Meus pais — familiares mais próximos, em todos os sentidos — estão a mil quilômetros de distância. Vivem na zona rural de uma cidade no interior da Bahia com 7 mil habitantes, que tem 76 casos da covid-19 e quatro mortos pela doença, até então. O vilarejo onde eles moram, com cerca de 100 pessoas, não tem nenhum diagnóstico da doença. Espero que continue assim.
Não nos vemos há mais de seis meses, e, infelizmente, vai demorar o reencontro. As mensagens e chamadas por aplicativo não são suficientes para matar a saudade, mas é o que temos para o momento. Amanhã, Dia dos Pais, será dia de live. Ele mostrará o jardim, muito bem cuidado, e alguns dos vários pássaros que visitam o local. Eu mostrarei algumas novidades no apartamento, dentre elas uma luz vermelha do filtro de água (acho que chegou a hora de trocá-lo).
Ele também deve mostrar o almoço que preparou, com muito esmero, pimenta e aprovação da minha mãe. Vinho para acompanhar, com certeza. Eu mostrarei algum hambúrguer que pedi por um aplicativo de entrega, acompanhado por uma cervejinha.
Além desses momentos virtuais, a lembrança da trajetória deles me conforta e serve como inspiração neste momento de pandemia. A vida humilde, o deslocamento em um pau de arara em busca de uma vida melhor, os desafios em uma terra desconhecida e inóspita. O prosperar e o ajudar ao próximo, o retornar para as origens.
Lembra-me a história de vários povos ao longo da humanidade. Lembra-me os vários anônimos e humildes que encontro pelas ruas da capital do Brasil. Os vejo e começo a imaginar histórias da vida deles, algum momento em que eles podem se parecer com minha família.
Saadi Shirazi, poeta persa do século 13, escreveu sobre empatia. “Seres humanos são membros de uma união (um corpo). Uma essência, uma alma na criação. Se um membro pela dor é arrastado, todos os outros também são afetados. Você, que não sente a dor do outro, perderá o direito de chamar-se ser humano.” O poema ilustra uma das paredes da sede da ONU, em Nova York.
Tudo está interligado, independentemente da distância. Minha família, os milhares de anônimos, a pandemia, minha rotina... O trabalhar com pessoas que têm como missão, dentre outras, dar voz a quem não tem voz, em meio a essa guerra. Contar histórias de guerreiros invisíveis, muitos deles humildes, e aproximá-los de todos nós é um serviço precioso e fundamental. Além de informação, devemos divulgar empatia. Porque somos (devemos ser) todos um: seres humanos.