POVOS ORIGINÁRIOS

Indígenas celebram o Natal? Conheça a lenda Çuriçawara

Para o povo indígena Sateré-Mawé, no lugar do "bom velhinho" barbudo, com roupa vermelha e branca, está um casal de idosos, a Hary e o Karimã

Para homenagear o casal, as pessoas começaram a distribuir presentes e criaram uma data para celebrar o legado de Hary e Karimã -  (crédito: Divulgação/Wanessa Ribeiro)
Para homenagear o casal, as pessoas começaram a distribuir presentes e criaram uma data para celebrar o legado de Hary e Karimã - (crédito: Divulgação/Wanessa Ribeiro)

Para os cristãos, o Natal marca o nascimento de Jesus Cristo e é um momento de reafirmar a fé e se reunir com a família. Depois, com o tempo, o Papai Noel virou outro símbolo natalino. No entanto, essa data tem outros significados no Brasil e ao redor do mundo — muitos deles ainda desconhecidos ou invisibilizados.

Para o povo indígena Sateré-Mawé, que vive entre o Amazonas e o Pará, no lugar do "bom velhinho" barbudo com roupa vermelha e branca, está um casal de idosos, a Hary e o Karimã. Já o cenário de neve, trenó e renas, dar-se lugar a floresta amazônica.

Segundo o professor e escritor Yaguarê Yamã, Hary signfica vovó na língua sateré. Ela é a esposa de Karimã, outro nome nativo que signfica "massa de mandioca" em nheengatu. Os dois, por não terem filhos, decidem fazer brinquedos e presentear as crianças em todo final do ano.

Conforme a lenda indígena, enquanto Hary costumava distribuir presentes e doces para as crianças, Karimã se ocupava fazendo cestarias para dar aos adultos.

O tempo passou e os idosos acabaram morrendo. Para homenagear o casal, as pessoas começaram a distribuir presentes e criaram uma data para celebrar o legado de Hary e Karimã. Assim nasceu o çuriçawara, conhecido como dia da felicidade.

"Quanta coincidência temos. O Çuriçawara foi esquecido para dar lugar ao Natal dos jesuítas. Todos os povos têm sua cultura ancestral. Cultura o Brasil tem demais. O que falta é conhecimento de si." afirma Yaguarê.

Autor de 40 livros, o escritor indígena busca apresentar a riqueza cultural dos povos originários, em uma espécie de "resgate da brasilidade". "Eu sou ativista e minha literatura é toda de ativismo. Essa riqueza toda que nós temos tem que estar junto com o nosso coração e com a nossa consciência. Essa brasilidade permite que a gente procure histórias e informações que a maioria desconhece", frisa Yaguarê ao Correio.

O escritor e professor retratou a lenda amazônica no livro Hary e Karimã: Os bons velhinhos da floresta, publicado pela Editora do Brasil. Em um trecho da obra, Yaguarê conta que ao se aproximar o dia da felicidade, as pessoas fazem boas ações, cuidam de pessoas doentes, dão presentes e se reúnem em família para celebrar a paz, o amor e a fraternidade, sempre na esperança de um mundo melhor.

"Os agricultores passaram a reunir banana, goiaba e tantas outras frutas dentro de uma cesta chamada pikúa para comer com os familiares. Já os caçadores passaram a caçar o jacu, uma espécie de ave nativa da floresta, para suas esposas prepararem e servirem como homenagem ao velhinho Karimã", diz o livro.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

"É por isso que todo final de ano é assim. E se em algum fim de ano dia ou noite estão chuvosos, não é porque o tempo está ruim. A chuva nessa época significa bênçãos e vem justamente para abrilhantar o sentimento saudoso dos bons velhinhos e coroar a felicidade do momento", cita o autor.

Aline Gouveia
postado em 23/12/2024 11:21
x