Impulsionada principalmente pela energia solar fotovoltaica (aquela energia dos telhados e pequenas usinas), a Geração Distribuída (GD) tem crescido no Brasil de maneira exponencial. O que poucas pessoas sabem é que um dos grandes vetores deste crescimento tão acelerado são os subsídios custeados pelas contas de luz dos demais. Portanto, temos uma fonte de energia limpa, renovável e competitiva, mas que poderá impactar R$390 bilhões no bolso dos consumidores de energia brasileiros até 2045, quando devem ser encerrados os subsídios.
A situação dos subsídios que pesam nas tarifas de energia não é de hoje: a cada ano, tem atingido patamares cada vez mais elevados. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), somente de janeiro a maio de 2023, de modo geral, os subsídios na tarifa de energia elétrica somam quase R$ 10,5 bilhões, representando 13,98% das contas de luz. Além da GD, os subsídios incluem também a Tarifa Social, setores de água, esgoto e saneamento, produtores rurais, entre outros. Nesse ranking, a GD está em terceiro lugar e ultrapassa, inclusive, o subsídio aos consumidores beneficiados pela Tarifa Social.
Segundo a Associação Brasileira de Energia Elétrica (ABRADEE), a Geração Distribuída já é altamente competitiva e, assim, os subsídios não são mais necessários. Na medida em que a geração solar distribuída cresce vertiginosamente, os subsídios também aumentam e vão parar nas contas dos demais consumidores. Tal cenário vem gerando preocupação em diversos agentes e autoridades do setor.
De acordo com as regras atuais estabelecidas pela legislação, o consumidor que utiliza o sistema de geração distribuída não paga encargos setoriais, e consequentemente, não contribui para o custeio de subsídios concedidos, por exemplo, à população de baixa renda (tarifa social de energia elétrica) ou à universalização do serviço. Também não paga o uso da rede de transmissão e da rede de distribuição sobre a parcela compensada, mesmo usufruindo de todo este sistema.
“Imagine um grupo de pessoas que se reúne para cotizar o transporte de ônibus de um itinerário a outro. Com o tempo, algumas pessoas vão deixando de pagar a conta por algum motivo, mas continuam usufruindo do sistema de transporte. O custo desse ônibus não deixa de existir porque alguns pararam de pagar, ele permanece lá sendo pago pelos outros usuários. É mais ou menos assim que podemos descrever uma situação que tem impactado as contas de luz de todos os brasileiros. Assim como ilustrado pelo exemplo do ônibus em que parte dos usuários utilizam o transporte, mas como não pagam por ele, os demais “passageiros” arcarão com esse custo”, explica o presidente da ABRADEE, Marcos Madureira.
A entidade destaca, ainda, que fontes renováveis são um orgulho nacional, pois compõem a maioria da matriz elétrica brasileira. “Somos exemplo para muitos países do mundo inteiro em produção de energia limpa e renovável. Aqui no Brasil, podemos dizer que nosso principal desafio é a defesa de uma tarifa menos onerosa, mais justa e acessível a todos os brasileiros”, destaca o presidente da ABRADEE, Marcos Madureira. Para ele, é preciso buscar formas de reduzir os subsídios, e não gerar novos custos.
Projeto de Lei pode aumentar os subsídios em R$ 93 bilhões até 2045
Na última semana, durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados na Comissão de Defesa do Consumidor, o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, destacou: "Não se trata de ser contra a GD, contra a eólica, contra a solar. Mas de ser contra a transferência de custos de quem pode usar para quem não pode usar".
Segundo levantamento a partir de dados da ANEEL, a evolução da GD nos últimos anos superou todas as expectativas do próprio mercado e de órgãos setoriais. Somente em 2022, as distribuidoras conectaram mais de 765 mil unidades GD, e neste ano a potência instalada da modalidade já ultrapassa a marca de 21GW. Para se ter uma ideia, a Usina de Itaipu tem a capacidade de 14GW. Isso sem considerar, claro, o fator de carga, pois a energia solar conta com uma característica de intermitência, ou seja, só gera energia quando tem sol. No total, são 2,5 milhões de unidades consumidoras que recebem os créditos de 1,9 milhões de instalações por meio do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE).
Tramita, em regime de urgência na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 1292/2023, que prevê a ampliação dos subsídios à Geração Distribuída, o que deve gerar um impacto adicional de R$ 93 bilhões até 2045. Um valor que se soma aos subsídios que a modalidade já possui, que só neste ano alcançarão, segundo projeção realizada pela ANEEL em outubro de 2022, R$ 5,4 bilhões e serão repassados às tarifas dos demais consumidores.
Em vigor desde janeiro de 2022 a Lei 14.300/2022 trouxe garantias ao setor elétrico e aos consumidores, estabelecendo o Marco Legal da Geração Distribuída. A lei trouxe uma limitação, com uma redução escalonada dos subsídios para usuários que solicitaram sua conexão após 07 de janeiro de 2023. Ainda assim, os custos para subvencionar a geração distribuída deverão alcançar, em termos nominais, R$ 297 bilhões entre 2023 e 2045.
Com as iniciativas propostas no PL 1.292/2023, essa conta poderá ultrapassar R$ 390 bilhões até 2045, ao criar novos subsídios para os usuários que recebem créditos de sistemas de Geração Distribuída. O alerta foi apresentado este mês em uma carta divulgada pela Frente Nacional dos Consumidores de Energia, assinada por uma série de agentes setoriais como. ABRACEEL (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia) ABRACE (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres); ABEOÓLICA (Associação Brasileira de Energia Eólica) e ABRADEE.
“O Projeto de Lei propõe alterações que aumentam a complexidade operacional, incentivam a comercialização dos créditos gerados, distorcendo a lógica da MMGD, sobrepõem-se aos termos do acordo setorial que originou a Lei 14.300/22 e acentuam as diferenças de tratamento entre consumidores com e sem Micro ou Minigeração Distribuída. Defendemos energia segura e justa para que o Brasil possa liderar o processo de transição energética, sem novos subsídios na conta de luz, com liberdade de escolha para os consumidores e competição isonômica entre as fontes de energia. Só assim, seremos o país da energia limpa e da conta barata”, diz um trecho da carta.
Para o presidente da ABRADEE, a medida traz enormes prejuízos ao mercado e a toda sociedade. “Além de trazer mais custos às tarifas dos outros consumidores, esta proposta traz fragilidade operacional ao processo e gera enorme insegurança jurídica ao setor elétrico e ao mercado. Temos uma Lei que foi fruto de uma intensa negociação e acordo entre Associações, Governo e Congresso Nacional, aprovada em 2022. Tivemos também a regulamentação da ANEEL neste ano, que recebeu contribuições de todos os agentes para que se chegasse ao texto final. Ou seja, tudo amplamente debatido e acordado entre os diversos agentes setoriais. Criar uma nova lei alterando uma legislação recém-criada é algo muito preocupante. Descumprir o que foi acordado traz imensa insegurança e ônus adicional para os consumidores de energia elétrica brasileiros”, explica Madureira.