A Justiça Federal do Distrito Federal (TRF-1) suspendeu, na terça-feira, a resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que apresentava diretrizes sobre o aborto legal para crianças e adolescentes. A decisão foi uma resposta ao pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que relatou ilegalidade no processo da 4ª Assembleia Extraordinária do Conanda, realizada um dia antes. Para a senadora, a orientação tirava a autonomia da família ao dispensar a necessidade de denúncia contra o abuso sexual e permissão dos pais para o procedimento. De acordo com ela, um representante da Casa Civil pediu vistas à discussão da resolução sobre o aborto, mas não foi atendido.
No Brasil, a interrupção da gestação é permitida em três situações: quando representa perigo para a vida da mãe, quando a gravidez é fruto de um estupro e em caso do feto ser anencéfalo (sem cérebro).
O juiz que analisou o caso, Leonardo Tocchetto Pauperio, entendeu que, de fato, houve um equívoco em não conceder o pedido de vistas do representante do Executivo. "Note-se que o pedido de vistas apresentado durante a tramitação de deliberações implica a suspensão automática da votação ou decisão, até que o pedido seja analisado e o prazo de vistas seja cumprido", diz um trecho da decisão judicial, publicada na véspera do Natal.
"A resolução do Conanda não será publicada. Acabou de sair a decisão da ação que ingressei, pela madrugada, contra a decisão do Conanda. A família brasileira ganhou, a autonomia brasileira ganhou", declarou a senadora. Com isso, a resolução não pode ser publicada pelo Conselho.
A primeira versão da resolução permitia o aborto em jovens menores de 14 anos vítimas de agressões sexuais até o nono mês de gestação. Também previa o procedimento sem a necessidade de um Boletim de Ocorrência (BO), ação judicial permitindo o procedimento ou consentimento dos pais. Na segunda versão, tanto o BO quanto a decisão judicial e consentimento dos pais estão incluídos no processo, mas a vítima ainda tem o direito de escolher seguir em frente com o aborto ou não, após aconselhamento profissional. Além disso, a resolução, antes da revisão, não falava da possibilidade de continuar com a gravidez, havendo assistência médica para entregar o recém-nascido para a adoção após o parto. No novo modelo, o aconselhamento para manter a gestação e fazer a doação após o nascimento retorna à diretriz.
Embate
Antes mesmo de Damares apresentar a ação judicial, o governo federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), publicou uma nota sobre o assunto, mostrando estar em desacordo com a decisão do Conanda, que está no escopo da pasta. "Durante a discussão da proposta, o governo questionou insistentemente os termos da Resolução e o MDHC fez um pedido de vistas, conforme previsto pelo regimento interno do colegiado", diz o texto.
Em defesa, a ala de participação da sociedade civil do Conanda afirmou que a resolução estava em construção desde setembro e que o governo não participou ativamente das reuniões. "O processo foi marcado por reiteradas ausências de conselheiros governamentais em reuniões cruciais, além de intervenções pontuais realizadas somente ao final da elaboração. Mesmo após o prazo regimental para contribuições, o MDHC limitou-se a reafirmar a necessidade da medida, sem apresentar ajustes concretos, adotando estratégias que retardaram decisões urgentes", diz nota da área social do Conanda.
Além disso, os conselheiros da sociedade civil alegam que o parecer jurídico, mencionado pelo ministério, nunca foi apresentado formalmente ao Conselho. "Quanto ao mérito, a resolução não inova o direito ao aborto legal, previsto no Código Penal desde 1940, apenas detalha o fluxo para garantir os direitos das crianças e adolescentes, protegendo-as da violência e violação de direitos", detalha ainda o texto da sociedade civil sobre o teor da resolução.
Agora, o Conanda tem 10 dias para apresentar à Justiça Federal os motivos para não ter sido concedido vista ao texto, a pedido de representante do governo.