O governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, recuou da posição que defendia sobre as câmeras corporais nas fardas dos policiais. Ele garantiu, ontem, que além de aderir ao programa, pretende ampliá-lo.
"A questão das câmeras: era uma pessoa que estava completamente errada nessa questão. Tinha uma visão equivocada, fruto da experiência pretérita que tive, que não tem nada a ver com a questão da segurança pública. Hoje, estou absolutamente convencido de que é um instrumento de proteção da sociedade, do policial. Vamos não só manter, mas ampliar o programa", afirmou Tarcísio.
A mudança de postura tem a ver com a repercussão negativa das imagens de policiais militares em flagrantes de agressão. O primeiro, registrado no domingo passado, mostra um PM atirando um jovem de cima de uma ponte, em um córrego. No segundo, ocorrido no começo de novembro — mas que só veio à tona nesta semana —, um homem que furtou quatro frascos de sabão é morto com 11 tiros nas costas por um agente das forças de segurança que estava de folga. Aos dois episódios, somou-se a agressão a uma mulher idosa que tentou defender filho e neto de uma abordagem policial.
As denúncias de brutalidade da PM paulista vêm se avolumando desde a polêmica Operação Verão, no litoral paulista — que deixou 57 mortos. À época, cobrado sobre a letalidade das ações, Tarcísio desdenhou.
"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", reagiu.
Ainda na disputa eleitoral ao governo paulista, Tarcísio mostrou pouca simpatia com o programa de câmeras corporais para a PM. Em 2 de maio, em entrevista ao Bom Dia SP, da Rede Globo, novamente colocou em dúvida a efetividade do programa.
"A gente não descontinuou nenhum contrato, os contratos das câmeras corporais permanecem. Mas qual a efetividade das câmeras corporais na segurança pública? Nenhuma. Preciso investir pesado em monitoramento. Isso custa muito dinheiro. É a melhor aplicação do recurso que a gente está buscando para proteger o cidadão", afirmou. Tarcísio ameaçou não renovar o contrato para manter os equipamentos, logo que assumiu o governo, mas voltou atrás.
Além de afirmar que as câmeras são importantes, Tarcísio deu a entender que pode tirar Guilherme Derrite do comando da segurança pública de São Paulo. Se na quarta-feira, depois de uma cerimônia na Câmara dos Deputados, foi enfático ao dizer que o secretário estava mantido, ontem o governador mostrou-se reticente.
"Momento de crise você não deve fazer mexida. Não é hora. Imagina cada situação difícil que você enfrentar. Deixo de ter a confiança nas pessoas e parto para uma mudança generalizada. Interpreto isso como uma coisa ruim. Entendo que, ao fim e ao cabo, a responsabilidade dos problemas é minha", afirmou.
Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, demonstrou-se otimista com a mudança de posição de Tarcísio em relação às câmeras. Para ele, a sociedade civil precisa "acompanhar, cobrar as autoridades por medidas práticas e estar sempre repercutindo esses casos para que não caiam no esquecimento".
Prisões
Quatro dias depois de jogar um homem de cima de uma ponte na Zona Sul de São Paulo, o PM Luan Felipe Alves Pereira foi preso e encaminhado ao presídio Romão Gomes. Além disso, o policial Gabriel Renan da Silva Soares teve prisão decretada por atirar pelas costas num jovem que furtara quatro frascos de sabão de um mercado.
Em nota enviada ao Correio, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que "desde o início do ano passado, mais de 280 policiais foram demitidos e expulsos, enquanto um total de 414 agentes foram presos. A Polícia Militar mantém um programa de formação continuada para todo efetivo. Os policiais são submetidos a capacitações teóricas e práticas para atualizar e aprimorar as atividades de policiamento e o relacionamento com a sociedade".
Lewandowski: "casos isolados"
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou, ontem, que vê com grande preocupação episódios de violência policial e que quer "crer que os abusos são casos isolados".
"Se queremos ser um país democrático, civilizado, as forças de segurança precisam observar rigorosamente os direitos e as garantias de todos os cidadãos e cidadãs. Queremos evitar o 'atirar primeiro e perguntar depois'. Quero crer que os abusos sejam isolados. São casos gravíssimos de abuso de desrespeito total pelos direitos e garantias fundamentais das pessoas, o que é inadmissível", criticou, na 10ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social — que reuniu representantes de diversas instituições ligadas à segurança pública.
Lewandowski reforçou que estuda editar um ato normativo que prevê um uso progressivo e criterioso da força policial como forma de evitar excessos e garantir o respeito aos direitos humanos. O ministro se referia aos recente episódios de violência envolvendo a Polícia Militar de São Paulo — o do jovem jogado de uma ponte em um córrego e o do homem que recebeu 11 tiros nas costas depois de furtar quatro frascos de sabão líquido.
"Temos grande confiança nas corporações policiais, sejam elas militares ou civis. Mas não podemos compactuar com esses casos e que esperamos que sejam isolados contra pessoas que são meros suspeitos, vítimas de violência injustificada", observou.
Para o ministro, tais episódios em São Paulo mostram a importância da implementação da PEC da Segurança Pública. A medida centraliza no governo federal as diretrizes para as polícias, com o objetivo de unificar padrões e promover maior eficiência no setor. A proposta, porém, enfrenta resistência dos governadores de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
*Estagiários sob a supervisão de Fabio GrecchiSaiba Mais