
Matéria escrita por Gabriella Collodetti, jornalista do CB Brands, estúdio de conteúdo do Correio Braziliense
Os impostos desempenham um papel crucial na forma como a população consome, afetando desde a escolha de marcas até a redução do consumo de certos produtos. Ao serem incorporados no preço final de bens e serviços, os tributos podem torná-los menos acessíveis, o que leva os consumidores a optar por alternativas mais econômicas ou, até mesmo, a desistir de uma compra.
Em agosto do ano passado, entrou em vigor a Medida Provisória nº 1.236, que estipulou uma taxa sobre bens de até 50 dólares adquiridos por meio de plataformas internacionais. Popularmente conhecida como "taxa das blusinhas", o assunto voltou a repercutir no cenário nacional, quando houve o aumento de 9 Estados acerca do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), passando à taxação de 20%. Antes, o imposto era de 17%.
Acre, Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima e Sergipe optaram pelo aumento, enquanto o restante do país seguiu com o percentual já adotado. Na percepção de Rodrigo Marinho, diretor executivo do Instituto Livre Mercado, entidade que atua em defesa da liberdade econômica no Brasil, o país vive uma balbúrdia tributária. "Cada Estado aplica alíquotas de ICMS diferentes, com regras próprias, benefícios específicos e uma burocracia que desestimula o empreendedor", explica.
De acordo com o especialista, um dos caminhos para resolver essa questão é criar um modelo de concorrência saudável, com regras claras, menos burocracia e responsabilidade fiscal. “Quando os Estados competem de forma transparente e racional, quem ganha é o cidadão, com preços menores, mais empregos e mais investimento”, acrescenta.
Além disso, o diretor do Instituto Livre Mercado destaca que é preciso considerar o efeito da Curva de Laffer: ao elevar demais as alíquotas, os estados não arrecadam mais — arrecadam menos, pois desestimulam o consumo, provocam evasão e aumentam a informalidade e o mercado ilegal de produtos. “O equilíbrio entre alíquota e arrecadação é essencial para uma federação saudável e sustentável”, afirma.
Sabe-se que a curva de Laffer é uma teoria econômica que sugere uma relação não linear entre as taxas de imposto e a arrecadação fiscal. Ela postula que, em determinado ponto, aumentar as alíquotas de imposto pode levar a uma redução na receita total arrecadada pelo governo, enquanto diminuir as alíquotas pode levar a um aumento da arrecadação devido ao estímulo econômico resultante.
O sistema tributário foi transformado em uma verdadeira armadilha tanto para quem consome, quanto para quem empreende. “Temos uma das cargas mais elevadas do mundo, mas isso não se traduz em serviços públicos eficientes. Além disso, a complexidade é absurda: são milhares de normas, obrigações acessórias e alíquotas que mudam constantemente. Isso gera insegurança, custos elevados e desincentiva o crescimento econômico”, avalia Rodrigo.
Em sua percepção, há uma desconexão entre o quanto o Estado arrecada e o que efetivamente entrega. Além disso, ele pontua que, atualmente, o país encontra-se com uma carga tributária em torno de 34% do Produto Interno Bruto (PIB) — um nível digno de países ricos, mas com serviços públicos de países pobres.
“Pior ainda: é uma carga que recai, majoritariamente, sobre o consumo, penalizando os mais pobres. O sistema é regressivo, injusto e sufoca a atividade produtiva. Em vez de premiar quem empreende, ele pune com tributos elevados, burocracia e fiscalização agressiva. O Brasil precisa inverter essa lógica”, contextualiza.
A SHEIN, varejista global on-line de moda, beleza e lifestyle, enxerga os impactos do aumento do ICMS no território brasileiro. Na percepção da companhia, o maior impacto será sentido pelo consumidor.
"Nessa modalidade de importação feita pela pessoa física, por lei, quem paga os tributos é o consumidor e, portanto, o custo tributário é integralmente repassado à população. Hoje, 9 estados optaram por aumentar o ICMS das compras internacionais, sendo que a maioria concentra pessoas com rendas menores, tal como Acre e Roraima", comenta Anna Beatriz Lima, diretora de Relações Governamentais da marca.
Ela pontua que o que se discute atualmente é manter o imposto em 17% ou aumentar para 20%. Isso porque, nos Estados onde o ICMS é de 17%, a carga tributária total é de pouco mais de 44%. Ou seja, uma blusa de 50 reais passará a custar 72,20. “Já naqueles estados onde se aplica 20% de ICMS, a carga tributária sobe para 50% e a mesma blusinha passará a custar 75 reais. Quase 3 reais de diferença é muito em um país cujo salário-mínimo é de pouco mais de R$ 1.500,00. Especialmente porque, se pararmos para pensar, 3 reais representam a metade de um dia de trabalho para quem recebe um salário mínimo”, diz.
Na percepção de Anna, em um cenário econômico de retração do poder de compra das famílias, cada centavo a mais faz diferença. "E o aumento na tributação dos importados não vai, necessariamente, fazer com que o consumidor faça essa compra no mercado nacional, se o preço for o mesmo ou maior. É um problema de acesso. Aumentar os tributos nos estados cuja população tem um poder de compra menor, é acentuar ainda mais as desigualdades e restringir o acesso dessas pessoas", aponta.
Por isso, a diretora de Relações Governamentais da SHEIN ressalta que a marca apoia uma tributação justa, que traga equilíbrio entre todos os concorrentes. "A Reforma Tributária foi um passo importante para o Brasil. No entanto, ainda carecemos de uma discussão mais profunda sobre a carga tributária e os benefícios fiscais para fins de isonomia tributária - sobretudo onde deve-se considerar os diferentes modelos de negócios e quem pagará a conta", pondera.
Comportamento de compras no país
No final do ano passado, a pesquisa Plano CDE analisou o comportamento de compras on-line no Brasil, com foco na percepção dos consumidores sobre importações e taxações. Ela foi realizada com uma amostra de 1.500 entrevistas representativas.
A ferramenta trata-se de uma consultoria de pesquisa e avaliação especializada na população das classes C, D e E no Brasil e na América Latina. Realizando estudos com grandes empresas, órgãos multilaterais e com o terceiro setor busca-se apoiar a formulação de políticas, projetos sociais e produtos melhor adaptados às necessidades da base da pirâmide.
"Nossos estudos sobre os hábitos de consumo on-line do público CDE mostram que há um costume já enraizado de realizar compras em lojas virtuais, independentemente da origem do produto. 68% das classes CDE fizeram compras on-line nos 3 meses anteriores à pesquisa, sendo que 60% deles fez importações", informa Breno Barlach, diretor de Pesquisa de Plano CDE.
O pesquisador pontua que as principais razões para a compra on-line de importados são o custo e, mais importante, a percepção de encontrar produtos únicos, não disponíveis no Brasil – 35% alegaram ser essa a razão principal para ter comprado importados. Inclusive, 60% concordam totalmente com a afirmação “Alguns produtos eletrônicos não estão disponíveis no Brasil a preços acessíveis”.
"Esses produtos, em geral, são produtos essenciais de casa, trabalho ou estudo, para 83% dos compradores de importados da base da pirâmide, mostrando que o acesso a um mercado produtivo mais diversificado supre necessidades básicas da população de menor renda. Entre agosto e outubro de 2024, a proporção de quem comprou apenas itens não disponíveis no Brasil subiu de 13% para 19%", acrescenta.
Por isso, para Breno, não surpreende que 72% dos brasileiros sejam contrários ao aumento de impostos de produtos importados. "Metade deles já desistiu de compras no momento do checkout em razão do aumento de impostos", afirma. O profissional defende ainda que, apesar da relevância do debate fiscal, é importante considerar que aumentos de impostos sobre esses produtos podem significar perda de acesso importante ao consumo pela população de menor renda.