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Polícia paulista mata mais crianças e jovens, mostra pesquisa

Levantamento da Unicef e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que 34% dos jovens mortos violentamente no estado foram vítimas de operações das forças de segurança

Protesto pela morte de Ryan. Menino foi atingido por bala disparada de um dos policiais que participou da operação no Morro São Bento, em Santos -  (crédito: Luana de Oliveira/Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio)
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Protesto pela morte de Ryan. Menino foi atingido por bala disparada de um dos policiais que participou da operação no Morro São Bento, em Santos - (crédito: Luana de Oliveira/Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio)

Um levantamento elaborado em conjunto pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado ontem, mostra que, em 2024, 34% das crianças e adolescentes mortos violentamente no estado de São Paulo foram vítimas de ações policiais. Isso representa que uma em cada três óbitos brutais e intencionais nessa faixa etária ocorreu em intervenções das forças de segurança.

As mortes de crianças e adolescentes em decorrência de intervenções policiais aumentaram 120% no estado de São Paulo, entre 2022 e 2024. A pesquisa mostra um padrão entre as vítimas da letalidade policial em São Paulo. Jovens negros, moradores de áreas carentes e sem acesso a políticas públicas são os mais atingidos.

Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do FBSP, salienta que "para pensarmos em soluções desse problema, temos que considerar o racismo estrutural, que atua de maneira transversal na geração de desigualdades na população. Nenhuma solução que tangencie essa questão vai dar conta de impactar a letalidade e salvar vidas".

Segundo Carvalho, políticas concretas podem ser implementadas para reduzir essas mortes, mas exigem coordenação entre diferentes áreas. "Existem, sim, políticas e medidas concretas, e elas dependem de outras áreas (educação, assistência social, trabalho) que podem reduzir essa letalidade. Uma boa experiência é o Comitê de Prevenção e Combate à Violência do Ceará, que há quase oito anos produz evidências e recomendações para influenciar políticas públicas de prevenção da violência", exemplifica.

Por conta do aumento da letalidade policial, especialistas ressaltam a necessidade de uma abordagem mais ampla e estruturada para enfrentar o problema. Carvalho alerta para a responsabilidade do governo em assumir essa pauta como prioridade.

"É preciso que o governo assuma essa pauta como urgente e se posicione com firmeza, passando a mensagem de que o controle do uso da força e a redução da letalidade e da vitimização policial sejam prioridades. Até 2022, vimos uma grande redução na letalidade policial, mas, a partir de 2023, o governo se reposicionou, e um dos resultados foi esse aumento alarmante", criticou.

Justificativas

A Polícia Militar de São Paulo (PMSP) reconhece o aumento das mortes em confrontos, mas critica a forma como os dados foram apresentados na pesquisa conjunta da Unicef e do FBSP. O chefe da comunicação social da PMSP, coronel Emerson Massera, afirma que não se pode comparar homicídios com mortes em decorrência de intervenção policial.

"A comparação é inadequada e contraria métricas nacionais e internacionais. Essas ocorrências envolvem suspeitos de crimes graves, como roubo, latrocínio e até homicídio. Além disso, também temos policiais feridos e mortos nessas operações", argumentou.

Sobre o crescimento das mortes de adolescentes, o coronel afirma que esse aumento acompanhou a escalada da violência no estado. "O total de mortes em confrontos com a polícia, considerando adultos e adolescentes, aumentou 153%. Ou seja: não há um comportamento direcionado a um grupo específico, mas sim um reflexo do aumento da criminalidade", explicou.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo destacou que não compactua com desvios de conduta ou excessos por parte de seus agentes e que pune rigorosamente todas as ocorrências dessa natureza. Segundo a SSP-SP, desde 2023 mais de 550 policiais foram presos e 364 foram demitidos ou expulsos. Ressalta, também, que todos as chamadas Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP) são investigadas pelas polícias Civil e Militar, com acompanhamento das corregedorias, do Ministério Público e do Judiciário.

Menino de 4 anos

Um dos casos de morte de crianças mais recente, que coloca a PMSP na berlinda, é o de Ryan da Silva Andrade Santos, de quatro anos, atingido por uma bala em uma operação policial no Morro São Bento, em Santos, no litoral paulista, no ano passado. O laudo da perícia confirmou que o disparo partiu da arma de um policial militar — que levou ao afastamento de sete agentes que partciparam da incursão.

A Polícia Militar argumenta que a morte de Ryan não deve ser contabilizada como uma intervenção policial tradicional. O coronel Massera afirma que os policiais envolvidos foram atacados e reagiram para se defender.

"O caso do Ryan consternou a todos nós, inclusive os policiais envolvidos. Mas não foi uma morte decorrente de intervenção. Os policiais foram atacados e reagiram para proteger a própria vida. Infelizmente, o menino foi atingido por um projétil que ricocheteou. Ninguém queria produzir esse resultado", disse.

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

postado em 04/04/2025 03:55