Análise

Alexandre Garcia: 'É impossível identificar um rumo para o Brasil'

"Com uma população em maioria indiferente a objetivos nacionais, e com elites que mal conseguem observar a periferia de seus umbigos, é impossível identificar qualquer rumo para o país. Sem espírito público, sem ativismo cidadão", diz jornalista

O ex-governador de Brasília e ex-senador José Roberto Arruda me perguntou que rumo prevejo para o Brasil. Respondi que não tenho bola de cristal e, sem ela, nosso rumo é impossível de prever. E citei o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, como havia citado, horas antes, em conversa com o ex-presidente Jair Bolsonaro: "No Brasil, até o passado é imprevisível".

Argumentei que estamos à mercê do acaso. Com uma população em maioria indiferente a objetivos nacionais, e com elites que mal conseguem observar a periferia de seus umbigos, é impossível identificar qualquer rumo para o país. Sem espírito público, sem consciência social, sem ativismo cidadão, sem objetivos nacionais, com uma passividade quase masoquista, é impossível prever o dia de amanhã, identificar um rumo, uma meta para o Brasil, a não ser uma caminhada errante, andando cada passo sem saber onde pisa nem para onde vai.

Se tivéssemos fidelidade à Constituição, pelo menos teríamos disciplina sobre a estrada e suas margens, mas até disso fomos privados. O guardião da Constituição se tornou mais importante que ela. Faz as regras sem perguntar aos que representam o poder originário.

O Legislativo, que recebeu a procuração do voto da origem do poder, não parece representar seus mandantes. A omissão dos que juraram defender e manter a Constituição resvala nos desvios do Estado Democrático de Direito. Quem poderia corrigir, o Senado, está congelado por um presidente inerte. O presente e o futuro rumam "qual pluma ao vento", como a ária da ópera.

Aí, tudo aqui é imprevisível. Ninguém sabe o que pode ser o dia seguinte — na economia, na política, nas liberdades. Podemos amanhecer com um general de quatro estrelas preso. Ou com a notícia de um garçom de 32 anos que, em vez do Sírio-Libanês, procurou uma UPA e morreu esperando. Ou um manifestante no presídio morrer por falta do tratamento implorado.

Podemos acordar com o dólar acima dos R$ 6 ou com a picanha ainda mais longe. Os juros, a dívida pública subindo por excesso de gastos do governo. O IVA mais alto do mundo. Todos os que juraram manter e defender a Constituição, a lei e a ordem, vivem seu próprio mundo de interesses egoísticos, e lavam as mãos sobre o futuro de seus filhos, netos e bisnetos. Vivem o suposto conforto de uma fuga que só faz agravar o mal. Num sem rumo sem volta, com a enganadora abstração da esperança.

O poder faz, volta e meia, lancetadas, para saber se a cidadania ainda sobrevive a tantas amputações de direitos, e se ouvem apenas gemidos. A liberdade de expressão vai sendo sufocada. Busca-se anular a proibição à censura para calar onde ainda existe a voz produtiva da crítica. Relativiza-se a inviolabilidade do mandato parlamentar, jogam-se pazadas de cal sobre o devido processo legal. Inverte-se a relação Estado-nação, para que o Estado seja o senhor da nação, ao invés de existir para servir ao povo. Só se justificam impostos se for para prestar bons serviços à nação — e não para sustentar o Estado ineficiente.

E, assim, sem norte, sem rumo, sem saber para onde vamos, passamos de um dia para o outro, sem perceber que no caminho vamos afundando em areias movediças.

 

Mais Lidas