violência

Mulheres têm cabeça raspada por "fofoca" em comunidade do RJ

Punição foi imposta por traficantes de comunidade na Zona Norte do Rio e vídeo circulou nas redes

Humilhação imposta às mulheres por meio da cabeça raspada é uma das punições previstas pelos tribunais do tráfico nas favelas cariocas -  (crédito: Fotos: Reprodução/Redes sociais)
Humilhação imposta às mulheres por meio da cabeça raspada é uma das punições previstas pelos tribunais do tráfico nas favelas cariocas - (crédito: Fotos: Reprodução/Redes sociais)

Um vídeo que circula nas redes sociais mostra três mulheres sendo agredidas e humilhadas por traficantes da comunidade da Serrinha, em Vaz Lobo, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Elas têm os cabelos raspados à força com máquinas e lâminas de barbear — uma delas ainda tem tampas de garrafa coladas à cabeça. Além disso, os agressores ameaçam aplicar 50 chineladas em cada uma delas.

De acordo com investigações, as agressões seriam por causa da participação das três na disseminação de "fofocas" na comunidade, por meio de grupos de mensagens. A Polícia Civil do Rio confirmou que são imagens recentes e foram recebidas na delegacia de Madureira, bairro vizinho à Serrinha. Investigadores tentaram localizar as mulheres e identificar os agressores. A principal linha de investigação sugere que o crime ocorreu sob a influência da facção Terceiro Comando Puro (TCP), que domina a Serrinha — o chefe local do tráfico é Wallace de Brito Trindade, o Lacoste, que tem passagens por homicídio qualificado, associação para o tráfico e é foragido da Justiça.

A humilhação de mulheres por meio do cabelo raspado à força não é uma punição inédita. Um dos episódios históricos mais veementes disso ocorreu depois que a França foi libertada do jugo nazista, na II Guerra Mundial. Aquelas que foram acusadas de manter algum tipo de relacionamento com oficiais alemães que ocuparam o país foram perseguidas.

São vários os registros de que, uma vez alcançadas, elas tiveram os cabelos raspados, as roupas pintadas e desfilaram dessa maneira pelas ruas. Houve episódios nos quais a humilhação de raspar os cabelos e serem apresentadas ao público não bastaram: tiveram também de ficar nuas diante da comunidade.

Pela lei do tráfico carioca, raspar o cabelo é a pena imposta àquela mulher apontada como disseminadora de intrigas entre os moradores da comunidade. Para casos como não pagamento de dívidas, adultério, recusa em manter relacionamento amoroso ou sexual com o chefe do bando local, cometimento de algum tipo de furto ou ser informante da polícia, a punição é a morte — dependendo da gravidade de um desses "delitos", conforme o julgamento do tribunal do crime, o corpo da vítima não é devolvido.

O Correio ouviu estudiosos de direitos humanos e de violência de gênero, que analisaram o episódio. Segundo a pesquisadora Maíra de Deus Brito, "historicamente as mulheres e a ideia de feminino foram relacionadas a ter cabelos longos. A prova disso são os preconceitos que existem até hoje com mulheres de cabelos curtos, que estariam doentes ou que não seriam tão femininas assim. Fazer qualquer alteração no corpo de uma mulher sem autorização é uma grande violência. Nesse caso, fica ainda mais evidente o machismo. Tentar controlar os corpos femininos sempre foi uma estratégia de poder", frisou.

Lei do terror

O criminalista Carlos Fernando Maggiolo também fez uma análise do episódio. Para ele, a agressão tem o objetivo claro de impor terror e controle sobre a comunidade. "Agindo assim, conseguem intimidar todos sem que haja, efetivamente, a necessidade de se executar ninguém. Para a mulher, o cabelo passando pela autoestima e pela identidade feminina. Os agressores cortaram os cabelos com o intuito de humilhar", explicou.

Kelly Quirino, professora da Universidade Católica de Brasília e especialista em gênero e raça, classificou o ataque como uma manifestação de misoginia. "Raspar o cabelo é uma forma de ferir a feminilidade dessas mulheres, para ela não ser reconhecida como uma mulher, para ela ter vergonha", observou.

 

*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi 

 

Vitória Torres*
VT
postado em 09/01/2025 03:55
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