
Matéria escrita por Gabriella Collodetti, jornalista do CB Brands, estúdio de conteúdo do Correio Braziliense
A ocupação ilegal é um tema que levanta preocupações no Distrito Federal. Na prática, sabe-se que um indivíduo pode ocupar uma área desde que tenha concessão, com objetivos específicos – seja para moradia, agricultura ou até mesmo fins comerciais. Quando as regras envolvendo o uso da área não são respeitadas, o local é identificado como irregular.
De acordo com a Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF), atualmente, o entorno do Distrito Federal conta com cerca de 1,8 milhão de habitantes. Trata-se de pessoas que se mudaram para essa região devido à falta de oferta habitacional na área central.
“Todos adquiriram legalmente suas residências no entorno, mas poderiam ter feito isso aqui. Por que isso não ocorreu? Desde meados da década de 1990, aproximadamente 50% da expansão urbana do DF foi realizada de forma ilegal, um cenário que coincide com a interrupção da expansão urbana planejada que vinha sendo implementada até então”, pontua o presidente Roberto Botelho.

Na avaliação do executivo, essa ausência de oferta habitacional regular foi a grande responsável por esse problema. Nesse cenário, ele ressalta que, diante da gravidade da situação, é necessário um olhar atento em termos de moradia e urbanização. “O novo PDOT deveria priorizar o aumento da disponibilidade de imóveis legais no DF. Essa iniciativa teria o poder de causar uma transformação significativamente positiva na cidade, sendo esse o objetivo central que deveria nortear essa política”, afirma.
O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) é fundamental e orienta o desenvolvimento urbano e rural, além de definir o macrozoneamento de uma região. Na visão da Ademi-DF, apesar de a legislação ser crucial, especialmente no que tange a ocupação legal, ainda há diversas limitações. A expectativa é que sua revisão, agora em curso, corrija essas lacunas.
"Ele [o PDOT] não torna viável economicamente a ocupação do solo e impõe uma série de regras desconexas que dificultam o desenvolvimento urbano. A leitura da legislação atual revela que seu foco principal foi a regularização de ocupações ilegais, mas acabou negligenciando a criação de diretrizes claras para impedir novas irregularidades no futuro" Roberto Botelho, presidente da ADEMI-DF
O presidente da Ademi-DF recorda que, desde a década de 1960, o Distrito Federal tem enfrentado o problema das ocupações ilegais. "Inicialmente, houve uma resposta positiva a esse fenômeno, com a criação das cidades do Guará e Ceilândia", conta. Nas décadas de 1980 e 1990, um movimento semelhante trouxe avanços significativos com as regiões de Samambaia, Recanto das Emas e Santa Maria. "Contudo, em razão de um entendimento equivocado de que esse processo de criação e organização estaria aumentando a migração para a capital, essa iniciativa foi interrompida", complementa.
Os perigos das ocupações irregulares
O diretor de Política Habitacional da Ademi-DF, João Aciolly, explica que a ocupação ilegal impacta negativamente a qualidade de vida de uma região de diversas formas. Essas áreas, muitas vezes, carecem de infraestrutura básica, como saneamento, abastecimento de água e energia elétrica, comprometendo a saúde e o bem-estar dos moradores.
"A ausência de planejamento urbano também gera aumento desordenado no tráfego, insegurança e condições insalubres. Além disso, sem o devido licenciamento ambiental, essas ocupações resultam em danos irreparáveis à natureza, afetando toda a sociedade. Com frequência, essas áreas se tornam focos de vulnerabilidade social, limitando o acesso dos moradores a serviços essenciais, como saúde e educação", destaca.
Outro ponto de preocupação está atrelado às grilagens. Envolvendo ações fraudulentas, a grilagem é a apropriação e transação ilegal de terras públicas ou privadas. Aciolly comenta que há um prejuízo no desenvolvimento ordenado do Distrito Federal. "Esse crime agrava desigualdades sociais, beneficiando indivíduos que operam à margem da legalidade, enquanto comunidades inteiras permanecem sem acesso à moradia digna”, conta.
Historicamente, a grilagem no DF tem gerado impactos ambientais severos, incluindo o comprometimento de recursos hídricos. “Problemas de infraestrutura viária também são frequentes, pois a ocupação irregular cria demandas para as quais o planejamento urbano original não estava preparado", informa.

Por essa razão, Aciolly reforça a importância de adquirir um imóvel regular. Além de aspectos voltados à qualidade de vida, imóveis devidamente regularizados asseguram, ainda, a segurança jurídica do comprador. Com a documentação apropriada, podem ser financiados por instituições bancárias e protegem o proprietário de riscos legais, como disputas judiciais ou desapropriações.
“Esses imóveis passam por aprovação em órgãos competentes, como a Secretaria de Habitação, o Corpo de Bombeiros e concessionárias de infraestrutura, garantindo conformidade com as normas legais e promovendo a segurança de toda a sociedade. Propriedades regulares também apresentam maior valorização ao longo do tempo, oferecem retorno financeiro seguro e podem ser utilizadas como garantia para financiamentos”, contextualiza.
O impacto na infraestrutura urbana
Muitas das ocupações irregulares ocorrem em cinco tipos de áreas: de preservação ambiental, rurais, declivosas, sujeitas a alagamentos ou afastadas dos centros urbanos. Segundo o arquiteto e urbanista Jandson Queiróz, esses locais não costumam estar preparados para uma alta demanda, gerando impactos negativos profundos no meio ambiente construído e no meio ambiente natural existentes no local.
“O impacto negativo [das ocupações irregulares] ocorre, especialmente, em função das infraestruturas urbanas existentes nos locais em que os parcelamentos irregulares são implantados não estarem preparadas para atender, de forma adequada, às novas demandas dessa ocupação. Os problemas de infraestrutura urbana, gerados pelas ocupações irregulares do território, não são somente problemas de ordem técnica. Os impactos financeiros decorrentes são grandes e prejudicam os investimentos dos recursos públicos em soluções de infraestrutura urbana adequadas para cada local”, diz.
Na percepção do especialista, no DF, o grau dos impactos negativos mais significativos varia bastante em função das características de cada lugar onde as ocupações irregulares aconteceram ao longo do tempo. Mesmo que esses parcelamentos passem pelo processo de regularização fundiária, os impactos negativos dessa forma de ocupação do território podem perdurar por muito tempo, ou mesmo serem irreversíveis.
“Por exemplo, Vicente Pires e os problemas de drenagem urbana e ocupação das áreas de vereda; a Vila Cauhy (RA Núcleo Bandeirantes) e os problemas de inundação; a Vila Rabelo (RA Sobradinho II) e as ocupações em áreas de declividade; os Condomínios do Grande Colorado (RA Sobradinho II) e os Condomínios do Jardim Botânico e os problemas de mobilidade urbana e ausência de áreas para praças e equipamentos públicos próximos dos locais de moradia, dentre outros”, exemplifica.

Segundo Jandson, as soluções de muitos desses problemas já são tratadas hoje pelo poder público do DF, mas são quase sempre soluções complexas (até mesmo de remoção de parte das ocupações) que demandam muito tempo, grandes esforços e investimentos elevados.
Nesse cenário, para mudar essa realidade, o arquiteto ressalta que o principal instrumento do Planejamento e da Gestão Pública do território é o Plano Diretor. Ao criar e implementar políticas e planos que considerem as necessidades habitacionais da população, o planejamento urbanístico da cidade pode ajudar a evitar a formação de assentamentos informais e garantir que os locais ocupados irregularmente sejam integrados de maneira adequada à cidade.
"O papel do urbanismo na prevenção de ocupações irregulares é amplo e multifacetado e, por meio de um planejamento territorial eficaz, eficiente e sustentável pode resultar na construção de uma cidade mais justa e inclusiva contribuindo para o desenvolvimento urbano sustentável e a redução das desigualdades sociais", esclarece.