedino Duarte, 69, não teve a mesma sorte. Ele trabalhava na lavanderia do Hospital do Gama e foi diagnosticado com covid-19 em junho. Após ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital de Santa Maria — onde permaneceu por 26 dias e precisou ser intubado —, faleceu em 19 de julho. José Enedino deixou a mulher, Maura Rosana, quatro filhos e dois enteados, que sentem bastante falta de sua personalidade bem-humorada.
“A família ficou muito abalada, porque meu pai sempre foi uma pessoa muito alegre, então a gente fica com a sensação de que queria ter curtido mais porque era sempre muito prazeroso estar na companhia dele”, destaca Vitor Duarte, 24, filho de José Enedino.
Perder um familiar é um sentimento muito angustiante. Perder um familiar para a covid, torna a situação ainda pior, de acordo com Vitor. “Uma coisa que a gente sentiu muito foi não poder estar junto das pessoas. A gente tem certeza de que, em qualquer outra situação que ele viesse a falecer, o velório estaria lotado. Além disso, minha mãe é técnica de enfermagem e trabalha no mesmo hospital em que ele estava internado. Ela ia trabalhar, ia ajudar outras pessoas, e não podia ver o meu pai, porque é um isolamento total. Foi muito difícil”, relata o analista de sistemas.
Histórias de perda
O sofrimento das famílias que perdem entes queridos é um dos fatores que chama a atenção de Clécio de Sousa, 31, em meio à pandemia. Funcionário de limpeza no Hospital Regional de Samambaia, ele é responsável pelo descarte do lixo hospitalar e da higienização do necrotério, o que o coloca em contato direto com familiares de pessoas que perderam a batalha contra a covid. “Quando a família vem buscar seu ente querido, não pode ver o corpo. Está no saco, não pode abrir. É desesperador você não poder ver o parente, vai olhar só para o caixão, mesmo. A gente fica comovido com aquilo, imagina a família. E também vem sua própria família à mente”, conta.
Adriana Nunes trabalha diretamente no “covidário”, local em que são atendidos os pacientes da doença. Ela relata a angústia de trabalhar ao lado de pessoas em estado grave, sem saber se conseguirão superar o coronavírus. “É muito triste estar ali dentro, porque ocorrem três, quatro mortes por dia. Tem pessoas que choram, pedem por ajuda, até para a gente, da limpeza, falam que não estão bem. A gente fica muito triste porque você conversa com essas pessoas um dia e, quando chega no outro plantão, a pessoa se foi.”
Xará da funcionária, Adriana Rodrigues da Cunha, 39, trabalha no Hospital Regional de Samambaia e também sofre ao ver a morte de pacientes internados. Ela conta que a convivência no hospital gera, muitas vezes, afeto por eles. “Tinha uma senhorinha muito alegre. Ela soltava beijo, perguntava qual era nosso nome, queria saber como a gente estava. Isso acaba mexendo com a gente. Quando fiquei sabendo da morte dela, fiquei muito triste. A gente não quer se apegar, mas acaba se apegando”, admite.
Recuperação
Mas não são apenas histórias tristes que ocorrem entre as paredes do hospital. Adriana Rodrigues narra a emoção de testemunhar a recuperação de um paciente que esteve em estado grave na UTI. “Não é fácil ver a pessoa intubada, os médicos lutando para atendê-los. Mas vê-los melhorando, os enfermeiros torcendo, parabenizando, contando para os familiares, fazendo vídeo... A gente acaba comovido com a cena. Ver os familiares e os técnicos batendo palmas é muito lindo. Não sai da minha mente”, descreve a funcionária.
Maria do Carmo Ascenção, 44, superou o novo coronavírus e sentiu na pele os efeitos da doença que alterou sua rotina laboral. Para ela, trabalhadora da limpeza do Hospital do Gama, a pior consequência do coronavírus foi o distanciamento social, em casa, de sua família. “Ficar isolada, sem contato com ninguém, é horrível. É uma sensação de tristeza e de desânimo. A pessoa que não tem depressão fica depressiva. Para mim, aquilo estava sendo um sufoco, porque eu sou muito elétrica. Tem que puxar força de onde você não tem”, avalia.
Medidas de proteção
Para se protegerem e preservarem a segurança de outros funcionários do hospital e de pacientes, os trabalhadores da limpeza tiveram alterações na rotina de trabalho. Maria do Carmo conta como todo o protocolo de limpeza foi ajustado durante a pandemia. Apesar de trabalhar na clínica que funciona dentro do hospital — logo, não entra em contato direto com os pacientes do covidário — ela atua na desinfecção de ambientes, em caso de atendimento de paciente com suspeita da covid-19.
Maria afirma que, no instante em que o paciente com suspeita da doença chega na portaria central, a supervisão da segurança e da limpeza são avisadas. Quando o paciente cruza a portaria central, todo a extensão percorrida é isolada com fita zebrada, para evitar o contato de outras pessoas com o vírus. A partir desse momento, os seguranças não deixam ninguém transitar no local até ser feita a higienização pelos funcionários da limpeza.
A rotina de trabalho de Clécio também mudou consideravelmente. Além de precisar reforçar a higienização dos ambientes, ele, agora, tem cuidado redobrado com o descarte do lixo hospitalar. “O serviço aumentou bastante. Teve muita mudança, muita regra, muito protocolo. Mudou muita coisa. Como eu trabalho diretamente com o lixo, tive de separar o lixo. Agora, só uso o elevador exclusivo para covid. A maneira como eu manuseio o lixo mudou. Até os sacos, que eram brancos, agora, são vermelhos, indicando isolamento da covid”, explica.
Os equipamentos de proteção individual (EPIs) são fundamentais na segurança dos funcionários. Eles devem usar máscara, faceshield, capote, touca, óculos e luvas. Além disso, os cuidados são redobrados ao chegar em casa, para proteger a família. Todos eles relatam separar o uniforme assim que chegam em casa e seguir para o banho, antes de ter contato com qualquer familiar.
A Secretaria de Saúde informa que as ações de testagem de funcionários de unidades de saúde englobam, além de servidores, profissionais terceirizados da limpeza e vigilância. Além disso, as empresas contratadas pelo governo têm a responsabilidade de fornecer os EPIs aos funcionários. A testagem do pessoal de limpeza do Instituto de Gestão Estratégica (Iges) do Distrito Federal é por conta das companhias contratadas, bem como orientação sobre protocolos de segurança e fornecimento de equipamentos de proteção.
“Vida que segue”
Apesar do momento difícil, esses trabalhadores não se deixam abalar. Maria do Carmo sente-se motivada para cumprir seu trabalho, mesmo com os riscos, pela sua família e segurança de todos. “A gente trabalha apreensivo e preocupado porque eu deixei a minha família na minha casa. Mas eu tenho que cuidar aqui no hospital porque eu tenho que deixar limpo para as famílias que vêm aqui. Tenho que cuidar, tenho que limpar. Não posso deixar a desejar no trabalho, mesmo que eu fique com medo.
Para Clécio, o aprendizado será o legado da crise sanitária: “É tanta coisa que a gente vê e fica triste, mas é vida que segue. Se a gente se deixar abalar, a gente não vive. Mudou muita coisa e a gente ainda está aprendendo. Vai ficar o ensinamento, com essa pandemia”, avalia.