MOBILIDADE

Prazo para a população enviar sugestões à Zona Verde termina na sexta

População tem até sexta-feira para enviar sugestões ao projeto que prevê a implementação de estacionamentos pagos em áreas públicas de Brasília. Valor do contrato, firmado por meio de parceria público-privada, deve chegar a R$ 2,3 bilhões

O projeto de criação de áreas públicas com estacionamento pago na região central de Brasília está previsto no plano de governo do chefe do Palácio do Buriti, Ibaneis Rocha (MDB), e deve sair do papel por meio de parceria público-privada (PPP). Em fase de discussão, a proposta recebe críticas e apoios, mas também gera dúvidas. Para pesquisadores da área de transporte e mobilidade, a iniciativa tem objetivos importantes, mas apresenta lacunas sobre a efetividade das melhorias.


Um relatório da comissão técnica responsável pelos levantamentos referentes à Zona Verde aponta que 115.736 vagas serão administradas pela concessionária que vencer a licitação. O certame não tem data para ocorrer. Por enquanto, a fase de estudos está sob responsabilidade da empresa paulista Rizzo Parking and Mobility S/A. Entre os principais objetivos do governo local estão aumentar a rotatividade nos estacionamentos em áreas públicas, incentivar o uso do transporte coletivo e regularizar a reserva de vagas para gestantes, idosos e pessoas com deficiência.


A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) ressalta que a criação da Zona Verde faz parte de uma proposta “ampla de melhoria do sistema de transportes do DF”. Entre as ações, segundo a pasta, aparecem a implementação do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) e a modernização do metrô. A etapa de recebimento de sugestões da população termina na sexta-feira. “Cabe esclarecer que, após o encerramento, as sugestões coletadas serão encaminhadas para análise do Tribunal de Contas do DF (TCDF). Após aprovação do TCDF, será feita a licitação”, informou a secretaria.


Para a servidora pública Ieda Tunes, 49 anos, a cobrança seria justa para quem estaciona nas áreas comerciais. Ela acredita que essa seria uma forma de facilitar o estacionamento. “Muitas vezes, precisamos ir ao médico ou a um banco e não conseguimos vaga, pois quem trabalha lá deixa o carro por muito tempo no mesmo local”, reclama. Mas Ieda considera abusiva a cobrança de estacionamentos nas quadras residenciais. “O transporte público que temos nos obriga a ter um carro. O metrô não vai até a Asa Norte, por exemplo. Mas é um absurdo ir para casa descansar sabendo que vou pagar por um estacionamento”, queixa-se a moradora da Asa Sul.


A estudante Victoria Arbache, 22, considera a cobrança injusta. Moradora da Asa Norte, ela acredita que seria um gasto a mais para quem tem carro, além de prejuízo para moradores de prédios sem estacionamento. Para a jovem, a cobrança só será justificada se o transporte público melhorar. “Essa medida vai afetar, principalmente, as pessoas de baixa renda, que, muitas vezes, têm um custo maior com a gasolina e também terão de arcar com mais esse gasto mensal”, opina.

Participação

Alguns órgãos e entidades de classe assistem à discussão, mas não apresentaram posicionamento final sobre a melhor opção por causa da fase de discussões. A Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB/DF) é uma delas. “A Comissão de Transporte Aquaviário, Ferroviário e Mobilidade acompanha o tema. Essa comissão esteve presente em audiência pública, mas a deliberação dos membros sobre esse assunto só acontecerá na próxima semana. Após isso, o assunto será levado para deliberação do Conselho da OAB/DF”, informou.


O Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) promoveu, na segunda-feira, um debate on-line sobre a proposta do Executivo local. “É preciso que fique muito claro, entre outros aspectos, como esse recurso será investido, como seu uso será fiscalizado, se há alguma ameaça ao tombamento de Brasília, se a concessão é, realmente, a melhor opção para o caso, quais serão as contrapartidas do governo, das empresas concessionárias, da população e quais serão as repercussões ambientais, socioeconômicas e para a mobilidade urbana do DF”, ressaltou em nota.


O secretário de Transporte e Mobilidade, Valter Casimiro, detalhou, em entrevista ao programa CB.Poder de segunda-feira, alguns pontos do Zona Verde que mais provocam dúvidas. Ele descartou riscos ao tombamento e disse que haverá garantia da gratuidade para motoristas que deixarem os veículos em estacionamentos das estações do metrô e do BRT. O mesmo deve valer para moradores das quadras residenciais. “O intuito de colocar cobrança na área residencial não é para onerar o morador, mas evitar que haja fuga de quem estaciona na comercial para ir até a área residencial. A ideia é dar isenção ao morador”, adiantou.

Colaborou Thalyta Guerra (estagiária sob supervisão de Guilherme Goulart)

Ed Alves/CB/D.A Press - "Essa medida vai afetar, principalmente, as pessoas de baixa renda, que, muitas vezes, têm um custo maior com a gasolina e também terão de arcar com mais esse gasto mensal" Victoria Arbache, estudante
Ed Alves/CB/D.A Press - Mobilidade

Penalização injusta

No Plano Piloto, a Zona Verde abrangerá, inicialmente, Eixo Monumental, Esplanada dos Ministérios, Asa Sul, Asa Norte, Sudoeste, setores de Indústria e Abastecimento (SIA) e de Indústrias Gráficas (SIG), além das estações de BRT e metrô. O valor estimado do contrato será de R$ 2,3 bilhões, com duração de 30 anos. O investimento por parte do Governo do Distrito Federal (GDF) será da ordem de R$ 300 milhões. A expectativa é de que o faturamento anual do Executivo local chegue a R$ 250 milhões, mas só a partir do quarto ano.


O presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul (CCAS), José Daldegan, considera que a proposta nasceu de forma inversa. Ele afirma que, primeiramente, seria necessário oferecer modais coletivos modernos e eficientes antes de “penalizar” o transporte individual. “O próprio Estado sempre privilegiou o automóvel, tentando aumentar a capacidade deles nas vias. Não se pode, com uma canetada, inverter tudo. É uma penalização injusta tanto para o morador, que vai ter de pagar para estacionar na própria quadra, quanto para o trabalhador. O transporte coletivo está saturado, e você não conseguirá jogar toda essa população nos coletivos na hora do rush”, observa José.


Para o presidente do Conselho Comunitário da Asa Norte (CCAN), Sérgio Bueno da Fonseca, a proposta não resolverá o problema de mobilidade. “Se querem incentivar o uso (do transporte coletivo), é preciso oferecer um de qualidade. Porque os ônibus de hoje não têm segurança, pontualidade, são de má qualidade e não servem aos moradores. Ao deixarem os veículos em casa para usar ônibus, os moradores das asas Norte e Sul pagarão duas vezes: para deixar o carro na quadra e, novamente, para usar um serviço de mobilidade ruim”, destaca Sérgio.

Resistência à iniciativa

Em 2003, durante o quarto mandato de Joaquim Roriz, houve a criação de um modelo semelhante, chamado Vaga Fácil. As tarifas na área central de Brasília começaram com R$ 1,50. Contudo, a cobrança provocou polêmica e não foi bem recebida pela população. A lei foi questionada na Justiça e considerada inconstitucional. Em 2007, o governador José Roberto Arruda anunciou que, até o fim daquele ano, adotaria um sistema de estacionamento rotativo nas áreas do Plano Piloto mais comprometidas pela falta de vagas. O sistema ficaria sob responsabilidade do Departamento de Trânsito (Detran), mas a proposta não caminhou. Em 2017, na gestão Rodrigo Rollemberg, houve autorização para lançamento de edital a fim de convocar empresas para criar a Zona Azul. A iniciativa não chegou a avançar, mas foi apresentada, com diferentes roupagens, por candidatos ao Buriti nas eleições de 2018.

CARA A CARA

Aldo Paviani, doutor em geografia urbana

“Ou se toma alguma medida no sentido de coibir o estacionamento em cima de canteiros e calçadas, ou, em 10 anos, o Plano Piloto ficará inviável para a entrada de carros. Mas, primeiramente, é preciso organizar o transporte público. Você tem de dar uma alternativa para que as pessoas não usem o automóvel. A cobrança de estacionamento é útil, mas é preciso achar um modo que facilite para o usuário. Outro ponto que precisa ser analisado é como facilitar as coisas para idosos e deficientes. A proposta tem de ser acessível, e o valor, muito bem estudado. O que não se pode é cobrar nas superquadras. Claro que ninguém quer saber de pagar, mas, ou faz isso, ou não tem como resolver o problema do grande número de automóveis particulares que vêm ao Plano Piloto com uma pessoa só.”

Adriana Modesto, doutora em transportes

“Não há soluções simples para questões complexas. Embora o projeto possa trazer benefícios e, de alguma forma, desestimular o uso do veículo motorizado, é necessário que se invista em outros modos de deslocamento, entre os quais o transporte ativo e o transporte público coletivo. Ambos precisam ser atrativos para que a população migre. Outra questão diz respeito aos indicadores de qualidade no que tange à prestação do serviço, sobretudo, sendo uma parceria público-privada. Tendo em vista o histórico de modelos similares experimentados em Brasília e adequando-o à realidade — com mudanças sociais, frota maior de veículos, possibilidades de acidentes —, convém verificar por qual razão aqueles que não foram para frente foram extintos e o que há de diferente no atual modelo.”

Consulta

É possível enviar sugestões para a elaboração do projeto pelo e-mail consultazonaverde@gmail.com. As informações disponibilizadas pela Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) sobre a Zona Verde podem ser consultadas no site www.semob.df.gov.br/
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