Após nove anos de debates, o povo Kayapó deu um importante passo na luta pela preservação de seus direitos e territórios. Cerca de 40 lideranças da Terra Indígena (TI) Kayapó, representantes de organizações civis e do governo lançaram, na semana passada, o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) e o Protocolo de Consulta da TI Kayapó.
Os documentos foram elaborados, de forma coletiva, pelas mais de 80 aldeias Kayapó, localizadas no sudeste do Pará. Eles garantem que decisões sobre a terra sejam tomadas pelos próprios indígenas, como forma de deixar que escolham como querem que as próprias terras sejam geridas, e não o governo ou as forças, assegurando segurança e autonomia para as comunidades.
Com o PGTA, cerca de 7 mil kayapós, que vivem em uma área de mais de 3 milhões de hectares, serão beneficiados. Já o Protocolo de Consulta assegura que nenhum projeto ou iniciativa que impacte as terras Kayapó seja implementado sem consulta prévia às comunidades, como exige a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
"O plano é uma ferramenta de defesa e segurança para os povos indígenas, principalmente para as futuras gerações, independentemente do governo que esteja no poder. Foi preciso fazer todo um processo de consulta, levar informação para dentro das comunidades, adquirir a confiança e mostrar que esse trabalho é importante para a defesa do território. Foi uma discussão longa", disse o representante do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) e da Associação Angrokrere, Sandro Takwyry Kayapó, que participou ativamente do processo de elaboração do plano.
Direitos ameaçados
Sandro destacou que a elaboração dos documentos ocorre em um contexto de ameaças constantes aos direitos indígenas, incluindo a tese do marco temporal. "Os nossos direitos estão sendo ameaçados por todos os lados. A tese do marco temporal deveria ser inconstitucional, por não reconhecer o direito original dos povos indígenas ao território", declarou. O PGTA critica fortemente a atuação de agentes externos, como grileiros e madeireiros ilegais, que destroem o meio ambiente e ameaçam a cultura indígena.
Em relação à participação coletiva de todo o povo Kayapó, a representante da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Oé Kayapó, enfatizou a participação das mulheres e mães no processo de criação do PGTA. "As mulheres têm um pensamento e uma complementação coletiva. Elas que estão nas aldeias e sentem os primeiros impactos que aparecem, seja das mudanças climáticas, da agressão ao território ou da alimentação. Também são elas que sabem da situação da saúde da comunidade e que vão para a cidade procurar saúde e proteção social", afirmou.
O PGTA também contempla diretrizes para a saúde indígena, valorizando conhecimentos tradicionais sem descartar a medicina ocidental. "O plano reconhece o trabalho dos pajés, das parteiras e o uso de ervas medicinais, enquanto também garante acesso aos remédios da farmácia", destacou Bebô Kayapó, coordenador do DSEI Kayapó Pará.
Cinco eixos
O plano está estruturado em cinco eixos principais, que abordam questões culturais, ambientais, produtivas, de saúde e de governança. Cada eixo apresenta diretrizes que serão implementadas de forma contínua no território. Os eixos são: Cultura e conhecimento; Território, ambiente e infraestrutura; Atividades produtivas e geração de renda; Saúde e Governança e fortalecimento político.
Com o plano em mãos, os kayapós pretendem dialogar com instâncias governamentais e parceiros para garantir a homologação e implementação efetiva das diretrizes. Além disso, a comunidade Kayapó espera que o PGTA sirva de exemplo para outros povos indígenas, incentivando a criação de estratégias semelhantes para preservar suas terras e culturas.
Eles enfatizam que, embora a TI Kayapó esteja demarcada há mais de 30 anos, nunca houve, até então, um documento que expressasse claramente os objetivos e intenções do povo em relação a gestão do território.
Os kayapós consideram o lançamento do PGTA uma conquista importante, mas reconhecem que é apenas mais um passo na longa luta pela proteção de sua terra e cultura. O PGTA também traz críticas ao homem branco, apontado como o principal responsável por roubar, invadir e degradar as terras Kayapó, além de representar uma ameaça à preservação da cultura indígena.
Terra Indígena Kayapó
A Terra Indígena Kayapó, homologada em 1991, possui uma área de mais de 3,2 milhões de hectares e está localizada no sul do Pará, no extremo sudeste amazônico. Junto a outros territórios contíguos, forma um bloco de 10,6 milhões de hectares de florestas e cerrados, que trabalham na manutenção do clima e no regime de chuvas, não só no Brasil, mas globalmente.
Apesar de enfrentar intensas pressões de redes criminosas ligadas à exploração de ouro e madeira, os kayapós têm resistido bravamente, protegendo seus recursos naturais e cultura. A elaboração do PGTA e do Protocolo de Consulta contou com o financiamento do Fundo Amazônia/BNDES, do Instituto Socioambiental e da Vale, além do apoio da Funai, da Secretaria Especial de Saúde Indígena e da Associação Angrokrere.
*Estagiária sob a supervisão de Edla Lula
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