O mercado ilegal avança no Brasil. Em 2023, o país perdeu cerca de R$ 441 bilhões com o crime, de acordo com o balanço do FNCP (Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade). Um acréscimo de 7,5% sobre o ano anterior (R$ 410 bi). Desde 2014, os prejuízos quadruplicaram - eram estimados em R$100 bilhões.
Os números representam as perdas consolidadas de 15 setores da economia brasileira (R$302 bilhões), adicionadas do montante que deixou de entrar nos cofres públicos em impostos (R$139 bilhões). Vestuário, bebidas e combustíveis lideram a lista da ilegalidade. Já o cigarro, além de registrar perdas enormes, é o produto mais apreendido pela Receita Federal.
Para o FNCP, o mercado ilegal não só reduz a rentabilidade dos setores atingidos, como a competitividade da indústria nacional. Empresas ilegais deixam de pagar impostos, o produto ilegal fica mais barato, criando uma concorrência nefasta, que veda a arrecadação de maior volume de tributos e prejudica a geração de empregos formais e renda para o brasileiro.
“É um crescimento contínuo, acelerado. Mais de quatro vezes nesses dez anos. Por isso, é importante uma estratégia mais ampla, que envolva não só o setor produtivo, mas também os governos para combater esse avanço que lesa toda a sociedade brasileira”, explica Edson Vismona, presidente do FNCP.
Imposto alto favorece mercado ilegal
Segundo Vismona, a prioridade do FNCP é chamar a atenção da sociedade brasileira e dos poderes constituídos para a necessidade de iniciativas que possam alterar esse quadro. Pois quem está por trás do mercado ilícito é o crime organizado, que se financia da atividade. No Riode Janeiro, por exemplo, a milícia e o jogo do bicho têm o controle da máfia de cigarros, impondo as marcas ilegais aos comerciantes locais e alimentando a violência na região. Em São Paulo, uma série de investigações policiais apontam que o contrabando de cigarros é uma fonte de renda importante para o PCC (Primeiro Comando da Capital).
Os sinais alarmantes levam o FNCP a reiterar, principalmente ao Congresso Nacional - prestes a concluir a reforma tributária com a possibilidade de aumento de alguns impostos - que a carga tributária já elevada é um dos motivos principais a alimentar o mercado ilegal. O imposto mais alto encarece os produtos, como o cigarro, e o consumidor tende a migrar para o ilegal, que é mais barato e ganha em fatia de mercado, em uma relação perversa. “Todas as experiências do passado recente mostram que a elevação de tributos resultou em crescimento do contrabando e queda de arrecadação por parte do Governo”, alerta.
O mais apreendido
Dados da pesquisa “Impactos do mercado ilegal de cigarros no Brasil”, do Ipec, de 2023, revelaram que a cada 100 cigarros comercializados no país, 36 eram ilegais. O volume de cigarros ilícitos que circulou ano passado pelo Brasil foi estimado em 39 bilhões de unidades.
Estima-se que, por conta da fabricação e vendas ilícitas, o Tesouro Nacional deixou de arrecadar cerca de R$100 bilhões nos últimos 11 anos. O FNCP aponta ainda que o negócio é tão vantajoso para o crime, que há organizações criminosas fabricando no Brasil verdadeiras cópias das marcas mais contrabandeadas de cigarros paraguaios.
Entre a extensa lista de contrabandos e falsificações, o cigarro é a mercadoria mais apreendida pela Receita Federal - 54% de todos os produtos arrestados entre janeiro e dezembro de 2023. Nas estimativas de prejuízos desse mercado criminoso não entra, por exemplo, o custo aos cofres públicos das atividades de combate pelas autoridades. Entre 2021 e 2023, a Polícia Federal fechou 24 fábricas clandestinas de cigarros.
Ainda em dados do Fisco, cerca de 600 mil maços de cigarros ilegais são destruídos, por dia, somente no posto alfandegário da fronteira de Foz do Iguaçu. Para o FNCP, o cigarro paraguaio inunda o mercado interno. Vismona destaca que, “dentro da lógica do crime, extremamente vantajoso aos contrabandistas, está o modelo tributário brasileiro”. A disparidade de tributossobre o produto no Brasil e no Paraguai torna-se um dos maiores atrativos para a atividade ilegal. Isso porque,enquanto por aqui os impostos sobre o cigarro ficam entre 70% e 90% do valor total, no país vizinho a taxa média é de 13%.
Para Edson Vismona, a pesada carga tributária que incide sobre o cigarro no Brasil é crucial para o avanço do ilegal. “Se o produto legal fica mais caro por causa do aumento de impostos, isso vai favorecer a ilegalidade, que não paga imposto e tem benefícios com qualquer aumento de carga tributária. É uma relação direta, imediata e um alerta absolutamente necessário. E o pior: não é uma história nova ou teoria acadêmica: é uma realidade comprovada pelos números do Ipec que tem acontecido no Brasil a cada vez que o produto tem alta de tributos”, diz.
Revisão tributária abre janela para combater ilegalidade
A articulação de todos os esforços para o combate ao contrabando é de fundamental importância, defende Vismona. “Nós podemos estar perdendo o controle de vastas áreas do território brasileiro para o crime. Isso é inadmissível. Temos que articular todos os esforços de uma forma mais estratégica, prioritária, para combater o crescimento das organizações criminosas e das milícias,que utilizam do mercado ilegal pra se financiar”, convoca.
Para o presidente do FNCP o enfrentamento passa pela adoção de medidassistemáticas e sistêmicas, de oferta e demanda. “Na oferta, é repressão. Continuar incentivando e investindo em ações integradas e coordenadas das forças de segurança e da Receita Federal, desde as fronteiras, portos e aeroportos, passando pelas rodovias até o comércio das cidades. Ou seja, uma ação sistêmica.”
Mas a repressão, isoladamente, não resolve o problema, de acordo com Vismona. É preciso diminuir a demanda e, nesse sentido, ele reforça que a questão tributária é essencial para quebrar a lógica que fortalece a ilegalidade. “Vem daí a importância de não termos mais aumento de impostos.Se houver aumento de imposto, você aumenta a competitividade do ilegal. Porque ele não está recolhendo nada aos cofres públicos e cresce em cima da distorção de preço em relação ao legal”, conclui.