A cidadania italiana traz diversos benefícios, como facilidade para ingressar em faculdades no país, além de oportunidades de trabalho e acesso livre para transitar nos países da União Europeia. No entanto, conseguir o título deve ficar mais difícil com novos projetos de lei que tramitam no país.
Nos últimos anos, o número de brasileiros que obtiveram cidadania pela Itália aumentou significativamente. Os dados mais recentes mostram que, em 2022, foram concedidos 11,2 mil títulos de cidadão italiano para brasileiros — o que corresponde a praticamente o dobro do ano anterior. O levantamento foi feito pelo Eurostat, o instituto de estatísticas oficial da União Europeia.
Uma das explicações para este avanço é o aumento das emissões de cidadania pelo direito "ius sanguinis" (direito de sangue), que permite a concessão do título a descendentes do país europeu sem limite geracional. Nesse contexto, o Instituto de Estatísticas Italiano (Istat) apurou que 83% das cidadanias concedidas em 2022 tiveram como causa principal este princípio.
Apesar da crescente, o processo deve ficar ainda mais caro e dificultar o trâmite para os descendentes que desejam tirar a cidadania. Está em discussão no parlamento italiano a proposta orçamentária para 2025 que prevê aumento do valor para iniciar o procedimento.
Atualmente, o requerente deve pagar uma taxa de 545 euros por processo - o que pode incluir mais de uma pessoa, até dezenas. Se for aprovada, a nova lei elevaria o preço para 600 euros, sendo que esse valor seria para pagar o processo de apenas uma pessoa.
O projeto ainda está em discussão e pode ser sancionado até o dia 30 de dezembro. As discussões ocorrem atualmente na Comissão de Orçamento e a votação em plenário está prevista para ocorrer nesta semana.
A Associazione Nazionale Forense (ANF), que representa a categoria de advogados italianos, emitiu uma nota contra o artigo que elevaria o valor do processo. A associação sustenta que a medida impõe barreiras financeiras desproporcionais, além de ferir princípios constitucionais, limitando o acesso à justiça para muitos cidadãos.
Outro projeto em tramitação no parlamento italiano também promete causar mais empecilhos ao processo. A medida se soma a uma outra proposta parecida, de autoria do senador Roberto Menia, que trata sobre os requisitos para ser cidadão no país. Além do aumento da taxa para iniciar o processo, o texto também trata sobre a limitação de parentesco e instituição de um período maior de residência em território italiano.
De acordo com a nova legislação, apenas descendentes de até a terceira geração (bisnetos) poderiam solicitar a cidadania. O candidato ainda precisaria residir na Itália por um ano antes de iniciar o processo e comprovar um nível intermediário no idioma italiano.
Atualmente, o processo é acessível para descendentes de qualquer geração e não exige residência prévia nem conhecimento da língua, como explica o CEO da Aquila Global Group, Lucas Lima. "Se aprovado, o projeto restringiria o acesso a milhares de brasileiros que, na maioria, já são de quarta ou quinta geração, e tornaria o processo mais burocrático e oneroso, refletindo um desejo de limitar o número de novos cidadãos", avalia o especialista em visto e cidadania estrangeira.
Vantagens
O título de cidadão italiano, além de dar o direito de residir e trabalhar em qualquer país da UE, facilita o acesso a empregos, saúde e educação pública. "Outro ponto importante é que a cidadania italiana é vitalícia e pode ser passada para futuras gerações. Isso significa que os seus descendentes também poderão desfrutar desses benefícios, mantendo o legado familiar, pois a cidadania italiana não possui limites de geração", explica a especialista em Direito dos Estrangeiros e Nacionalidade e sócia da Você Europeu, Tammy Cavaleiro.
Cerca de 15% da população brasileira possui ascendência italiana, o que corresponde a mais de 30 milhões de pessoas. Em 2024, a chegada do primeiro navio com imigrantes italianos no Brasil completa 150 anos. Um dos descendentes que faz parte dessa numerosa população é o brasiliense Eduardo Matos, de 21 anos, bacharel em Ciências Contábeis pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub).
O tataravô de Eduardo foi um dos italianos que vieram ao Brasil ainda no início do século XX. Além dessa ancestralidade, muitos familiares já conseguiram o título de cidadão no país, a exemplo da mãe, que também tem o passaporte europeu. Para o brasiliense, ter a cidadania de um país da União Europeia poderia abrir muitas portas e facilitaria a entrada em diversas fronteiras mundo afora. "Ter essa facilidade de viajar é uma das coisas que eu sei que o passaporte italiano permite", reconhece.
Caso a lei fosse aprovada, Eduardo ainda assim poderia entrar com um pedido de cidadania, algo que ele já planeja a médio prazo, visto que a mãe já tem o título de cidadã. Para quem é bisneto, ou tataraneto, em diante, isso já não seria possível, pela restrição de gerações indicada na lei em discussão. Ainda assim, a taxa poderá ficar mais cara, além da exigência maior de fluência na língua.
"Eu acho (a proposta) ruim, principalmente porque, no Brasil, muitas pessoas têm essa descendência. E hoje a Europa passa muito por um ambiente de envelhecimento populacional. Por exemplo, eu tenho 21 anos. Se tirasse a cidadania italiana, seria possivelmente mais uma pessoa para ajudar nesse contra-envelhecimento da população", considera Eduardo.
Dicas
O especialista em cidadania italiana, Gabriel Del Bello, dá uma dica para quem ainda tem dúvidas sobre entrar com o processo. "O meu sincero conselho, tendo em vista essa possível mudança e outras como a proposta da nova Lei Orçamentária de 2025 que prevê criação de uma taxa extra para protocolar processos, é que não tarde mais em entrar com seu processo. É necessário aproveitar a lei como está atualmente, sem gastos ou tempos indevidos a mais", afirma.
Apesar da possível mudança, quem já entrou com o processo e ainda não foi finalizado não seria afetado pela aprovação do projeto. Além disso, as pessoas que não entraram com o processo, mas que já nasceram, também não serão prejudicadas, conforme explica Tammy Cavaleiro.
"Os principais afetados serão as pessoas que vão nascer após a aprovação, e apenas se não iniciarem o pedido enquanto menores de idade. A Itália preserva o princípio da Unidade Familiar, defendido na União Europeia, então mesmo o menor de idade que nascer após a aprovação do Projeto Menia poderá ter direito à nacionalidade italiana", destaca.