MINAS GERAIS

Risco persiste e eleva a incerteza ao redor da mina em Conceição do Pará

Com 119 casas interditadas, comunidade de Casquilho de Cima teme perder tudo o que tem. Previsão de chuva complica cenário

Com o colapso da pilha, rejeitos da Mina Turmalina avançaram sobre a comunidade, onde cinco casas foram completamente soterradas e quase 120 estão isoladas, sob ameaça -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Com o colapso da pilha, rejeitos da Mina Turmalina avançaram sobre a comunidade, onde cinco casas foram completamente soterradas e quase 120 estão isoladas, sob ameaça - (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Conceição do Pará (MG) — Ao longo das estreitas vias da comunidade de Casquilho de Cima, em Conceição do Pará, no Centro-Oeste de Minas Gerais, fitas e placas de isolamento sinalizam uma situação de emergência. A ameaça de novos deslizamentos na Mina Turmalina, operada pela mineradora canadense Jaguar, mantém em alerta moradores e autoridades. Após o colapso de uma pilha de rejeitos que destruiu parte do vilarejo, a segurança das estruturas segue sendo monitorada de perto.

Ao todo, 134 pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas às pressas na manhã de sábado (7/12), muitas sem tempo para pegar mais do que a roupa do corpo. Desde então, o local foi isolado, e o acesso de moradores é restrito. Mais de 120 metros de rejeitos avançaram sobre a comunidade, soterrando cinco casas e ameaçando outras 119, que foram interditadas pela Defesa Civil do município. Outros dois estabelecimentos, um curral e um galpão onde funcionava uma fábrica de sapatos, também ficaram completamente destruídos. Apesar da gravidade, não houve vítimas ou feridos.

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Em visita à comunidade, a reportagem não teve acesso à área atingida, mas relatos dos moradores detalham o caos. Casas com paredes quase encostadas na terra de rejeitos estão sob risco iminente, enquanto objetos pessoais e eletrodomésticos permanecem no interior das residências interditadas. “A casa da minha cunhada dá até medo de entrar. E eles não deixam tirar nada. Vai perder tudo se tiver um novo deslizamento”, disse um morador, que preferiu não se identificar.

Com a voz embargada, uma das moradoras que viu sua casa ser engolida pelo rejeito descreveu o desespero de assistir à sua história reduzida a escombros. “Tudo o que demorei a construir se perdeu em segundos. Minha vida toda está ali. Fiquei sem perspectiva”, afirma a moradora, que também preferiu não ser identificada. Ela conta que havia acabado de sair para trabalhar, quando foi alertada por vizinhos sobre o deslizamento. Voltou correndo para salvar o que fosse possível. “Peguei minhas três cachorrinhas e saí. Horas depois, minha casa estava soterrada”, contou.

Na madrugada de domingo (8/12), os estrondos provocados pelo desabamento das casas ecoaram pela comunidade e assustaram moradores como Sandra de Paula, de 42 anos. "Já chorei tanto. Ouvimos um barulhão, era a casa da vizinha desabando. Parece que está caindo aos poucos”, relata com os olhos novamente marejados. No dia do acidente, ela estava em casa dormindo, quando o marido, Gerônimo Cristóvão Lemos, de 42, apareceu gritando para ela e o filho, de 11, saírem de casa. “Eu não acreditei. Depois que vi que estava desabando mesmo. Saímos correndo só com a roupa do corpo”, diz.

A casa em que Gerônimo cresceu e onde o casal criava o filho foi interditada, mas permanece de pé. O pai estava na padaria quando o desastre começou. Ao voltar, viu o caos se instalar. “Pegamos o que deu e saímos”, relata. A família agora está hospedada em um hotel, mas o lar que havia construído ao longo de anos ficou para trás. Sandra pediu acompanhamento psicológico para o filho, que tem chorado incessantemente desde o deslizamento. “Ele está tremendo, com medo. Por mais que a gente converse, não adianta”.

Há anos os moradores convivem com os impactos da atividade mineradora: explosões frequentes que causam rachaduras nas casas, poeira constante e a perda do acesso à água potável diretamente do rio. “Antes, tínhamos nossa água limpa, do ribeirão. Nadava lá quando era criança. Hoje, temos que pagar pela água e, pior, quando tínhamos cisterna não faltava água, agora falta direto”, conta Gerônimo. A comunidade, formada por gerações de famílias, já enfrentava havia uma semana o desabastecimento de água. “Hoje conseguimos voltar para pegar algumas roupas, mas está tudo sujo, porque estávamos sem água”, conta o autônomo, ao lamentar também a perda de dias de trabalho.

A sensação de descaso permeia o relato de muitos moradores. Maria Ângela da Silva, de 56, é dona de casa e mãe de Gilmar, de 31, que tem autismo severo. A rotina já desafiadora tornou-se insustentável. “Eles querem que eu vá para um abrigo, mas ele não se adapta. Fica agressivo”, conta, destacando que Gilmar ainda depende de cuidados especiais, como fraldas e babadores. Sem ter para onde ir, ela e a família passam o dia em um banquinho de praça na beira da estrada, à espera de respostas. À noite, eles vão para a casa do irmão de seu marido, a poucos metros dali, mas Maria Ângela diz que não consegue descansar. “Como dormir? A gente não sabe o que vai acontecer”, desabafa.

Enquanto fala, mostra os pés sujos de terra, como um símbolo de sua resistência e desamparo. “Queria tomar um banho, mas não dá. Estamos acuados, sem banho, sem comida, sem assistência”, declara. Há mais de uma semana sem abastecimento, a casa está tomada por louça acumulada, chão sujo e alimentos estragados na geladeira, que o marido dela, Rildo Antônio Lemos, de 59, mostra angustiado. Mesmo com as dificuldades, ela resiste à ideia de abandonar sua casa. "Deixar tudo para o povo roubar?", questiona, temendo pela segurança de seus pertences. Sem acesso a alimentação adequada ou cuidados básicos, passou a segunda-feira com fome, alimentando-se apenas de pão. "Parece que eles não se importam", conclui.

Outros moradores enfrentam o dilema de abandonar os animais e as plantações que sustentam suas famílias. Muitos têm gado, porcos e galinhas, mas o acesso às propriedades é restrito. “A casa da minha cunhada está prestes a desabar, e nem deixar tirar os eletrodomésticos eles deixam. Vai perder tudo”, conta um morador anonimamente. Na manhã de ontem (9/12), equipes de resgate trabalharam na retirada de animais de estimação da área isolada. Até então, 191 animais haviam sido registrados. Desses, 148 foram devolvidos a seus tutores, quatro levados para abrigo em clínica veterinária e 39 permanecem em campo por motivo de segurança.

Para tentar conter novos desastres, barreiras de contenção foram erguidas, e drones monitoram o terreno instável. A mineradora também instalou radares na tentativa de prever novos deslizamentos. “Estamos monitorando o perímetro. Até agora, não houve evolução do deslizamento, mas estamos trabalhando, sim, com a possibilidade de novos deslizamentos”, afirmou o capitão Thales Gustavo de Oliveira Costa, do Corpo de Bombeiros, em entrevista ao Estado de Minas. Ontem, equipes do Corpo de Bombeiros e Defesa Civil organizaram entradas monitoradas na área isolada para que resgatem itens pessoais.

A chegada das chuvas, prevista para hoje (10/12), torna o cenário ainda mais preocupante. “Isso pode acelerar o deslocamento da massa de rejeitos, e por isso estamos redobrando os esforços para garantir a segurança", reforçou o capitão dos bombeiros, que chegou a aconselhar os moradores a retirar o que desse. Os bombeiros atuam também na remoção de 43 mil litros de combustível armazenado em um posto atingido pelos rejeitos como medida preventiva para evitar riscos adicionais. No dia seguinte ao desastre, a Agência Nacional de Mineração (ANM) interditou as atividades na mina. Ontem, o Ministério Público de Minas Gerais pediu a suspensão das atividades da mineradora no local e o bloqueio de R$ 200 milhões.

Ainda não há previsão para o retorno dos moradores às suas casas nem certeza de que será possível voltar a ocupá-las. “Nós reforçamos o pedido para que as pessoas preservem a segurança, que é o mais importante, e que aguardem um comunicado oficial até que a situação se normalize novamente”, alerta o capitão Thales Gustavo.

Sílvia Pires
SP
postado em 10/12/2024 11:32
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