A pandemia da covid-19 mudou os caminhos que seguimos e a forma como optamos por percorrê-los. O cenário de isolamento social levou a população a experimentar intensamente a micromobilidade, com deslocamentos a pé, de bicicleta ou de patinete, na própria quadra ou bairro. Essa mudança de comportamento, aliada ao aumento de atividades laborais de maneira remota e à necessidade de variação das escalas de trabalho para evitar aglomerações em horário de pico, mostra como se pode avançar na busca de alternativas à sustentabilidade nos transportes.
“Agora, é o momento de as autoridades olharem atentamente para a micromobilidade e ofertarem infraestrutura para que as pessoas usufruam dessa experiência com conforto e segurança. Muitas estão saindo pela primeira vez da escala da velocidade, para a escala do caminhar, de conhecer, de se relacionar”, observa Pastor Willy Gonzales Taco, diretor do Centro Interdisciplinar de Estudos em Transportes da Universidade de Brasília (Ceftru/UnB).
Na avaliação do professor, abriu-se uma janela de oportunidade para mudança de cultura. “O teletrabalho revelou-se uma opção pragmática para evitar aglomerações. Também mostrou que é possível promover a mobilidade solidária, com vizinhos se oferecendo para comprar produtos para idosos ou pessoas em situação de vulnerabilidade”, cita.
Os dados reforçam essa constatação. O home office tornou-se a única alternativa para 59,9% brasileiros, segundo pesquisa da empresa de monitoramento de mercado Hibou, em parceria com a plataforma de dados Indico. Isso, aliado ao fechamento de comércios e indústrias e ao isolamento social, retirou das ruas metade dos veículos no início da epidemia no país. Só no Distrito Federal, levantamento da Companhia de Planejamento (Codeplan) revela redução de 50% da frota circulante no período de 8 a 29 de março, quando o Executivo local determinou o fechamento da atividade comercial na capital federal.
Apesar de discussões a respeito de legislação serem necessárias para o trabalho remoto, essa nova configuração, forçada em meio à pandemia, levantou aspectos importantes para se pensar a mobilidade urbana. “O home office é possível em determinados níveis, e não precisamos andar tanto de carro como andávamos há um ano. É uma boa lição. Há pesquisa apontando que a maioria das pessoas manterá o hábito do e-commerce e de usar menos o carro. Mas a intenção é uma coisa. Transformar isso em prática, é outra”, pondera o professor do Programa de Pós-Graduação em Transportes pela UnB, Augusto César de Mendonça Brasil.
Novos hábitos
No Distrito Federal, a família da socióloga Renata Florentino, 36 anos, se esforçava para viver de forma sustentável mesmo antes da pandemia, alternando a ida ao trabalho de ônibus, carona, bike, carro de aplicativo ou o próprio veículo, por exemplo. Assim que o governo fechou escolas e decretou a necessidade de distanciamento social, a família passou a ficar em casa mais tempo. O primeiro impacto foi a redução do gasto com combustível. “Um tanque durou um mês e meio. Em 100 dias, abastecemos três vezes. Antes, o consumo era um tanque por semana”, conta Renata.
Desde então, ela, o marido, o economista Jonas Bertucci, 41, e os filhos Nino, 3, e Yuri, 1, só saem de casa para ir ao mercado. “Passamos a cruzar com uma diversidade de pessoas maior, vários adultos com crianças. Acredito que muitos estão dando uma chance de experimentar a cidade a pé ou pedalando”, detalha Renata, que também atua como colaboradora da ONG Rodas da Paz.
Quem poderia imaginar que uma pandemia e a necessidade de isolamento social seria um período de descobertas e melhoria na qualidade de vida? Pois para a família Hitner é o que acontece. Com o casal em home office e as crianças assistindo às aulas a distância, há mais tempo livre para redescobrir o espaço urbano. “Todo fim de tarde, saímos para caminhar e andamos muito pelo bairro”, conta a pesquisadora Verena Hitner, 37 anos.
Com a pandemia, os vizinhos passaram a ocupar a área verde da quadra, e Verena, o marido, Pedro, e os filhos, Tito, 11, e Nico, 7, se sentiram seguros para fazer o mesmo. “O fato de você conseguir enxergar mais as pessoas, mesmo cada uma com sua máscara, deixa a cidade mais amigável”, observa.
Solução
Em relação ao transporte público, é preciso mudar a matriz energética dos meios motorizados, especialmente em cidades como Brasília, em que a população precisa vencer grandes distâncias para chegar à zona central. “Um dos caminhos é o uso de veículos híbridos ou elétricos, tanto para o transporte de massa quanto para o individual. No Brasil, um carro elétrico custa entre R$ 170 mil e R$ 200 mil. Por esse valor, compra-se um carro de luxo. Qual você compraria, o sustentável ou luxuoso?”, questiona Augusto César.
O investimento em corredores de ônibus, metrô, VLT e trem é essencial para a conquista da mobilidade sustentável. O entrave é o custo. Municípios, estados e o DF estavam com dificuldades financeiras antes da pandemia, e a situação se agravou. “O que temos de ter na cabeça é que cada um, tem de querer e ter uma postura de maior sustentabilidade. A solução não vem de outro lugar. Meio ambiente é isso: começa com o indivíduo”, reforça o especialista.
O secretário de Transporte e Mobilidade, Valter Casimiro Silveira, diz que a pasta trabalha para que haja mais mobilidade sustentável. “Este ano, há dois meses, implantamos ônibus elétricos para rodar na Esplanada e substituímos os coletivos à combustão. Agora, eles circulam com energia 100% limpa. Além disso, estamos ampliando a malha cicloviária. Hoje, Brasília conta com mais de 540km e tem a maior extensão de ciclovia do país”, comenta.
A Companhia do Metropolitano do DF (Metrô-DF) aposta em alternativas sustentáveis e pretende ampliá-la nos próximos anos. Foi a primeira empresa do sistema metroferroviário na América Latina a implementar uma usina fotovoltaica para movimentar estações. São duas munidas com a tecnologia. O Metrô-DF tem um projeto para a instalação de usina de produção de energia fotovoltaica no Centro Administrativo e Operacional (CAO).
Além do ganho ambiental, o retorno financeiro seria considerável. “A nossa tarifa mais pesada hoje é a energia, depois da manutenção do sistema. São mais de R$ 50 milhões por ano. Ou seja, usar a energia fotovoltaica agrega sustentabilidade ambiental e econômica, dois temas importantes e estratégicos para a Companhia”, afirma o presidente do Metrô-DF, Handerson Cabral.
Mas, no contexto atual, é necessário pensar nas medidas sanitárias (leia Quatro perguntas para). No caso da companhia, o reforço na limpeza de vagões e estações, além do distanciamento social, foi a principal providência. “Acredito que esse novo protocolo sanitário é um processo que não terá reversão num futuro próximo”, destaca Handerson. Ele alerta, porém, que o transporte é uma questão conjuntural. “Precisamos, por exemplo, repensar esse padrão de entrada e saída geral das 8h às 18h. Se puder ter entradas e saídas escalonadas, seria muito bom para o transporte”, avalia.