Preso preventivamente nesta terça-feira (25/8), o Secretário de Saúde do Distrito Federal, Francisco Araújo Filho, é apontado pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) como chefe de uma organização criminosa com poder letal. Araújo e mais seis pessoas foram alvo da segunda fase da Operação Falso Negativo, que investiga supostas irregularidades na compra de testes rápidos para a detecção da covid-19. Segundo os investigadores, Francisco liderava um esquema de direcionamento de contratos, que envolvia a cúpula da pasta, com “provas contundentes” dos crimes de fraude à licitação, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica (cartel), organização criminosa, corrupção ativa e passiva, com o consequente prejuízo de mais de R$ 18 milhões aos cofres públicos.
Também foram alvo da operação o ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde Ricardo Tavares Mendes; o subsecretário de Vigilância à Saúde, Eduardo Hage Carmo; o secretário adjunto de Gestão em Saúde, Eduardo Seara Machado Pojo do Rego; o assessor especial da Secretaria de Saúde Ramon Santana Lopes Azevedo; o diretor do Laboratório Central do DF (Lacen), Jorge Antônio Chamon Júnior; e o subsecretário de administração-geral da Secretaria de Saúde, Iohan Andrade Struck. Todos os investigados foram afastados pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) ontem.
Na decisão que atendeu aos pedidos de prisão preventiva feitos pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Procuradoria-Geral de Justiça do DF, o desembargador Humberto Adjuto Ulhôa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), descreveu: “Os elementos de informação dão conta de que os crimes foram praticados de modo coordenado e cada integrante com seu papel bem delineado, típico de organização criminosa, devidamente estruturada e compartimentada”.
Em conluio com empresas previamente escolhidas que ofertaram produtos superfaturados, o grupo usava, de acordo com o MPDFT, as facilidades da nova legislação, que garante agilidade na compra de produtos e serviços do combate à covid-19 para “consolidar a trama de desvio de dinheiro público”. A ação em dois processos de compra de testes rápidos é detalhada pelos promotores.
O primeiro caso refere-se a contrato firmado entre a Secretaria de Saúde e a empresa de brinquedos temáticos Luna Park para a compra de 100 mil testes rápidos para a covid-19, no qual há fortes indícios de direcionamento, com a escolha antecipada da empresa vencedora, que tinha o maior preço, pelo secretário de Saúde Francisco Araújo Filho, de acordo com a investigação do MPDFT. Todo o processo, com dispensa de licitação, tramitou em dois dias, e o prazo fixado para a entrega de mercadoria, considerado irrisório pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) e a Procuradoria-geral de Justiça do DF, foi de um dia. Segundo a apuração, o projeto básico foi analisado e aprovado em questão de minutos. As empresas, oficialmente, tiveram acesso a ele com pouco mais de quatro horas para o fim do prazo para entrega de propostas e documentação.
Sem informação
O prazo reduzido para todo o processo restringiu, segundo o MPDFT, a participação de eventuais concorrentes e garantiu o direcionamento do certame. Das cinco propostas apresentadas, em quatro não há referência ao e-mail encaminhado para participação do processo. Conversas de WhatsApp mostram que propostas foram encaminhadas diretamente aos integrantes do suposto esquema, e eles a inseriram no processo administrativo. A empresa vencedora, Luna Park, não informou sequer a marca dos produtos que seriam encaminhados e apresentou o maior preço (R$ 180 por teste). O valor total era de R$ 16,2 milhões.
O outro caso tem relação com o processo de contratação para testagem no formato drive-thru. Em mensagens obtidas pelos investigadores no celular do diretor do Lacen-DF, Jorge Chamon, o secretário de Saúde, Francisco Araújo, encaminhou o projeto básico para a contratação. O arquivo, segundo a apuração, teria sido encaminhado ao secretário pela coordenadora de licitações da própria empresa. Assim como no caso da Luna Park, foram fixados prazos curtos, o que possibilitaria o direcionamento do certame. Depois, houve um aditivo contratual, que, afirma o MPDFT, foi feito sem avaliação da qualidade dos testes e sem informação que comprovasse a eficácia dos testes.
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Os acusados
» Francisco Araújo, secretário de Saúde (foto)
» Ricardo Tavares Mendes, ex-secretário adjunto de Assistência à Saúde
» Eduardo Hage Carmo, subsecretário de Vigilância à Saúde
» Eduardo Seara Machado Pojo do Rego, secretário adjunto de Gestão em Saúde
» Ramon Santana Lopes Azevedo, assessor especial da Secretaria de Saúde
» Jorge Antônio Chamon Júnior, diretor do Laboratório Central do DF (Lacen)
» Iohan Andrade Struck, subsecretário de administração-geral da Secretaria de Saúde
Corrupção na saúde
O histórico de envolvimento de gestores da saúde do DF em escândalos de corrupção é extenso. Em 2018, os ex-secretários Rafael Barbosa e Elias Miziara, que estiveram à frente da pasta durante a gestão de Agnelo Queiroz (PT), foram presos, preventivamente, por suposta participação em um esquema de fraudes de atas da Secretaria de Saúde, no qual teriam sido desviados mais de R$ 2 bilhões. Eles foram presos novamente, em 2019, em desdobramentos da investigação sobre a construção de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) no DF. Outro caso é de Arnaldo Bernadino, secretário durante o governo Joaquim Roriz, que foi condenado por improbidade administrativa e prejuízo aos cofres públicos. Todos negam as acusações.
"Inexistência dos crimes"
Em nota, o governador Ibaneis Rocha (MDB) criticou a atuação do MPDFT: “O secretário de Saúde, Francisco Araújo Filho, e toda a sua equipe sempre estiveram à disposição das autoridades para esclarecer quaisquer fatos, mantendo abertos todos os processos na SES (Secretaria de Saúde), inclusive com acompanhamento on-line do Ministério Público, pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI), comprovando a inexistência dos crimes a que estão, indevidamente, sendo acusados”.
Também por meio de nota, a Secretaria de Saúde reforçou que sempre esteve à disposição do Ministério Público, colaborando com as investigações e fornecendo todos os documentos necessários à devida apuração dos fatos relativos à operação Falso Negativo, desde a fase inicial. “A SES não só disponibiliza as informações solicitadas como franquia o acesso on-line dos membros do MP a todos os processos de compras e contratos da pasta, pelo Sistema Eletrônico de Informações (SEI) e vem realizando reuniões semanais com os membros desse órgão de controle para esclarecer dúvidas, acatar recomendações e aprimorar os mecanismos de transparência dos atos e ações da pasta junto à sociedade”, informa o texto.
Alexandre da Cruz, advogado da Luna Park, nega direcionamento e qualquer irregularidade por parte da empresa. “R$ 180 era o valor de mercado na ocasião. Nenhuma empresa tinha esse produto para pronta entrega. Não é que o GDF comprou a mais cara, é que a mais barata não tinha. Em nenhum momento houve combinação nem direcionamento. Até hoje, nós não recebemos. A gente entregou o que foi empenhado, que foram 20 mil testes, e não recebeu. Nós estamos sendo prejudicados”, argumentou.
A defesa do secretário de Saúde afirmou, em nota, que manifesta respeito ao MPDFT e ao Judiciário, mas que o secretário não praticou crimes. “É preciso destacar que esse não é o primeiro nem será o último caso em que um agente público sofre com a prisão preventiva e, depois, é inocentado no processo. Diz-se isso por que o secretário está seguro de que não praticou crime algum e que confia na sua equipe da Secretaria de Saúde. A defesa examinou a decisão que decretou a prisão e está convencida de que o Ministério Público trabalha no plano do equívoco, o que será esclarecido ao longo da apuração dos fatos”, detalha o texto, assinado pelo advogado Cleber Lopes. A defesa dos outros citados não foi localizada pela reportagem.