Luciana Winck Corrêa, psicóloga e vice-diretora educacional do Colégio Marista João Paulo II – Asa Norte
Muito se tem falado sobre o uso de celulares em sala de aula. Algumas pessoas defendem a restrição e até mesmo a proibição. Já outras acreditam estarmos demonizando esse artefato tecnológico que, hoje, serve a múltiplos meios de comunicação, do contato telefônico ao envio de e-mails ou mensagens instantâneas de texto, da consulta a temas diversos à criação de vídeos e postagens em redes sociais. Mas, afinal, o que podemos defender ou criticar em relação ao uso do celular em sala de aula, visto que a maioria das famílias confiam nesse meio de comunicação e monitoramento em relação aos filhos adolescentes e até mesmo crianças?
Em diversos estudos da atualidade, temos a demonstração de que o uso contínuo das telas, entre elas os celulares, tem redefinido o modo como o cérebro de adultos, adolescentes e crianças empenha o foco em temas específicos e até o funcionamento do padrão comportamental diante de fatos cotidianos. Alguns exemplos estão entre as experiências e teorias defendidas pelo Dr. Cristiano Nabuco, psicólogo, com experiência clínica e acadêmica sobre o tema de dependência digital. Ele tem criado protocolos de atendimento clínico, além de ser responsável por uma unidade pioneira no Brasil (PRO-AMITI – Ipq/HCFMUSP) para o atendimento de pacientes dependentes em tecnologia, com desenvolvimento de modelos de intervenção em psicoterapia.
Em palestra ao Marista Brasil, do qual o Colégio Marista João Paulo II é integrante como instituição de Educação Básica, o Dr Nabuco trouxe dados importantes para auxiliar na reflexão de pais e educadores a respeito da temática. Um dos dados foi o fato de nosso padrão de leitura estar sendo modificado pela prática de se ler textos em telas de computadores e celulares, o que faz com que a forma de assimilar o que se apreende nessa atividade torne-se fragmentada e superficial. A compreensão e o foco, que levam à memorização de experiências leitoras, acabam interferidos por esse formato de leitura. Além disso, o foco profundo em uma atividade, quando interrompido por mensagens e notificações em telas (redes sociais, e-mails, mensagens de texto), faz com que a mente leve, em média, até 23 minutos para se reconectar com a qualidade e a profundidade necessárias para a mente armazenar tais informações.
A partir desses dados, que não são os únicos no que diz respeito à forma como a mente está atuando a partir do uso em excesso de telas, imagine de que maneira os professores podem seguir ofertando propostas em sala de aula com a mesma qualidade quando concorrem com um formato de pensamento que a todo momento perde a atenção e o foco no que está se desenvolvendo. Não afirmo nem que se pense em aulas expositivas. Essas também são questionadas quanto ao tempo de duração e à viabilidade diante de formatos mais dinâmicos e interativos sobre os quais os professores podem, hoje, organizar suas propostas. As metodologias ativas são, cada vez mais, consideradas efetivas na proposta de desenvolvimento do comportamento de estudo que necessita do protagonismo e da autonomia dos jovens.
Para que essa autonomia se desenvolva com engajamento, focada em metas de estudo que levem a atingir objetivos e contribuam para formar projetos de vida com escolhas conscientes, faz-se necessário adotar atitudes e regramentos de sala de aula que incluam o cuidado com o uso constante de telas. Entre as estratégias, estão os meios de restringir o uso com barreiras físicas em determinados momentos (como armários e nichos que distanciem os celulares dos estudantes em certas situações). Além disso, é necessário pensar em meios de educar para o uso positivo dos aparelhos celulares em atividades específicas, que incluem outras maneiras de utilização, diferentes da comunicação instantânea.
Em nossa ação como adultos, é necessário internalizar que o cérebro de uma pessoa só finaliza a formação do lobo frontal – responsável pelo autocontrole e pela autorregulação diante de regras e oportunidades de escolha – por volta de 23 a 25 anos de idade. Isso significa que pais e educadores são os responsáveis por regular, limitar os momentos e os tempos em que tais aparelhos podem ser utilizados. Não basta contar com os combinados de guarda em mochilas, pois essas, geralmente, estão ao alcance fácil das mãos. A proximidade provoca o desejo, reforça o hábito de estar com o aparelho em uso, o que interfere no foco de atenção. É necessário propor e criar barreiras físicas, determinando os momentos em que possam ser entregues, novamente, seja para uso recreativo em intervalos e/ou nas atividades em que o uso pedagógico é significativo, como quando se requer pesquisa ou criação de ações que requeiram o suporte de aparelhos celulares.
No Colégio Marista João Paulo II, essas reflexões têm levado ao desenho de projetos que implantarão espaços de limitação, como os descritos acima, e favorecerão atitudes de consciência, visto que nosso compromisso é com a excelência da educação integral, com força de propostas pedagógicas envolventes, que desenvolvam valores, instiguem o espírito crítico e impulsionem o atingimento de objetivos acadêmicos. Também temos o compromisso de auxiliar pais, educadores e estudantes com práticas que visem à manutenção do foco e ao desenvolvimento de uma atitude de excelência frente aos objetivos de estudo, promovendo essas ações como forma de manutenção da saúde da mente e das atitudes que levam ao atingimento desses objetivos e metas.
E você, leitor, o que pensa sobre essa realidade nas escolas? Já refletiu sobre a forma como o uso do celular tem impactado nas suas ações do cotidiano em seu trabalho e na relação familiar? Estamos com urgência em relação a essas questões. Pare, avalie e reveja atitudes. Sua mente e as pessoas que lhe estimam certamente agradecem!